Nota do editor: este artigo de autoria de Arthur C. Brooks foi originalmente publicado na The Atlantic e trata de um tema que interessa a todos nós: o futuro do trabalho. O ponto de vista exposto aqui embaixo é muito interessante e relevante, então, decidimos traduzir e trazer pra vocês. Por tratar-se de um texto bastante longo, decidimos dividir em duas partes. Essa é a segunda e a primeira você pode ler aqui.
Seu declínio profissional está chegando (bem) mais cedo do que você imagina, parte 2
Há alguns anos, vi um desenho animado de um homem em seu leito de morte dizendo: "Eu gostaria de ter comprado mais bobagens". Sempre me surpreendeu que muitas pessoas ricas continuassem trabalhando para aumentar sua riqueza, acumulando muito mais dinheiro do que poderiam possivelmente gastar ou mesmo deixar como herança.
Um dia eu perguntei a um amigo rico o porquê disso. Muitas pessoas que ficaram ricas só sabem medir seu valor em termos pecuniários, ele me explicou, e então eles ficam nesta corrida incessante, ano após ano. Eles acreditam que, em algum momento, finalmente acumularão o suficiente para se sentirem realmente bem-sucedidos, felizes e, portanto, prontos para morrer.
Isso é um erro, e não um dos inocentes. A maioria das filosofias orientais adverte que o foco na aquisição leva ao apego e à vaidade, o que inviabiliza a busca da felicidade ao obscurecer a natureza essencial das pessoas. À medida que envelhecemos, não devemos adquirir mais, e sim nos livrar das coisas para encontrar nosso verdadeiro eu – e, assim, a paz.
Chegará o momento no qual escrever mais um livro não aumentará minha satisfação com a vida; apenas adiará o fim da minha carreira de escritor de livros.
O quadro da minha vida receberá outra pincelada que, honestamente, mal será percebida e certamente não será apreciada por muitos. O mesmo será verdade para a maioria dos outros marcadores do meu sucesso.
O que preciso fazer, na verdade, é parar de ver minha vida como um quadro a ser pintado e começar a enxergá-la mais como um bloco de mármore a ser esculpido e modelado. Eu preciso inverter minha lista de desejos para antes da morte. Meu objetivo para cada ano do resto da minha vida deveria ser não acumular, mas jogar fora coisas, obrigações e relacionamentos até que eu possa ver claramente o meu eu refinado em sua melhor forma.
E esse eu é… quem exatamente?
Ano passado, a busca por uma resposta a essa pergunta me levou para o interior do sul da Índia, para uma cidade chamada Palakkad, perto da fronteira entre os estados de Kerala e Tamil Nadu. Eu estava lá para encontrar o guru Sri Nochur Venkataraman, conhecido como Acharya ("Mestre") por seus discípulos.
Acharya é um homem quieto e humilde dedicado a ajudar as pessoas a alcançar maior lucidez mental; ele não tem interesse em empreendedores viciados em tecnologia que estejam procurando por novas ideias de negócio ou estafados tentando fugir das tradições religiosas em que foram criados. Satisfeito em saber que eu não era nenhuma dessas coisas, concordou em falar comigo.
Disse a ele meu dilema: muitas pessoas bem-sucedidas sofrem com a idade, porque perdem suas habilidades, adquiridas ao longo de muitos anos de trabalho duro. Este sofrimento é inescapável, como uma piada cósmica com os orgulhosos? Ou existe uma brecha em algum lugar – uma maneira de contornar o sofrimento?
Acharya respondeu sucintamente, explicando um antigo ensinamento hindu sobre os estágios da vida, ou ashramas. O primeiro é o Brahmacharya, o período da juventude e da primeira idade adulta dedicado ao aprendizado. O segundo é Grihastha, quando uma pessoa constrói uma carreira, acumula riqueza e cria uma família.
Neste segundo estágio, os filósofos encontram uma das armadilhas mais comuns da vida: as pessoas se apegam às recompensas terrenas – dinheiro, poder, sexo, prestígio – e, portanto, tentam fazer esse estágio durar uma vida inteira.
O antídoto para essas tentações mundanas é Vanaprastha, o terceiro ashrama, cujo nome vem de duas palavras em sânscrito que significam “se aposentar” e “na floresta”. Esse é o estágio, geralmente começando por volta dos 50 anos, no qual nós propositadamente nos concentramos menos nas ambições profissionais e nos tornamos mais e mais dedicado à espiritualidade, servidão e sabedoria.
