"Esquerda, esquerda, esquerda, opa! Direita! Esquerda, esquerda… "
Você sabe que os aplicativos já fazem parte do processo de conhecer alguém, não é? Mas sabia que, segundo uma pesquisa do pesquisa realizada pelo Happn Brasil, cerca de 60% dos Brasileiros usa aplicativos de paquera? E que o grupo dono do Tinder (e de uma dezena de outros apps) faturou cerca de US$ 1,73 bilhão em 2018. Ou seja, os matchs vieram pra ficar mesmo.
Por um lado, os apps pareciam um espaço ideal para os tímidos: quem tinham vergonha de paquerar olho no olho, ou quem não gosta de sair à noite poderia encontrar o amor por ali. Mas nem tudo são flores.
Como nos apps de paquera as fotos são o primeiro filtro, muitos caras que (como você e eu) não têm um tanquinho ou mais de 1,70, acabam nem tendo a chance de se conectar e, muitas vezes, inclusive tem escutar desaforos e frases preconceituosas.
Sentamos para conversar com o Fernando Henrique (@fehenrique77), jornalista e produtor cultural que passou os últimos 13 anos morando fora e voltou ao Brasil no ano passado. Ele terminou um namoro antes voltar e, assim que a tristeza passou, voltou pra pista — e pros apps. Foi ai que ele se assustou com a falta de respeito e machismos que rolavam por aqui.
Pegue seu fone, se ajeite da cadeira e vem assistir essa conversa para entender se você já passou por situações parecidas.
Durante o papo, Fernando contou várias situações que rolaram nos aplicativos de paquera gays. Foram episódios que aferam sua auto-estima e saúde mental, assim como acontece com muita gente. Não é à toa que o Grindr, um dos principais aplicativos de encontros gay, foi eleito pela Time Well Spent como o pior aplicativo para saúde mental: 77% dos usuários disseram se arrepender de usar o aplicativo.
A realidade nos apps de paquera entre homens gays tem suas peculiaridades: 1) Mostrar o corpo é essencial: exibem tanquinhos, biceps, coxas malhadas ao mesmo tempo que muitos escondem a cara. E 2) Muitos usuários não são publicamente assumidos e temem que outras pessoas os vejam lá.
(Será que estar escondido atrás de uma foto de bíceps pode fazer com que as pessoas se sintam livres para agir impunemente?)
3 sinais de que estamos perdendo a mão nos aplicativos
'Uma noite e nada mais' não é desculpa para falta de respeito!
Nós do Soltos somos sempre a favor do casual com afeto: não é porque não há relacionamento que não devemos ter cuidado e respeito com o outro.
Ser afetuoso vai além do carinho físico: é prestar atenção, se interessar, ser hospitaleiro. Aquela máxima “não faça com o outro o que não gostaria que fizessem com você” é sempre válida e o cuidado com o outro deve ser usado mesmo que vocês não se vejam nunca mais!
Aquela pessoa não é sua boneca inflável!
Na nossa conversa, o Fernando ainda citou coisas que já ouviu em um aplicativo como: "nunca peguei um negão como você". Além de racista, essa frase objetifica o coleguinha de forma que ele não sabe se o cara está de fato interessado nele ou na ideia de pegar "um negão".
Fernando diz que essa frase "machuca muito e ofende. Porque fere não só os seus princípios mas vai numa ferida de o quão eu sou legal sendo eu ou o quão eu faço parte de uma lista de fetiches que aquele cara pode me colocar".
O outro não pode ser reduzido a um objeto que a gente leva para casa para atender aos nossos desejos.
Não é porque você tem uma preferência que você pode descriminar os outros.
Todo nós temos nossas preferências e sabemos que características dos crushes nos excitam em especial. A liberdade do tesão está super garantida, é claro. Ninguém é obrigado a gostar de todos os tipos de pessoas, e a dinâmica do aplicativo é bem clara, não é? Quem gostou dá um like; quem não gostou passa para a esquerda.
Frases na bio como "não gosto de gordos", "não dou match com asiáticos" ou "pessoas com menos de 1,75, nem pensar" é uma forma de ofensa e desrespeito a pessoas que se enquadram em tais perfis. (E isso também acontece nos aplicativos de encontros entre héteros: "apenas mulheres sem filhos", "Máximo de 60 quilos" e por ai vai…)
Palavras ferem e criam um ambiente ainda mais hostil para os que não estão nesse padrão. Parece que muitos dos usuários têm esquecido que o virtual é também um espaço público. Pensa que o aplicativo é como uma balada: você usaria uma camiseta com alguma dessas frases?
Nos apps de paquera gay, o machismo e a homofobia imperam em frases como: "procuro macho", "não curto afeminados" ou "não curto caras que frequentam o ambiente gay".
Isso não só reflete um ideal de masculinidade bruta, desprezando as outras formas de ser homem, como também reforça a homofobia introjetada dentro dos próprios gays.
A gente tem tão pouco espaço pra escrever nos perfis, por que não usar ele pra chamar atenção de coisas positivas? Tipo: "me derreto com sotaque mineiro" ou "gosto de gente que tem pegada". É mais sexy e divertido. Não tem nada mais brochante que pessoas negativas ou com discurso de ódio.
7 dicas de boas práticas nos aplicativos.
