Tom Gabel foi vocalista, guitarrista, compositor e letrista na banda de punk rock anarquista Against Me!

Foi. No passado. Mas ele não morreu, exatamente, nem saiu da banda. O que aconteceu foi outra coisa: ele deu origem a outra pessoa.

Este era Tom Gabel

O começo normal

Os primeiros anos da carreira de Tom foram “normais”, dentro do contexto do que é normal para uma carreira de punk rocker.

Em 1997 ele começou a tocar, sozinho mesmo, cantando apenas com seu violão. Logo ele transformou aquilo uma banda completa, com quatro integrantes, e lançou seus discos com gravadoras independentes locais. Aos poucos o seu som com discurso anarquista e pegada seja com refrões cantados em bando conquistou uma base de fãs e um reconhecimento crítico cada vez maior — a Against Me! chegou a ocupar posições de destaque em rankings da Billboard e Rolling Stone.

Após ser agredido e preso pela polícia apenas por ser um jovem de moicano e jeans sujos, Tom desenvolveu uma aversão a qualquer tipo de autoridade. Mais do que isso, à simples ideia de alguém ter poder completo sobre outra pessoa. Daí viriam seus ideais anarquistas e de liberdade, que foram levados às últimas consequências.

O que Deus não deu a Tom Gabel

“Don’t let them tell you who you are. What God doesn’t give to you, you’ve got to go and get for yourself.”

(“Não deixe que digam quem você é. O que Deus não te deu, você terá que conquistar por você mesmo.”)

O trecho acima consta na letra de “Bamboo Bones”, música presente em White Crosses. E foi exatamente o que Tom Gabel fez. Conquistou seu verdadeiro gênero.

Link YouTube | Bamboo Bones

Trans(torno de identidade de gênero)

“A cada 40 mil pessoas uma nasce menino e com um problema que será muito difícil para os familiares e o mundo à volta compreender.
Esta criança já é um transexual, uma pessoa que sente grande desconforto com o fato de ter um corpo incongruente com o que pensa de si mesma. Estas pessoas nascem com uma percepção de terem nascido com um defeito físico, com um corpo errado que precisa ser consertado. Mas este não é um problema apenas para esta pessoa. Existe grande dificuldade para os profissionais de saúde atuarem neste campo.”
Oswaldo M. Rodrigues Junior, psicólogo

“O clichê é que você é uma mulher presa num corpo de homem, mas não é assim tão simples. É um sentimento de desconexão com seu corpo e com você mesmo. E é uma bosta, cara. É uma bosta muito grande.”
–Laura Jane Grace

Em maio deste ano, Tom Gabel anunciou que iniciaria um tratamento à base de hormônios para se transformar em mulher. E afirmou que daquele momento em diante, não seria mais Tom Gabel, mas sim Laura Jane Grace.

A notícia foi inesperada. Mas uma dica já havia sido dada anteriormente. Na música “The Ocean”, que consta no disco New Wave, de 2007, em certo momento Gabel cantava:

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“Se eu pudesse ter escolhido, eu gostaria de ter nascido mulher.
Minha mãe me disse uma vez que ela teria me chamado de Laura.”

Casada com a artista plástica Heather Gabel, com quem tem uma filha, ao falar sobre seus planos disse que nunca se sentiu atraída por homens, mas que nunca aceitou o fato de viver num corpo masculino. Em entrevista recente, Laura contou que, no inicio da adolescência, antes de dormir, rezava para acordar no dia seguinte em um corpo de mulher.

Heather Gabel apoiou a decisão, afirmando querer que ela seja sempre ela mesma. Disse também que do futuro ninguém sabe, mas por enquanto está ao lado dela. E sim, Laura disse que pretende fazer a cirurgia de mudança de sexo.

E esta é Laura Jane Grace, a mesma pessoa

Atualmente Laura Jane Grace vem falando abertamente sobre o assunto. Ele será tema no próximo disco do Against Me!, que levará o nome de Transgender Dysphoria Blues. Um trecho da letra da música que leva o mesmo nome do álbum:

You want them to notice
The ragged ends of your summer dress
You want them to see you like they see every other girl.
They just see a faggot. They hold their breath not to catch the sick
Rough surf on the coast, wish I could have spent the whole day alone with you
With you
You’ve got no cunt in your strut
You’ve got no hips to shake
You know it’s obvious, but we can’t choose how we’re made

O plano é fazer implantes de seios, plástica facial e tratamentos com hormônios. “Nesse momento, estou em uma fase constrangedora de transição. Eu pareço um cara e me sinto um cara, e isso é uma merda. Mas qualquer hora eu vou fazer a transição e me apresentar como mulher”. Laura também pretende fazer psicoterapia por um ano antes de considerar o passo final:

“Eu não estou nem aí de perder o meu pênis. Só é assustador pra caramba por causa da cirurgia. Faz cinco anos que eu preciso tirar meu dente do siso, e eu ainda nem fiz isso.”

Com o Against Me!, além de preparar o novo disco, está excursionando. É visível que Laura Jane Grace está feliz. E no final das contas é só isso que importa.

Afinal, ao se aceitar como é, e não ter medo de se transformar, ela fez aquilo que cantava em suas músicas e que deveria ser o princípio de toda banda punk: mantenha-se firme, não tema e seja você mesmo.

Thiago Duran Nogueira

Já redigiu textos para televisão, teatro e publicidade. Gosta, convive e prefere pessoas doidas, esquisitas e tortas. Não tem paciência com puxa saco, acha Coca-Cola melhor que cerveja, Rolling Stones melhor que Beatles e disco de vinil melhor que mp3. | <a>Facebook</a>"