Isso não significa que você precisa parar de trabalhar quando fizer 50 anos – algo que poucas pessoas podem fazer -, basta ajustar suas metas de vida.
Vanaprastha é um tempo de estudo e treinamento para a última etapa da vida, Sannyasa, que deve ser totalmente dedicada aos frutos daquela lucidez. Em tempos passados, alguns homens hindus deixavam a família na velhice, faziam votos santos e passavam o resto da vida aos pés dos mestres, orando e estudando.
Mesmo que sentar em uma caverna aos 75 anos não seja sua ambição, o ponto ainda deve estar claro: à medida que envelhecemos, devemos resistir às atrações convencionais de sucesso para nos concentrarmos em coisas mais transcendentalmente importantes.
Eu contei a Acharya a história sobre o homem no avião. Ele ouviu atentamente e pensou por um minuto. "Ele não deixou Grihastha", me disse. “Era viciado nas recompensas do mundo.”
Ele explicou que a autoestima do homem provavelmente ainda estava ancorada nas memórias de sucessos profissionais de muitos anos antes e seu atual reconhecimento ainda era puramente derivado de habilidades perdidas há muito tempo. Qualquer glória hoje era uma mera sombra das glórias do passado. Enquanto isso, ele ignorou completamente o desenvolvimento espiritual de Vanaprastha e agora estava perdendo a felicidade de Sannyasa, de vida.
Há uma mensagem nisso para aqueles de nós que sofrem do Princípio da Gravitação Psicoprofissional. Digamos que você seja um advogado, executivo, empreendedor ou, hipoteticamente, é claro – presidente de um Think Tank. Do início da idade adulta até a meia-idade, seu pé está no acelerador, profissionalmente.
Vivendo de sua perspicácia – pela sua inteligência fluida – você busca as recompensas materiais do sucesso, alcança muitas delas e está profundamente ligado a elas. Mas a sabedoria da filosofia hindu – e de fato a sabedoria de muitas tradições filosóficas – sugere que você se prepare para se afastar dessas recompensas antes mesmo de se sentir pronto para tal.
Ainda que você esteja no auge do seu prestígio profissional, você provavelmente precisará minimizar suas ambições de carreira para dar espaço ao seu crescimento espiritual.
Quando o colunista do New York Times, David Brooks, fala sobre a diferença entre “virtudes de currículo” e “virtudes da alma”, ele está efetivamente colocando os ashramas em um contexto prático. As virtudes do currículo são profissionais e orientadas para o sucesso terrestre. Eles exigem comparação com os outros. As virtudes da alma são éticas e espirituais, e não requerem comparação.
Suas virtudes da alma são o que você gostaria que as pessoas falassem em seu funeral. Como “Ele era gentil e profundamente espiritual”, e não “Tornou-se vice-presidente ainda quando espantosamente jovem e ganhou muitas milhas por ser passageiro frequente”.
Você não estará mais por perto para ouvir o elogio às virtudes da sua alma, mas o que Brooks tenta incentivar é que vivamos a vida mais plena possível – especialmente quando chegamos à meia-idade – buscando as virtudes mais significativas para nós.
Suspeito que meu próprio terror do declínio profissional esteja enraizado no medo da morte – um medo que, mesmo que não seja consciente, me motiva a agir como se a morte nunca viesse, negando qualquer degradação em minhas virtudes de currículo. Essa negação é destrutiva, porque me leva a ignorar as virtudes de alma que me trazem maior alegria.
Como superar esse comportamento? O Buda recomenda a meditação com cadáveres: muitos mosteiros budistas da linha Theravada na Tailândia e Sri Lanka exibem fotos de cadáveres em vários estados de decomposição para os monges contemplarem. “Este corpo também”, alunos são ensinados a dizer sobre seu próprio corpo, “tal é a sua natureza, tal é o seu futuro, tal é o seu destino inevitável”.
A princípio isso parece mórbido, mas sua lógica é fundamentada em princípios psicológicos – e não é uma ideia exclusivamente oriental. "Para começar a privar a morte de sua maior vantagem sobre nós", escreveu Michel de Montaigne no século XVI, "vamos privar a morte de sua estranheza, vamos freqüentá-la, vamos nos acostumar com ela; não tenhamos nada mais frequente em mente do que a morte”.
Psicólogos dão a isso o nome de dessensibilização, em que a exposição repetida a algo repulsivo ou assustador faz com que pareça comum, banal, não assustador. E para a morte, funciona.
