Seu melhor amigo se revelou gay. E agora? O que fazer?

Calma. A gente ensina.

Aquele seu amigo esquisitão

Vira e mexe o assunto vem à tona:

– Ó, sei não… saímos esses dias só eu e Fulano… Não chegou em mulé nenhuma, e tinha uma porrada dando mó mole pra ele. Cara, tô dizendo, Fulano é caneco. Pô, ele é parceiro mesmo, mas o fato é que ele é.

A culpa é do jeito dele. Um certo jeitinho que desperta a curiosidade de todos, e os comentários maldosos de alguns. Além disso, ninguém nunca o viu pegando mulher alguma, xavecando, chegando junto ou ao menos contando peripécias amorosas ou sexuais. Aliás, essa parte da sua vida é mais enevoada que Londres em dia de fog. Só isso, pra muitos, já é um forte indício de uma possível… baitolice.

Mas você, leitor do PdH, antenado, moderno, cosmopolita, se recusa a deixar que certas idéias machistas e ultrapassadas dominem sua mente. Você sabe que um homem não precisa chegar a todo momento e falar: “pô, to comendo aquela dali, ó”.

Porém, em você existe também aquela dose de curiosidade, mais curiosidade do que maldade, e você resolveu, por que não?, investigar esse assunto tão obscuro e cabeludo. Sem trocadilhos, por favor.

E se ele for mesmo viado?

Em um determinado dia, você – que talvez seja o único do grupo que possa tocar nesse assunto de forma adulta, sem expor Fulano ao ridículo e magoá-lo – resolve que está na hora de uma conversa mais séria, pois deseja terminar, com esta, digamos, possível fofoca, esse mal-entendido e tal…

Para isso, você o convida para seu refúgio, para uma conversa livre da presença indesejada de certas pessoas, “pra tomar umas geladas”, “ver o que tá passando no UFC”, essas coisas.

Mas parece que o simples ato de desligar o telefone engatilha algo em sua mente:

“E se ele for mesmo viado?”

Ao se jogar na poltrona, você já começa a matutar como reagiria a um amargo sim, fica olhando a parede de vinis antigos, se levanta para colocar as brejas no freezer, e pensa, “bem, vamos ver no que dá.”

Ao abrir a porta, você o saúda com o costumeiro “fala aí, malandragem”, mas a resposta vem estranha. Sua linguagem corporal, que não enganaria nem mesmo uma criança, já denunciava seu desconforto. Sorrisinho de boca fechada, olhares fugidios. Mordia o lábio superior. As mãos estavam suadas, respiração tensa.

“Pô cara, fez esforço?”, “Ah é essa ladeira, né?”, e aperta a pancinha sedentária. Mas não, não é isso.

“Toma aí, tá trincando”, e, com o mesmo sorrisinho, ele aceita a cerveja. Fica rolando a garrafa entre as mãos. Os dois se sentam um de frente pro outro. Ora se olham, ora seus olhares fogem – pro vinil do Noel, pro quadro estranho, pra foto do avô fardado em frente a um avião. Você abre a sua cerveja e toma um gole. Ele não.

Antes que sua boca liberasse o menor som que fosse, indagando por que ele ainda não tinha bebido da cerveja, Fulano já começa disparando:

– Eu já imagino o porquê do seu convite… Claro, depois das piadinhas daquele dia lá, com Beltrano. Você me defendeu e tal… Soube que ele falou coisas de mim pra galera, sobre uma saída nossa na semana passada. Foda, viu. Mas… você sempre foi e sempre será aquela pessoa, dentro do grupo, em que posso confiar…

É, o bicho pegou. Se existiam dúvidas elas se desmancharam completamente. O sol baixou na nevoenta vida de seu amigo. E está dissipando o mistério.

– … Você demonstrou ser um grande camarada… – Engole seco.

– … E acho que devo compartilhar algo da minha vida. Bem, Sicrano… – Respiração funda seguida de uma pausa dramática:

– … Sou gay.

E agora? Como lidar?

Eu, como homossexual, já me assumi para algumas pessoas, e as reações foram das mais diversas e curiosas. Algumas gratificantes e libertadoras, outras cheias de dor e amargura.

Graças a Deus, tenho um grupo bacana, compreensível, que sempre me tratou de igual pra igual, e até melhor que outros membros. Mas talvez não seja assim com o seu amigo. Talvez ele só tenha você a quem confiar.

