Fulano: Ei, você poderia me dar uma mão nesse problema, cara?

“Super-pessoa”: Manda, eu te ajudo!

“Salvar a cidade? Xá comigo. Feito.”

Esse diálogo poderia ser um belo gesto de generosidade. Mas não, nesse caso a super-pessoa é alguém com o hábito de oferecer mais ajuda do que consegue seguidamente. E o resultado tende a se repetir, ela falha em dar conta de suas promessas.

Estamos falando de um padrão de comportamento bem destrutivo, que muitas vezes é visto com bons olhos em nossa cultura de super-produtividade, o famoso “deixa comigo que eu resolvo! mato no peito! tá na minha!”. Existe um gigantesco reforço positivo para pessoas que se dispõem a resolver o que precisa ser feito, ou o que ninguém mais resolve.

Entretanto, pessoas habituadas a essa postura nem sempre conseguem avaliar a extensão e complexidade do problema que se propuseram a resolver.

Não raro estão envolvidas em alguma atividade de ajuda, seja na área da saúde, em algum tipo de prestação de serviço de socorro ou trabalho voluntário.

Já existe até um diagnóstico para esse tipo de situação que é o burnout da empatia (esgotamento da empatia).

Burnout da empatia

Esse quadro tem características muito típicas:

  • Esgotamento físico e emocional
  • Irritabilidade
  • Mudanças de humor
  • Problemas de concentração e memória
  • Baixa autoestima
  • Ansiedade
  • Depressão

Mas existe um quadro subclínico, que não chega a apresentar todas essas características e mesmo assim está presente em muitas pessoas que sequer imaginam que precisam de ajuda.

Elas permanecem anos emocionalmente exaustas por um motivo simples: acham que ajudar os outros é mais importante do que serem ajudadas

“Deixar um trem passar por cima de mim? Sussa, minha lombar tá ótima, ando fazendo muito pilates.”

São verdadeiros missionários, mas que muitas vezes se dispõem a fazer tudo que podem pois o que realmente desejam é conquistar a estima das outras pessoas.

“Mas é só para ajudar genuinamente os outros, Fred, não tem segundas intenções, juro”.

Nem sempre o que dizemos bate com o que sentimos ou desejamos. Homens e mulheres por vezes embarcam nessa postura missionária com certo orgulho pessoal. Como se fosse uma grande virtude lidar com qualquer tipo de problema, mesmo sob o custo de sobrecarregar e sofrer pesados danos sociais, emocionais, financeiros e até mesmo físicos.

“Eu dou conta”, mas não

Na prática há uma pessoa cheia de boa vontade, mas que não consegue orquestrar efetivamente a pilha de tarefas que assume, falhando miseravelmente na jornada. Se culpa, sofre, veste a capa do super-herói-mártir e logo entra no ciclo novamente. 

Quanto mais negligencia sua própria vida, inconscientemente sente que merece menos o cuidado dos outros. Quanto menos dá atenção a si mesmo, mais carente fica, necessitando ajudar os outros para se sentir validado e importante. Um verdadeiro buraco (sem fundo) emocional.

Possíveis colaterais: dívidas, baixa de libido e mentiras

Para sustentar esse ciclo de “superação” constante é bem comum que a sobrecarga se converta em sintomas severos.

As dívidas podem surgir por conta de uma desorganização financeira decorrente de tentar fazer tudo pelos outros, mesmo que não consiga pagar ou se sustentar.

Me lembro de uma paciente dona um excelente salário, mas que estava sempre devendo para ajudar o irmão que ela via como irresponsável e problemático. Ele já tinha sujado o nome dela, estourado os pontos na carteira de motorista e criado muitas situações embaraçosas no casamento da irmã, tudo por conta do vício em bebida.

A perda de libido também é uma característica bem comum, nos homens isso surge como impotência ou instabilidade na ereção.

Leia também  Mind blown! Por que pensamos como pensamos?