Em 2017, uma equipe de pesquisadores de várias universidades americanas recrutou voluntários para imaginar que eles estavam com doenças terminais ou no corredor da morte, e depois para escrever posts sobre seus sentimentos imaginários ou sobre suas possíveis palavras finais. Os pesquisadores então compararam essas expressões com os escritos e as últimas palavras de pessoas que estavam realmente morrendo ou enfrentando pena de morte.
Os resultados, publicados na Psychological Science, eram categóricos: as palavras das pessoas que apenas imaginavam sua morte iminente eram três vezes mais negativas do que as das pessoas que realmente enfrentavam a morte – sugerindo que, contraintuitivamente, a morte é mais assustadora quando é teórica e distante do que quando é uma realidade concreta se aproximando.
Para a maioria das pessoas, contemplar ativamente nossa morte para que ela seja presente e real (ao invés de evitar o pensamento dela através da busca irracional do sucesso mundano) pode tornar a morte menos assustadora; abraçar a morte nos lembra que tudo é temporário e pode tornar cada dia da vida mais significativo. "A morte destrói um homem", escreveu E. M. Forster, mas "a ideia da morte o salva".
O declínio é inevitável e tem início mais cedo do que quase qualquer um de nós quer acreditar. Mas o sofrimento não. Aceitar a cadência natural de nossas habilidades configura a possibilidade de transcendência, porque permite a mudança de foco para prioridades espirituais e de vida mais elevadas.
Mas tal mudança exige mais do que meras reflexões lugar-comum. Embarquei na minha pesquisa com o objetivo de produzir um roteiro tangível para me guiar durante os anos restantes da minha vida. Isso gerou quatro compromissos específicos.
Pule (Evite a estagnação)
O maior erro que pessoas profissionalmente bem-sucedidas cometem é tentar sustentar o pico de realização indefinidamente, tentando usar o tipo de inteligência fluida que começa a se desvanecer relativamente cedo na vida. Isto é impossível. A chave é curtir as realizações daquele momento e ir embora talvez antes de estar completamente pronto – mas em seus próprios termos.
Então: renunciei ao cargo de presidente do American Enterprise Institute, e isto já deve ter acontecido no momento em que este ensaio é publicado. Embora eu não tenha detectado deterioração no meu desempenho, era apenas uma questão de tempo. Como muitos cargos executivos, o trabalho depende muito da inteligência fluida. Além disso, eu queria liberdade das responsabilidades de consumo desse trabalho, ter tempo para mais atividades espirituais. Na verdade, essa decisão não foi inteiramente sobre mim. Eu amo minha instituição e tenho visto muitas outras como ela sofrerem quando um executivo-chefe insiste em chefiar por muito tempo.
Deixar algo que você ama pode parecer um pouco como se uma parte de você estivesse morrendo. No budismo tibetano, existe um conceito chamado bardo, que é um estado de existência entre a morte e o renascimento – “como um momento em que você pisa em direção à beira de um precipício”, como um famoso professor budista coloca. Estou abandonando uma vida profissional que responde a pergunta “Quem sou eu?”.
Sou extremamente privilegiado por ter condições e oportunidade de deixar um emprego. Muitas pessoas não podem se dar ao luxo de fazer isso. Mas você não precisa necessariamente sair do seu emprego; o importante é se esforçar para se desprender progressivamente das recompensas terrenas mais óbvias – poder, fama e status, dinheiro – mesmo que você continue trabalhando ou progredindo na carreira. O verdadeiro truque é caminhar para a próxima fase da vida, Vanaprastha, para conduzir o estudo e o treinamento que nos preparam para a realização no estágio final da vida.
Sirva (Compartilhe suas virtudes)
O tempo é limitado e a ambição profissional nos cega para as coisas que mais importam. Passar das virtudes do currículo para as virtudes da alma é passar de atividades voltadas para o eu para atividades voltadas para os outros. Isso não é fácil para mim; Eu sou uma pessoa naturalmente egoísta. Mas tenho que encarar o fato de que os custos de alimentar o ego são devastadores – e agora trabalho todos os dias para combater esse comportamento.
Felizmente, o esforço para servir aos outros pode virar a nosso favor à medida que envelhecemos. Lembre-se, pessoas cujo trabalho se concentra em ensino ou mentoria, atingem o pico mais tarde na vida. Estou, assim, mudando para uma fase da minha carreira em que posso me dedicar totalmente ao compartilhamento de ideias a serviço dos outros, principalmente ensinando em uma universidade. Minha esperança é que meus anos mais frutíferos estejam à frente.