E você me pergunta: o que fazer?

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Bem, seu amigo é viado. Xibungo. Baitola. Caneco. Bicha. Enfim, ele faz certas coisas que você, erm… não faria. Mas isso não importa agora.

O que importa é: está sendo compartilhada uma informação muito importante. Um segredo que o atormentava incessantemente.

A maioria dos héteros não tem ideia do que seja viver como um homossexual. As lutas internas, as nossas dúvidas, os nossos anseios, e isso tudo além daquelas questões que todos nós, pobres humanos criados simples e ignorantes compartilhamos.

Como se já não bastasse a violência de nossa sociedade atual, que a todos aflige, os gays ainda tem que conviver com um medo particular, que obriga a nos escondermos em guetos como ratos no esgoto, para não sermos avacalhados, humilhados, feridos e até mesmo mortos por uma característica, que para muitos, não é uma escolha nem opção.

Fugimos daqueles que nutrem de forma doentia um ódio cuja origem não nos é facilmente compreensível. Enfrentamos o desprezo de colegas e o temor na família. Mentiras são espalhadas a nosso respeito, maculando a nossa imagem, criando uma relação injusta e infundada entre nossa natureza e um possível (mau) caráter. Temos nossos direitos limitados e nossa liberdade tolhida. Viramos plataforma política para o bem e para o mal. Religiões e doutrinas nos transformam em bastiões da imoralidade, verdadeiros cavaleiros do Apocalipse.

Não vou falar sobre políticos, emendas constitucionais, líderes religiosos, teorias de gênero e sexualidade.

Estou falando sobre você e seu amigo.

Você, que agora pode dar o ombro a esse ser que está aí pedindo um pouco de conforto e compreensão; você, que talvez se torne um porto seguro desse cara que passa por tudo isso que descrevi, que tem que correr pra faculdade, cuidar da mãe doente, pagar as contas, enfrentar filas de banco… mas que não pode demonstrar seu afeto por outro rapaz em público.

Agora vamos a alguns pontos.

Seu bróder é gay: eis aqui o que fazer

1. Se ele compartilhou isso com você, e somente com você, leve a sério. Não conte a ninguém: essa informação é o tipo da coisa que pode lhe tirar a vida, ou causar grande constrangimento.

2. Porra, seja homem e foda-se se nego ficar zoando o fato de você ter um amigo homossexual. Defenda-o quando necessário. Não seja covarde.

3. Esqueça o que você sabe – ou que te dizem – sobre viados. Nem todos nós somos iguais. Se assim fosse, você saberia logo de cara que seu amigo era um. Outra coisa: ser gay não significa que ele seja promíscuo, michê, ladrão ou que, invariavelmente, seus gostos e interesses se resumam a Madonna, moda, decoração, produtos de beleza e cozinhar cupcakes. Nós também gostamos de esportes – eu não, aliás -, automobilismo, jogos de videogame, lutas,… Pra saber se alguém é gay, só perguntando mesmo. As aparências enganam. E muito.

4.Nem tudo que nós fazemos possui um cunho sexual. Por exemplo, se te convidamos pra jantar, sair ou ir ao bar, isso não quer dizer que queremos teu lindo corpinho, ou melhor, tua pica. Pode até acontecer, mas é raro: aí, você simplesmente corta o infeliz e pronto.

5.NÃO INSISTA PRA ELE “VIRAR” HÉTERO. Maior das inconveniências que um hétero pode fazer.

No fim, a moral da história é…

Cara, ele é seu amigo, bróder, braço, parceirão.

Sabe por que você nunca desconfiou? Mesmo depois de ter trocado de roupa mil vezes na frente dele? Ou nas várias vezes em que jogaram Bomba Patch juntos? Ou na praia? Ou nas saídas? Ou quando não tinha lugar pra ele dormir na casa cheia de amigos e ele foi dormir na sua cama, e nem te passou a mão?

Poizé, queridão. Esse é seu amigo de sempre.

Nada mudou e acredito que não mudará. Só se for pra melhor.

* * *

As fotos que ilustram esse post são de casamentos gays de verdade e foram tiradas dos sites So You’re EnGAYged e EnGAYged Weddings

Vladimir Pelousek

Vladimir Pelousek é do estado do Rio de Janeiro. Um nerd frustrado que não sabe assoviar, nadar e nem andar de bicicleta.