DeadBedroom, ou quarto morto, é um termo usado pra se referir ao fim – ou quase – do sexo num relacionamento.

Sabe quando duas pessoas que estão em um relacionamento, casadas, morando juntas e então, aos poucos, o sexo começa a ficar mais escasso, muito escasso… aí começa o Deadbedroom. Em alguns casos, a frequência e a qualidade caem muito mas, vez ou outra, acontece. Em outros casos, o sexo simplesmente desaparece.

"Nenhum sexo desde o último mandato do Bush. Falando sério"  – O Bush saiu do poder em 2008.

Na comunidade r/deadbedrooms do Reddit.com, pessoas que estão passando por uma situação de quarto morto, de fim do sexo e desejo, se reúnem para desabafar e trocar suas experiências.

Muitos relatam uma brutal solidão.

Os relatos são muito sensíveis e dá pra notar pelas postagens que há um comprometimento da comunidade em falar sobre isso para tentar encontrar possíveis soluções, sem julgar, nem diminuir ninguém.

Aqui embaixo eu traduzi dois relatos para dar uma ideia.

* * *

"O meu quarto morto teve alguns estágios:

10-8 anos atrás – Era rejeição permanente. Eu ainda transava algumas vezes por semana (eu tomava a iniciativa algumas vezes por dia) mas a qualidade era péssima. 'Você pode terminar logo?' ou 'Falta muito?' eram coisas 'românticas' que eu ouvia constantemente. Minha auto-estima estava no fundo do poço.

2-1 anos atrás – Eu entendi que minha mulher era mais passiva na cama e que eu podia só começar… Anal, oral, brinquedos… Mas minha esposa jamais tomava a iniciativa, ela simplesmente deitava e esperava eu terminar. Eu nunca me senti desejado, nunca de fato soube se ela gostava, não tinha nenhum feedback da parte dela, não sabia se eu estava ali  abusando dela. Conversamos muitas vezes, nunca ajudou… nenhum resultado positivo.

1 ano atrás – hoje. Eu perdi completamente o interesse pelo sexo. Eu acho minha esposa atraente, a gente dorme de conchinha, nos beijamos, mas sexo não passa pela minha cabeça. Ela não demonstra iniciativa, eu também não, então agora estamos com o quarto morto de verdade."

* * *

"Então eu (mulher, 34 anos), finalmente tive uma séria discussão com o meu marido (homem, 35 anos).  Nós fizemos sexo três vezes no último ano e nenhuma em 2019. É triste, é desesperançoso e é solitário.

Eu amo tremendamente esse homem. Atravessaria incêndios para resolver os problemas do nosso casamento. Eu posso dizer que eu fiz tantas coisas por ele que eu nem sei ao certo o quê ou quem eu sou. Eu tenho tentado mudar isso, comecei a terapia, tenho feito atividade física e eu adoraria dizer que todas essas coisas fizeram com que eu me sentisse melhor, mas a verdade é que eu ainda me deito à noite e pergunto o que é que tem em mim que não é sexy? Que faz com que ele não queira fazer amor comigo ou até mesmo ter uma foda carnal.

A conversa que tivemos foi mais profunda e longa do que o normal, mas o resultado não foi muito diferente. Ele disse coisas como: 'Eu não posso te dizer quando ou se eu vou querer sexo novamente, eu não tenho me interessado mais por sexo. Estou confortável com o nosso casamento, eu gosto do tempo que a gente passa junto.'

Basicamente, não chegamos a lugar nenhum e eu não sei mais por onde ir. Só de pensar em divórcio já me embrulha o estômago, mas eu sei que eu não posso passar o resto da minha vida sem sexo. Nem sei porque eu estou escrevendo isso, nem sei se eu quero conselho ou se eu só queria um espaço para escrever. Eu só sei que hoje eu estou me sentido ferida e sozinha."

* * *

Trouxemos dois relatos, mas as postagens mostram histórias diversas: casais de 20 a 60 anos, uns que estão há 2 anos juntos e outros que estão a 40, héteros e LGBTQ. Os relatos se unem pela dor do sentimento de rejeição e pela vontade de sentir-se desejado.

"Acho que eu só queria me sentir desejado novamente. Eu quero saber como é acordar de novo com a mão dela descendo na minha cueca, ansiosa para fazer amor, porque eu sou louco para fazer amor com ela."

* * *

"Eu estive morrendo aos poucos no último um ano e pouco só de pensar que eu não sou mais bom pra ela. Talvez eu tenha ficado feio, talvez ela já esteja com um dos pés na estrada. Quem sabe é porque ela trabalha muito e eu também, ou talvez ela esteja pronta para me deixar"

Quanto aos motivos que levam ao Dead Bedroom, são várias as combinações. Os problemas do cotidiano são fatores que frequentemente atrapalham: a quantidade de trabalho, o estresse, falta de tempo, problemas com as contas, o cuidado com filhos. O passar dos anos e as mudanças que nosso corpo sofre conforme chega a idade também afetam a diminuição da libido. Traumas emocionais, luto, problemas de saúde, cirurgias acabam aparecendo em muitos relatos como gatilhos que pioram a relação do casal com o sexo.

