Há uns meses atrás, eu andava num momento de exaustão e frustração. Eu tentava ser produtiva ao máximo e, eventualmente, as coisas paravam de funcionar. Eu caia em crises de choro e de nervoso.

Esse ciclo continuou girando até que, em uma aula do curso de psicologia, eu aprendi algo que veio como um soco no estômago. Eu passei a entender, fisiologicamente, o que estava acontecendo comigo e que, se eu continuasse levando as coisas da mesma maneira, elas só iriam piorar. Desde então eu quero passar esse aprendizado pra frente porque eu sei que isso não é um processo só meu.

É generalizado o quanto as pessoas estão tentando ser produtivas, vivendo jornadas exaustivas que afetam negativamente a saúde mental. No Brasil, 9,3% da população sofre com transtornos de ansiedade. Segundo a OMS, a depressão será a doença mental mais incapacitante do mundo até 2020.

O que eu (e talvez você também) estava vivendo :

Formada em jornalismo, mas tentando mudar de área, eu fazia (e faço) pesquisa de mestrado na universidade, freelances em jornalismo e graduação em psicologia. 

Para dar conta de tudo, só com "100% produtividade". Eu fazia cronogramas intensos, tudo encaixado, nenhum buraquinho. Nos primeiros dias dava super certo. Eu dava “check” nas tarefas, ficava super orgulhosa de mim mesma e pensava “tá vendo como dá pra fazer tudo? É só eu manter a organização.”

Acontece que não dava… Depois de um tempo eu não conseguia manter o cronograma. Eu tinha que ler três vezes um parágrafo para entender, tudo o que eu tentava escrever ficava péssimo e então eu olhava pro cronograma e me desesperava.

Eventualmente eu caia na crise: me dava taquicardia, nervoso, choro compulsivo, me acreditava um fracasso, duvidava de tudo o que eu tava fazendo e pensava que a tal da crise ia me atrasar mais ainda, que eu não tinha tempo “pra ficar nessa, sentindo pena de mim”.

Eis então a aula que foi um soco no estômago:

A aula era sobre como o Eixo HPA, cortisol e sua relação com ansiedade e depressão. 

Eixo HPA (Hipotálamo-Pituitária-Adrenal) é uma estrutura de regulação hormonal responsável por fazer o corpo de preparar para situações de atenção, de necessidade iminente de ação. Imagina quando o homem lá na selva precisa caçar e fugir da onça ou quando, hoje em dia, a gente precisa entregar um trabalho importante ou se preparar para correr uma maratona, nessas situações o eixo HPA é ativado, produzindo hormônios que preparem o corpo pra isso. 

 

Um destes hormônios é o Cortisol. A gente acorda e conforme precisamos nos preparar para o dia — lembrar da reunião, fazer o almoço, cumprir a entrega — os níveis de cortisol vão subindo. Com o cortisol indo pro corpo, ele vai ativando nossa capacidade produtiva. Até certo ponto, é uma curva ascendente: 

Maior necessidade de atenção > Maior nível de cortisol > Maior capacidade produtiva.

“Caramba, amei o cortisol? Onde compra? Quero injetar na veia pra ser mais produtivo!”

Calma lá! Esse ponto em que mais cortisol é sinônimo de mais produtividade é exatamente o ponto da minha história em que eu encaixava tudo em numa maratona louca e conseguia cumprir. Mas, amigos e amigas, corpo humano não foi feito pra viver em uma maratona.

O nível de cortisol no corpo precisa subir em momentos de necessidade (de atenção, trabalho, luta, fuga), e descer em momentos de segurança, em que não seja necessário sentir-se em perigo. 

Se os níveis de cortisol continuarem subindo, ou se eles continuam lá no alto, o seu nível de produtividade não vai continuar subindo! A curva da produtividade para se subir e começa a despencar. 

O que era atenção vira estresse, e o estresse começa a te prejudicar. A memória passa a falhar, os sintomas de ansiedade aumentam (pressão alta, taquicardia), o sistema imunológico abaixa e nossa resposta racional fica prejudicada. É nesse ponto em que a gente começa a ter dificuldade pra fazer as coisas, pra raciocinar e, portanto, a produtividade cai e sobem todos os sentimentos de frustração e ansiedade. É nesse ponto que eu entrava em crise e tudo desandava…

Os perigos de flertar com a ansiedade

O eixo HPA é como se fosse uma torneirinha de cortisol e nós temos dois “funcionários” operando essa torneira. A amígdala e o hipocampo.

A amígdala (não a da garganta, a do cérebro), recebe os estímulos do mundo exterior e dá rápidas respostas "emocionais". Já o hipocampo é responsável por recuperar informações, memórias e gerenciar uma certa a "racionalização". 

 

Imagina que você está andando sozinho na rua. Se você vir dois caras numa moto, por exemplo, sua amígdala emite um sinal de perigo de assalto, abrindo a torneira do cortisol e preparando seu corpo pra sair correndo se for necessário. Já seu hipocampo te lembra que tem uma delegacia logo ao lado e que que este é um bairro muito seguro, declarando que pode fechar a torneira de cortisol, porque não haveria de acontecer tal assalto.

Para o bom funcionamento da nossa cabeça e do nosso corpo, os dois precisam trabalhar juntos, regulando as nossas necessidades.

Em determinados momentos da vida – em meses corridos, em períodos intensos – nossos níveis de cortisol vão subir muito e causar todos esses danos: estresse, ansiedade, estafa, esquecimento, baixa imunidade. Se este período é temporário, apesar de ser um processo difícil, logo passa. 

