Ainda lembro da primeira vez.
As luzes não acendiam. Estava envolto em um desengonçado malabarismo por entre alças e rodinhas de malas enquanto passava espremido pelo pouco de porta que consegui abrir naquela saga complicada.
Irritado, soltei tudo no chão e tateando no escuro o interruptor da luz decidi que não merecia ser subjugado por aquela falta de know-how básico para sobreviver em um hotel.
“Senhor, basta inserir o cartão no card holder da parede”, ela disse com aquela cara de sonsa prestes a rir como se me chamasse de caipira com os olhos.
Acender as luzes, claro, não foi o único problema que encontrei nessa vida de andarilho dos céus. Perderam a minha bagagem. Duas vezes no Brasil, outra no México. Perdi vôos preso no trânsito, preso na cama ao lado de um despertador sem bateria, por conta de furacões, cinza de vulcões e atentados terroristas. Já tive meu check-in negado em um hotel devido à uma reserva registrada com um sobrenome mal pronunciado. Já fiquei em hotel sem ar condicionado em dia de calor de 40 graus e falta de leitos causada por um congresso qualquer. Fui revistado pela segurança do aeroporto até descobrir que havia metal no meu sapato. Fui revistado pela Polícia Federal. Fui revistado pelo cão da Polícia Federal que procurava resíduos de explosivos nos passageiros que voltavam de um país recém-atacado por terroristas narcotraficantes. Viajei para países arqui-inimigos em semanas consecutivas e, lógico, fui interrogado por autoridades locais e tratado como um espião.
Viajar de férias é legal. Viajar duas vezes por semana era um tormento. O meu amigo Gustavo Fune é famoso por desvendar os meandros do sistema e sair por cima em qualquer situação. O nosso hacker da vida nasceu de bigode no que diz respeito a converter desconfortos de viagens em oportunidades. Em Trip Hacking, compartilhou algumas dessas dicas com vocês para viajar mais, melhor e gastando menos. Uma coisa ou outra aprendi. Seja você um viajante ocasional, seja um rato de avião, tornar a viagem uma experiência cotidiana requer muitas pequenas artimanhas.
Não prometo colaborar para que economizem dinheiro, mas com as dicas a seguir vocês certamente viajarão ainda melhor que o Gus.
Em casa
A viagem começa no momento em que decidimos viajar ou quando somos notificados que teremos de viajar querendo ou não.
Um erro comum de viajantes que sobem em um avião toda santa semana é justamente parar de encarar uma viagem como… bem, uma viagem. Quando saímos de férias procuramos pesquisar sobre nosso destino, opções de hotel, voos, custo, etc. Esse hábito deve ser cultivado mesmo se você for um viajante frequente. A preparação envolve identificar seu destino e buscar na hospedagem a melhor relação conforto/distância possível.
Após a definição de destino e hospedagem, já é possível estimar custos das diárias de hotel e deslocamento. Assegure-se que seu orçamento será suficiente para todas as despesas envolvidas. Esteja atento em viagens internacionais onde sacar dinheiro é mais complicado. Saiba de antemão como irá pagar essas despesas. Se possuir cartão de crédito, leve ao menos dois. Preferencialmente de bancos diferentes e bandeiras diferentes. Caso um falhe, o outro é o backup. Em viagens frequentes ao exterior falta tempo e paciência para realizar câmbio de moedas. Eu desço do avião, paro no primeiro caixa eletrônico que encontro e saco do cartão de crédito na moeda local. Não perca tempo a procura de dólares antes da viagem.
Falando em viagens internacionais, também é preciso fazer um seguro. A maioria das empresas fornece um documento que lhe segura contra acidentes pessoais e eventualidades diversas. Se não receber um desses vá atrás de quem faça, pois nunca sabemos se aquele ceviche estranho vai cair bem no estômago. Leve o seguro impresso, sempre.
Muitos países exigem determinadas vacinas. Nas unidades da Polícia Federal dos aeroportos é possível solicitar uma carteirinha de vacinação. Basta acessar o site da ANVISA, verificar quais as restrições e exigências de cada país e procurar o posto de saúde mais próximo de sua casa.
Gerenciar bilhetes de vôo e dados de hospedagem pode ser tão old school quanto imprimir em uma folha de papel, dobrar e colocar no bolso. Se quiser adotar a via high tech, existem aplicativos web ou para smartphones que auxiliam no gerenciamento da viagem. Produtos como TripIt e TripCase permitem organizar reservas de vôo, hospedagem, aluguel de carro, restaurantes e muito mais através de um único email. Basta encaminhar suas reservas para o email do sistema e voilá: está disponível em seu iPhone, Android ou Blackberry.
Com cartões de crédito em mãos, passaporte e visto válidos, seguro de viagem contra imprevistos, carteirinha de vacinação carimbada e os dados do voo e hospedagem impressos, é hora de começar a preparar a mala.
A mala
Não despache a mala. Despachar a mala traz problemas como possibilidade de extravio, furto ou na melhor das hipóteses, dano causado por funcionários descuidados. Compre uma mala de bordo. São toleradas malas com até 45 polegadas, ou 114 centímetros, na soma de comprimento, largura e altura. Leve outra mala, sacola ou mochila que seja classificada como item pessoal. Essa precisa respeitar 36 polegadas de volume ou 91 centímetro na soma das medidas. A princípio você pensará que suas roupas não cabem ali. Acredite, cabem.