Propomos aqui um pequeno manual de boas práticas para que o convívio e os encontros, mesmo que virtuais, possam ser mais saudáveis e respeitosos. Confere abaixo nossa sugestão e fica a vontade para comentar quais outras atitudes precisam ser revistas nesse mundo dos apps.
1. Não escreva nada que você não falaria ao vivo
Lembra a história de que o aplicativo é praticamente um bar no seu bolso? Antes de mandar qualquer mensagem pro coleguinha ou pra coleguinha se faça essa pergunta: eu falaria isso ao vivo se estivesse num bar? Se ficar em dúvida, melhor tentar outra aproximação .
Muitas pessoas — principalmente as mulheres que historicamente sempre foram objetificadas — não vão curtir muito elogios como "delícia" e "tesão". Entre homens talvez isso seja mais aceito, mas mesmo assim é melhor não ir com o pé na porta.
Ainda que o objetivo do diálogo seja apenas um sexo casual, acreditamos que você tem mais potencial, repertório e inteligência para fisgar o crush com um papo interessante ou com elogios sutis ao invés de um elogio grosseiro.
Conquistar pelo humor e ir construindo o desejo no outro é sempre mais interessante (e os resultados tendem a ser melhores).
2. Nudes: "Me faça querer!"
Dos homens, 70% admitem que já enviaram nudes não solicitados. Nós já entrevistamos a maravilhosa Gabi Feola do PdH sobre como não ser invasivo e desrespeitoso com os nudes. Mas re
sumidamente, não há nada pior que ver algo que não queremos ver.
Por isso, acredite que mandar seus nudes nem sempre vai fazer com que a outra pessoa se sinta lisonjeada nem que ela vá querer responder na mesma moeda.
3. Prefira lugares públicos e faça sua pesquisa!
Como já dissemos, muitos homens gays não postam fotos e preferem marcar em locais privados, porque não são assumidos e não querem ser identificados. Acontece que isso abre margem para golpes: assaltos, agressões planejadas por homofóbicos, entre outros. Então, todo cuidado é bem vindo.
Peça redes sociais ou pelo menos o whatsapp. Stalkear a pessoa para saber se ele realmente é a pessoa da foto pode ser uma medida de segunça. Na hora de encontrar, marcar em um local público pode ser sempre a melhor saída.
4. O combinado não sai caro!
Ser amigável não significa querer romance, é apenas um respeito e um cuidado básico. Depois de um sexo casual sempre é legal ter um cuidado com a outra pessoa e deixar algumas coisas avisadas: se não quer dormir com a pessoa, combine antes e acertem horários.
Desse jeito ninguém é pego de surpresa igual ao Fernando, que teve que gastar uma grana de uber, de madrugada e com neve cobrindo a cidade.
5. Não passe por cima de você
A verdade é: muitas vezes a gente está carente ou com tesão e passamos por cima de nossos princípios básicos. Aceitamos entrar em situações que jamais toleraríamos em outros momentos porque, afinal de contas, ele/ela "é uma graça e eu preciso disso hoje", ou até mesmo por que tem vezes que a química não bate mas a gente não quer decepcionar e deixar o outro na mão.
Aprender a não passar de seus limites internos e dizer "não, obrigado" pode nos livrar de muitos arrependimentos futuros. Lembrando sempre que nossa mão pode ser nossa parceira e trazer aquela paz necessária pra dormir sem o custo de pensar "pra que eu fui sair de casa?". (Quem nunca?)
Eu sou o cara que ninguém procura, e agora?
Aprenda o valor do deboche
O nosso entrevistado conta que uma vez teve uma conversa desagradável com um sujeito em um aplicativo. Depois de uma série de faltas de respeito, Fernando ainda teve que ouvir um "vai tomar no c*" no auge da madrugada. Algum tempo depois Fernando esbarrou com o mesmo sujeito no supermercado, o cutucou e disse: "Olha, você tinha me mandado tomar no c*. Te conto que eu tomei e foi maravilhoso."
O deboche sempre uma saída porque tira o outro de uma posição de importância. É claro que nessa vida de apps muitas vezes a gente precisa ter sangue de barata, mas precisamos aprender a dar cada vez menos importância às pessoas que nos ofendem de alguma forma. E usar o deboche é sempre uma maneira fina, elegante e sincera de colocar o outro no seu devido lugar e ainda sair pleno. Então fala com jeitinho e não entra na onda de ofender.
Construa uma auto-estima que valorize quem você é
Se você se sente fora do padrão, pouco atraente e sofre com baixos retornos de match nessa prateleira da solteirice, saiba que você não está sozinho.A gente entrevistou o Ricardo Cestaria que foi virgem até os 27 anos e recebeu o apelido de "o feio" na escola.
Ele conta como se apropriou da persona do nerd e se empoderou a partir dela. Talvez ele e você nunca tenham tanquinhos, mas saber usar a inteligência, o bom-humor e até o gosto por literatura russa como diferenciais, pode ser altamente atrativo. Se você quer aprender dicas de como não sucumbir ao bullying e usar seus diferenciais a seu favor, assiste essa conversa.
E só pra não esquecer…
Sempre bom lembrar que a camisinha e o PREP [precisamos falar sobre PREP] associados são a melhor maneira de se prevenir. Os casos de sífilis no Brasil estão aumentando vertiginosamente, principalmente em São Paulo, e que não existe grupo de risco.
Então a melhor maneira é camisinha, exames frequentes e se pintar alguma dúvida, procure ajuda médica sem medo e sem culpa.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.