Trabalhei por muitos anos na mesma empresa e, mesmo tendo um salário relativamente bom, sempre soube que poderia ganhar bem mais em alguma outra empresa. 

Mas preferi ficar por ali. 

Lá eu tinha ampla flexibilidade de horário, podia entrar mais tarde e sair mais cedo, desde que não prejudicasse minhas atividades. Por isso escolhi bem-estar em detrimento do dinheiro.

No geral, nosso critério por emprego segue um indicador muito forte. Escolhemos aquele que paga mais e só depois de saber o salário é que nos preocupamos com outros pontos que possam existir. Em termos gerais, somos péssimos em mensurar estimativas abstratas.

Quanto vale seu tempo? 


Quanto vale fazer academia ou aprender um novo idioma? Todas essas noções são bem mais confusas para nosso cérebro do que costumamos considerar. Na contramão, 5 ou 8 mil reais são diferenças claramente visíveis em nossas cabeças.

Eu estava ouvindo o Mamilos Podcast sobre desigualdade social quando começaram a contabilizar alguns fatores de desigualdade que são invisíveis para a maioria das pessoas, mas que na prática fazem brutal diferença.

Seguindo – não literalmente – o exemplo que eles apresentaram, pense em dois jovens estudantes que frequentam a mesma escola particular.

Um deles mora em uma região mais distante e precisa de pelo menos dois ônibus para ir à aula. Passa em média 4 horas do seu dia no trânsito, entre engarrafamentos, caminhadas e troca de transportes. Sua aula começa às 7h10, então precisa acordar às 4h30 para chegar a tempo. O outro mora bem mais próximo, em um bairro de classe média alta e vai para as aulas de carro todos os dias com a mãe, que leva e busca o garoto. Ele acorda às 6h00, toma café da manhã e pega 30 minutos de trânsito até a escola.

Apesar de compartilharem o mesmo ensino, o rendimento do primeiro tem tudo para ser inferior, já que ele assiste às aulas mais cansado e com maiores chances de perder conteúdo. Enquanto ele está no ônibus, na volta, o outro já está há tempos em casa e pode fazer inglês, aulas de reforço, exercícios e outras inúmeras atividades que influenciam seu desenvolvimento, adicionando enorme vantagem competitiva no médio e longo prazo.

O texto não é sobre desigualdade, até porque um cara pode ter pior qualidade de vida por passar 40 minutos de carro no trânsito do que alguém que não tenha veículo e caminha 20 minutos até o trabalho, mas esses exemplos são capazes de apontar com muita eficiência a importância do tempo e como sua disponibilidade representa uma diferença imensa em relação aos que têm seu tempo comprometido.

Por mais contra-intuitivo que possa parecer, dinheiro não é exatamente nossa moeda corrente. Estamos o tempo todo negociando tempo. Nosso salário é o que recebemos por vender nosso tempo para uma empresa. Quando contratamos um serviço, estamos pagando o tempo de outra pessoa, para poupar o nosso. Quando escolho um táxi em vez do ônibus, pago mais caro para chegar mais rápido. Existem, obviamente, outros fatores no meio dessas relações mas, no geral, estamos apenas trocando dinheiro por tempo, seja nosso ou dos outros.

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Não estou dizendo que dinheiro não tem importância, mas a máxima abaixo é verdadeira:

Mais dinheiro nem sempre significa mais felicidade


Todo mundo já se deparou com um possível valor salarial e pensou, “se eu ganhasse tudo isso seria tão bom, resolveria todos os meus problemas”. Mas quando passou a receber tal quantia, não foi bem o que aconteceu. 

De forma ampla, existe um ponto salarial em que ainda sentimos essa diferença, que ganhar mais significa ter mais dignidade e acesso aos meios e ferramentas que facilitam e melhoram a vida. Depois desse ponto específico, essa relação não cresce como antes. 

O aumento do salário não trará uma sensação maior de felicidade

Este é o momento em que razões mudam e ter mais tempo passa a significar mais qualidade de vida.

É preciso certo sangue frio para encarar a situação e pensar com clareza, entender se é mesmo mais dinheiro de que precisamos naquele momento. Pode parecer estranho, mas trocar o aumento tão esperado por uma hora a menos de trabalho, poder entrar mais tarde ou sair mais cedo, talvez traga mais satisfação do que uma razoável quantia de dinheiro.

Com uma hora extra você pode dormir melhor, acordar de bom humor e se arrumar com mais calma. Só essa calma que o horário mais estendido adiciona já se reflete diretamente no resto do dia. Dá pra fazer academia, pegar menos trânsito, cortar o cabelo, se maquiar com calma, aprender um idioma novo, brincar com o filho e pegar um pouco de sol caminhando no parque.

Como começar a virar essa chave?


Nossa relação com o dinheiro e sua importância está tão enraizada em nossa cultura que acaba atrapalhando nossa percepção do que realmente estamos buscando. No meio do furacão, deixamos de lado nossa racionalidade, nos afundamos no trabalho para ganhar cada vez mais. Queremos uma casa maior, um carro melhor, um smartphone mais novo. Trocamos todo nosso tempo por coisas que custam muito mais caro do que apenas o dinheiro que pagamos por elas.

Falo, neste texto, apenas da relação entre trabalho/ dinheiro e trabalho/tempo, mas não precisamos nos limitar a isso. Podemos sempre olhar a nossa volta e pensar em como fazer esse câmbio entre dinheiro e bem-estar.

Quando apontamos nossa mira para o dinheiro, todo o resto se torna um meio de ganhar cada vez mais, num ciclo infinito. Se mudarmos o foco para o bem estar, dinheiro passa a ser apenas uma peça que nos facilita até determinado ponto, não fazendo mais muito sentido sacrificar coisas tão mais valiosas apenas para faturar um pouco mais.

E o leitor? Quais as formas que utiliza para sair da urgência de ter cada vez mais dinheiro e começar a viver com mais leveza? 

Enriqueça o texto compartilhando sua visão nos comentários.

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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.