Leia também  Como cultivar a autoestima sendo nerd, pobre e virgem.

Faz parte da vida de qualquer casal passar por fases nas quais o sexo vai ser mais escasso e isso não significa que há um problema. Me parece que o que cria o estado de quarto morto não é a falta de sexo em si, e sim as dores e dúvidas que, somadas à falta de sexo, iniciam um ciclo vicioso.

"Eu quero transar com ele e aí eu começo a me estressar por não estar conseguindo chegar ao sexo e isso se torna um ciclo vicioso: a gente tenta planejar o sexo, mas parece estranho e forçado. E aí, quando ele se masturba isso adia o momento em que ele vai ter vontade de transar de novo e eu fico brava por causa disso, mesmo sabendo que eu não deveria"

O quarto morto começa quando a falta de sexo deixa de ser uma fase e passa a causar dor. A falta de diálogo acaba afetando profundamente a situação: os casais não conseguem dialogar e, por isso, um não entende os motivos do outro, ou os sentimentos do outro, e cada um sofre sozinho tentando resolver o quebra cabeça e encontrar a solução. "Eu não entendo" e "eu me pergunto", são frases que se repetem constante nos relatos, que buscam uma direção. Se já é difícil tocar no assunto, uma vez o tema é uma ferida aberta que pode despertar uma sensação de pressão sobre o outro, quando se tenta abordar o tema e a conversa não leva a lugar nenhum, parece que tudo fica mais dolorido.

O interessante desse subreddit é que, além de compartilhar os sentimentos, os usuários também dão dicas e apoios para possíveis soluções. Alguns decidem procurar terapia, outros tomam coragem para se abrir com os parceiros. Este relato me marcou justamente por mostrar a potência da comunicação entre o casal.

"Outro dia nós sentamos para conversar. Eu contei pra ela como eu me sinto e ela também. Ela chorou. Eu disse a ela que nada disso é culpa dela ou é um problema com ela. A gente está envelhecendo e cada um tem o seu próprio pacote de desafios para lidar todos os dias. A vida não está fácil para nenhum de nós, mas nós estamos nisso como um time.

As coisas foram tão melhores do que eu esperava. Eu acho que ela também estava pensando que eu já estava com um pé na estrada. Eu achava que provavelmente ela já tinha me traído e ela entendeu que não era algo absurdo de se pensar.

Eu deixei claro que ela nunca me deu motivos para que eu pensasse isso, mas o que mais eu podia pensar? Não teve nenhuma briga sobre 'você isso, você aquilo' ou 'Eu isso, eu aquilo'. Foi só: estamos nesse ponto, eu vou te amar pra sempre por quem você é, mas aquele é o ponto onde eu gostaria que nós estivéssemos.

Tivemos uma ótima noite outro dia. Velas, massagem no pé, ficamos só deitados falando besteira como costumávamos fazer. Faz um tempo que a gente está nessa, então estamos enferrujados, mas a gente está ciente que é um 'começar do zero'. As coisas estão melhores. Mais felizes. Ela tem sorrido mais e eu arranquei uma gargalhada dela outro dia que foi a coisa mais fantástica do mundo.

Eu fiz questão de dizer que não estava pressionando ela. Eu amo minha esposa de todo o meu coração e eu não fazia ideia que ela seria tão receptiva a essa conversa. Levou alguns minutos para ela entender que nada disso era um ataque, uma cobrança ou uma acusação. Era só isso: 'estamos aqui e queria que estivéssemos ali, te amo.'

Felizmente, para o nosso amigo aqui as coisas começaram a se ajeitar. Com carinho e paciência.

Nem todos os casos vão se encaminhar dessa maneira e nem precisam. Às vezes haverão conflitos, resistências. Pode ser que a solução, inclusive, seja a separação, oras, tem vezes que é. Acontece.

A conversa sozinha pode não bastar, mas sempre ajuda. Se expressar, fazer com que o outro te compreenda e esforçar-se para entendê-lo é um movimento que, dentro de uma relação, tem um poder de cura imenso. De certa maneira, quando as pessoas entram no fórum do r/deadbedrooms para contar suas histórias, elas buscam um pouco dessa cura através da expressão, do falar e do escutar, compartilhando as dores e também as esperanças.

Como o fórum é escrito em inglês, originalmente, resolvemos deixar o espaço dos comentários deste texto para que vocês, nossos leitores, possam compartilhar também suas aflições sobre estar em um relacionamento de quarto morto, caso queiram, onde possam também trocar afetos, conselhos e possíveis estratégias de melhorar a relação que se encontra nesse ponto.

Puxe uma cadeira, fique à vontade e seja respeitoso com os relatos das pessoas.

Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro <a href="https://www.amazon.com.br/Amulherar-se-repert%C3%B3rio-constru%C3%A7%C3%A3o-sexualidade-feminina-ebook/dp/B07GBSNST1">Amulherar-se" </a>. Atualmente também sou mestranda da ECA USP