Louve (Explore seu lado espiritual)
Porque eu tenho falado muito sobre variadas tradições espirituais e religiosas – e enfatizado as armadilhas de supervalorizar sucesso profissional – leitores poderiam naturalmente concluir que eu estou fazendo uma separação maniqueísta entre os mundos de culto e de trabalho, e sugerindo que a ênfase está na adoração. Essa não é minha intenção.
Recomendo fortemente que cada pessoa explore o seu eu espiritual – pretendo dedicar uma boa parte do resto da minha vida à prática da minha própria fé, o catolicismo romano. Mas isso não é incompatível com o trabalho; pelo contrário, se podemos nos desligar dos apegos mundanos e redirecionar nossos esforços para o enriquecimento e o ensino dos outros, o próprio trabalho pode se tornar uma busca transcendental.
“O objetivo e fim último de toda a música,” Bach disse uma vez, “não deve ser outro senão a glória de Deus e o revigoramento da alma”. Quaisquer que sejam suas convicções metafísicas, o revigoramento da alma pode ser o objetivo do seu trabalho, como o de Bach.
Bach terminou cada um de seus manuscritos com as palavras Soli Deo gloria – "Glória a Deus somente". Ele falhou, no entanto, em escrever estas palavras em seu último manuscrito, "Contrapunctus 14", de The Art of Fugue, que é interrompido abruptamente no meio do caminho. Seu filho C.P.E. acrescentou estas palavras à partitura: “Über dieser Fuge… ist der Verfasser gestorben” (“Neste ponto do livro… o compositor morreu”).
A vida e o trabalho de Bach se fundiram com suas orações quando ele deu seu último suspiro. Essa é minha aspiração.
Estabeleça Conexões
Ao longo deste ensaio, concentrei-me no efeito que o enfraquecimento do meu trabalho terá na minha felicidade. Mas uma abundância de pesquisas sugere fortemente que a felicidade – não apenas nos anos finais, mas durante toda a vida – está diretamente ligada à saúde e à plenitude dos relacionamentos.
Afastar o trabalho de sua posição de preeminência – antes cedo do que tarde – para abrir espaço para relações mais profundas pode fornecer um baluarte contra a angústia do declínio profissional.
Dedicar mais tempo aos relacionamentos e menos ao trabalho não é incompatível com a realização contínua. “É como uma árvore plantada sobre córregos de água”, diz o Livro dos Salmos sobre uma pessoa justa, “que dá seus frutos na estação, cujas folhas não murcham e que prospera em tudo o que faz”. Pense em um álamo; Viver uma vida de realizações extraordinárias é – assim como o álamo – crescer sozinha, alcançar alturas majestosas sozinha e morrer sozinha. Certo?
Errado. O álamo é uma excelente metáfora para uma pessoa de sucesso – mas não por sua majestade solitária. Acima do solo, a árvore pode parecer solitária. No entanto, cada árvore individual é parte de um enorme sistema radicular, que é, no fim das contas, uma só planta. De fato, os álamos são alguns dos maiores organismos vivos do mundo; um único bosque em Utah, chamado Pando, ocupa 106 acres e pesa cerca de 13 milhões de libras.
O segredo para suportar meu declínio – para desfrutar dele – é tornar-me mais consciente das raízes que me ligam aos outros. Se desenvolvi adequadamente laços de amor com minha família e amigos, meu próprio murchar será mais do que compensado pelo florescimento dos outros.
Quando falo sobre esse projeto de pesquisa pessoal que venho desenvolvendo, as pessoas geralmente perguntam: o que aconteceu com o herói no avião?
Eu penso muito nele. Ele ainda é famoso, é notícia de vez em quando. Logo no início da minha pesquisa, quando vi uma reportagem sobre ele, senti um lampejo de algo como pena – que agora percebo ser realmente apenas uma sensação refratada de terror sobre meu próprio futuro. “Coitado dele” realmente significava “estou ferrado”.
Mas à medida que minha compreensão dos princípios expostos neste ensaio se aprofundou, meu medo diminuiu proporcionalmente. Meu sentimento em relação ao homem no avião é agora de gratidão pelo que ele me ensinou. Espero que ele possa encontrar a paz e alegria que ele está inadvertidamente me ajudando a alcançar.
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O texto de Brooks é potente porque nos convida a repensar nossos valores, objetivos de vida, carreira e caminhos que estamos seguindo em qualquer fase da nossa vida profissional. A busca pelo sucesso profissional e o equilíbrio pessoal é uma das grandes aflições da atualidade. Convidamos todos a compartilharem aqui nos comentários suas reflexões, experiências e sentimentos sobre como encarar o 'declínio' profissional.
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