O segredo são os rolinhos. Rolinhos mágicos, como bem explicado por essa comissária de bordo.
Pessoalmente, verifico a previsão do tempo no destino e planejo roupa para sete dias. Caso a viagem se arraste por mais de uma semana, possuo roupa para os cinco primeiros dias da semana, roupa adicional para o dia em que envio a roupa suja para a lavanderia e uma muda de roupa coringa para o caso de a entrega da lavanderia atrasar. Estamos prontos para outra semana.
A última dica é comprar um cadeado internacional. Em alguns aeroportos o nível de alerta local pode determinar que sua bagagem seja inspecionada. Agentes aeroportuários possuem uma chave mestra para abrir cadeados internacionais. Caso o seu cadeado possua qualquer outro padrão, será cortado.
No aeroporto
Há diversas maneiras de realizar o check-in. Entrar na fila é a pior. Se não houve a possibilidade de realizar via web, se não possui um smartphone para autenticar o ticket sem ir à companhia aérea, vá direto para o token. Basta ter o código localizador ou o número do bilhete em mãos. Aproveite para atualizar seu número de fidelidade, escolher o assento e pronto. O cartão de embarque é impresso na hora. Basta seguir para a sala de embarque.
Uma vez lá, se organize para perder o mínimo de tempo na inspeção de segurança. Já coloque todas as moedas, relógio, telefones e metais diversos nos bolsos da jaqueta ou de uma mochila. A idéia é não ter que colocar coisas na bandeja e não ter que retirá-las posteriormente para então devolver uma por uma a seus devidos lugares. Retire a jaqueta com tudo dentro e a coloque na bandeja para agilizar o processo de inspeção por raio-x.
Não preciso dizer para evitar escolher filas com mulheres – que carregam inúmeras jóias e bijuterias – ou passageiros aparentando estar carregando muita carga.
No avião
Vencida a etapa da inspeção, procure seu portão e lembre-se: somente banque o esperto aguardando sentado pelo embarque do último passageiro caso não esteja com uma bagagem de mão adicional. Se estiver, embarque logo e assegure espaço para sua mala nos compartimentos aéreos e para sua mochila debaixo do assento da frente. Nessas horas vale a pena possuir cartão fidelidade para cair naquela fila da direita que recebe o privilégio de embarcar antes de todo mundo. Óbvio que as poltronas centrais são as piores, mas evite também as janelas.
Além de ter de obrigar todos os vizinhos de poltrona a se levantarem quando quer ir no banheiro, terá de contar com a boa fé deles caso esteja de olho em um desembarque rápido. Para melhor posicionamento dentro da aeronave, sugiro reler as dicas de flight hacking do Gustavo Fune.
No destino
Se desembarcou do avião seja no Brasil ou em qualquer outro país e não tem dinheiro no bolso, o procedimento é o mesmo. Procure por um caixa automático. Lá fora, eles possuem comunicação com as operadoras de cartões de crédito internacionais. Basta inserir seu cartão internacional e pedir para sacar direto do crédito. Caso esteja fora do país o dinheiro obviamente sairá na moeda local lhe poupando assim o trabalho de procurar uma casa de câmbio.
O próximo passo, fora beber um café ou fazer um lanche, é seguir para o hotel ou seu local de hospedagem. Muitos países da América Latina e, como bem sabemos, o Brasil sofrem problemas com a criminalidade. Taxis são um ótimo alvo para assaltar turistas desavisados. Somente pegue taxi nos quiosques conveniados aos aeroportos. Pague com cartão de crédito antes de se dirigir ao carro. Uma vez que o pagamento não é realizado com dinheiro, os taxis de aeroportos são menos visados.
No hotel
Feito o check-in solicite cofre no seu hotel. Já ouvi relatos sobre o quão fácil é destravar essas caixas-fortes mas não acredito que a camareira do dia-a-dia tenha acesso. Mesmo que saia do quarto somente para fazer um lanche deixe os valores maiores trancafiados. Evite transitar por aí com muito dinheiro em espécie e com documentos originais como o passaporte. Brasileiros têm fisionomia genérica. Nosso passaporte vale ouro no mercado negro de alguns países.
A sexta-feira de manhã é o período mais tumultuado do lobby de um hotel. Não aguarde para fazer check-out na última hora caso tenha pressa no dia mais caótico da semana. Na quinta a noite solicite o early check-out e efetue o pagamento antes de dormir. No dia seguinte pela manhã bastará deixar a chave no balcão e solicitar o transfer para o aeroporto.
Solicite o transfer. A maioria dos hotéis dispõe de um serviço de taxi executivo, o transfer. Em sua grande maioria são carros pretos com películas escuras, bancos de couro, espaço de sobra e conforto VIP merecido para você se deslocar por aí. Esses transfers combinam o preço fixo por trajeto antes da partida sem uso de taxímetro. Raramente têm o preço muito superior ao de um taxi tradicional caracterizado.
Quando chegar no aeroporto recomece todo o processo segundo a dica do check-in eletrônico e… bem, você pode retornar ao início desse guia.
Boa viagem. Nos vemos em algum aeroporto por aí.
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