No entanto, quando ocasiões de estresse intenso ou constante deixam de ser ocasionais e tornam-se recorrentes, os danos que o cortisol causa podem ser maiores: o funcionamento do hipocampo fica prejudicado, fazendo com que tenhamos dificuldade de regular a ansiedade da maneira adequada.

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A consequência disso é que o que era um estresse causado por ocasiões, por ter virado uma constante na vida da pessoa, pode se transformar em um transtorno de ansiedade ou de depressão, que não passa facilmente quando acaba a situação que causou o estresse. 

O excesso de cortisol também diminui a produção de uma proteína chamada BDNF, reduzindo a capacidade dos nossos neurônios de se regenerar e de transmitir informações.

O que eu aprendi com isso:

Naquele momento da vida, sempre que eu queria descansar eu me sentia culpada. Eu sentia que eu era privilegiada e que estava sendo fraca por não aguentar uma rotina intensa. Eu me forçava a fazer mais e me recriminava se não conseguisse. 

Quando eu ficava doente (o que era constante pela imunidade baixa) eu chegava até a pensar que era uma autossabotagem inconsciente, uma vontade mimada de me justificar pras pessoas e dizer que eu precisava descansar, enquanto na verdade, eu deveria me esforçar mais.

Eu tive amigos e amigas que tiveram crises de ansiedade, que foram medicados e eu via o quanto aquilo foi duro para eles… Mas, de certa forma, na minha cabeça eu imaginava que a carga de trabalho deles tinha sido muito maior que a minha e, por isso, eu — que ainda não tinha chegado a ficar três noites sem dormir, nem sofria de ansiedade crônica — não poderia usar a carta da ansiedade para justificar o luxo do meu descanso.

A partir dessa aula eu entendi que eu não estava me provando pra ninguém ao abdicar do meu descanso. Eu vi que eu estava cavando a cova de um futuro transtorno de ansiedade e que não tinha sentido nenhum romantizar o super-esforço, esperando chegar o dia em que teria um diagnóstico clínico de ansiedade para, aí sim, passar a cuidar de mim mesma. 

Acho triste pensar que eu precisei entender que a lógica produtiva era anti produtiva para, só então, legitimar meu descanso, meu autocuidado. Eu precisei ver que era fisiologicamente impossível manter a produtividade constante, para dar ouvidos a minha psicóloga e a minha própria necessidade.

É triste como a gente valoriza a lógica da sociedade do cansaço, do mérito a partir do sacrifício, mas eu me alegro de ter percebido isso a tempo. De ter passado a me cuidar antes de que danos mais graves fossem causados a minha saúde mental. 

Se cuidar não é largar as responsabilidades:

 

Não. Eu não sai por ai largando emprego, nem abandonando faculdade. Não posso e nem farei. São minhas responsabilidades, meu sustento e meu plano de vida. Pensar em autocuidado e em cuidar da ansiedade não é sinônimo de ir morar na praia ou fazer Yoga.

Minha rotina continua basicamente a mesma (ficou até um pouco mais pesada recentemente). O que mudou foi o meu modo de lidar com essa rotina e como eu deixo que ela me afete.

1. Parei de me sentir culpada por querer descansar um pouco.

2. Eu entendi que me dar alguns espaços de respiro não era uma atitude irresponsável ou preguiçosa, mas uma estratégia que me mantinha até mais produtiva.

3.Passei a fazer as refeições com mais calma.

4. Repensei minhas prioridades. Se antes que queria fazer tudo e um pouco mais — ler o livro necessário e o outro complementar —  eu passei a pensar em fazer bem feito o que era primordial. 

Se eu tava travada numa tarefa, me dava o direito de parar um pouco, de encerrar o dia e pensar “volto nisso amanhã com a cabeça fresca”.

5.Entendi que negociar prazo não era vergonha nenhuma, nem sinal de incompetência.

6. Também aprendi a falar “não” para tarefas e compromissos que realmente não eram importantes pra mim. 

O cronograma ainda é corrido, ainda tem dias que são difíceis, mas me cuidar mais – e por "me cuidar" eu quero dizer: ouvir e atender minhas necessidades com carinho – tem feito muito bem pra mim mesma. Tem, até mesmo, melhorado meu desempenho nos trabalhos que eu tenho feito. 

Eu não quero dizer aqui “se cuide mais para que seu trabalho tenha resultados melhores”. De jeito nenhum. O que eu queria mostrar é como esse excesso de pressão para a produtividade atrapalha nossa vida inteira e, inclusive, o resultado do próprio trabalho que exige tal estresse.

Não dá pra atender certas expectativas de produtividade e mantê-las por muito tempo. Não é falha sua, não é um defeito ou uma questão individual. É porque não fomos feitos pra isso. Nosso corpo (e nosso cérebro é parte dele) não aguenta!

Eu quero dizer: se cuide pelo seu bem. Dê ouvidos para suas necessidades: descanse mais, converse mais, levante mais da cadeira, durma um pouco mais.

Garanta seu bem estar. Não entre no ciclo de valorizar o cansaço como sinal de "orgulho e mérito". No entanto, se você não está convencido a fazer isso por si mesmo (como eu não estava), se isso lhe parece egoísmo e frescura, algo que você não pode se dar ao luxo, então pense que esse ciclo de exaustão não vai fazer bem nem sequer para o seu trabalho e para a sua carreira. 

Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro <a href="https://www.amazon.com.br/Amulherar-se-repert%C3%B3rio-constru%C3%A7%C3%A3o-sexualidade-feminina-ebook/dp/B07GBSNST1">Amulherar-se" </a>. Atualmente também sou mestranda da ECA USP