Como a pessoa sobrecarregada pouco olha para suas emoções, não percebe quando está triste, com raiva ou medo de algum acontecimento da vida. Na hora do sexo o corpo não responde a uma mente fadigada cronicamente e a pessoa nem percebe qual seria a causa.

Muitas vezes essa pessoa acaba satisfazendo seus impulsos sexuais por meio de histórias mais impessoais ou regadas à álcool e drogas.

Além disso, para driblar suas insuficiências mascaradas de “super-eficiência”, as mentiras também podem aparecer, para apaziguar inúmeras faltas.

Se perguntar para os amigos da super-pessoa, eles serão unânimes em afirmar que ela é ótima, mas que está sempre ocupada e com uma vida maluca.

Vestiu a carapuça, Clark? 

No íntimo, quem acha que agüenta tudo parece viver sob o peso da culpa constante e numa dívida eterna com relação a tudo e todos (incluindo a si mesmo), em auto-punição permanente.

Se a pessoa-que-acredita-aguentar-tudo pudesse apenas parar e ter mais compaixão consigo mesma, reconhecendo seus limites de modo mais honesto, seria um gigantesco passo.

À partir daí, abrindo caminho para reconhecer também sua vulnerabilidade, pedir e aceitar ajuda (sim, não é crime e ninguém vai te acusar de fraco).

Essa sim seria uma trilha de verdadeira generosidade, consigo mesma e com os outros. Ao reconhecer e acolher nossas limitações podemos entender do que realmente damos conta e do que não.

Assim carregamos pesos possíveis, levando vidas mais leves e plenas – e deixamos os super-homens para as revistas em quadrinhos.

* * *

Nota do editor: a condição tratada no artigo pode ser encontrada também pelo nome de “burnout da compaixão”. Preferimos alterar para “burnout da empatia”, pois pensando na definição de compaixão que temos usado em nossos textos no PdH, não seria possível ficar esgotado por meio dela. Se esse esgotamento surge, é porque não há compaixão consigo mesmo, e se não compaixão consigo mesmo, é mais provável que também não haja muito dela com os outros. 😉

Aqui um artigo e mais outro, pra se aprofundar nesse entendimento específico. Sugerimos também googlar pela “Kristin Neff“, aos mais interessados nessa perspectiva.


Curso: “Como resolver conflitos e conversas difíceis”, com Fred Mattos [ainda há 4 vagas!]

Os cursos com Fred Mattos (autor da casa, psicólogo, escritor e palestrante) tendem a lotar rapidamente – apenas um aviso amigo 😉

Quantas vezes você se viu completamente paralisado para resolver conflitos emocionais ou com outras pessoas da vida íntima e profissional?

Nos dias 17 e 18 de outubro (sábado e domingo) , Fred Mattos – autor da casa, escritor, palestrante e professor – vai conduzir um encontro para ajudar homens e mulheres dispostos a gerenciar com mais lucidez, equilíbrio e maturidade os seus dilemas pessoais.

O curso será na sede do PapodeHomem, aqui em São Paulo. É uma iniciativa que nos deixa bastante felizes.

Além disso, esse trabalho facilitará você a se comunicar de uma maneira mais assertiva, serena e que realmente toque o ponto central da questão, sem pontas soltas.

Ao final do encontro, a ideia é que os participantes consigam lidar com suas emoções com mais sabedoria, usando uma comunicação adequada para resolução de conflitos.

Ainda há vagas! Mas a turma terá apenas 20 pessoas.

Para saber mais e se inscrever, clique aqui.

Frederico Mattos

Sonhador, psicólogo provocador, é autor do <a>Sobre a vida</a> e dos livros <a href="https://amzn.to/39azDR6">Relacionamento para Leigos"</a> e <a href="https://amzn.to/2BbUMhg">"Como se libertar do ex"</a>. Adora contar e ouvir histórias de vida no instagram <a href="https://instagram.com/fredmattos/">@fredmattos</a>. Nas demais horas cultiva a felicidade