No início de 2017, recordei-me do prazer e da alegria de colher flores na rua ou comprá-las para oferecer a minha avó e minha mãe quando pequeno. Reparei que esta sensibilidade estava viva dentro de mim ao presentear minha companheira Jéssica ou simplesmente me deparar com a beleza das cores, formatos, texturas e perfumes das flores na natureza ou nos diferentes lugares onde elas, felizmente, estão presentes.
Sentia-me limitado, preso e subutilizado no cargo público que ocupava. Acredito que segui este caminho de concursos públicos por estabilidade, remuneração e status social. Acabei desconectado da minha essência emotiva, criativa e artística, que foi silenciada após ter sido aluno militar durante três anos e me formar advogado.
Insatisfeito com minha função na sociedade e meu lugar no mundo, buscando alinhamento de valores e propósitos com a realização e o prazer no trabalho e, principalmente, observando os sinais do universo, tive a ideia de começar a fazer arranjos de flores para materializar todos os sentimentos que estava vivenciando.
Poucos dias depois, iniciei um curso de florista. Desde o primeiro momento, foi maravilhoso sentir as flores, a energia e a conexão com a natureza que elas proporcionam. Tive a certeza de que esse era o caminho: tornar-me florista. O desejo era totalmente genuíno.
A questão era: eu, ex-militar, advogado, servidor público; estava pronto para bancar para mim e para a sociedade a posição de ser um homem florista?
Ao mesmo tempo que me sentia encorajado por outros homens que trabalhavam em profissões tidas como femininas, não conseguia me entregar, aceitar e mostrar ao mundo que eu tinha me descoberto um florista. Sentia internamente os reflexos da masculinidade frágil e externamente as pressões de nossa sociedade.
Pelos estereótipos, as pessoas duvidavam que os arranjos e buquês eram feitos por mim, achando que eram feitos pela Jéssica, que estava frequentemente ao meu lado, e eu, por algumas vezes, apeguei-me ao medo, à vergonha e à insegurança, falando que era um trabalho em conjunto, negando minha posição de homem florista.
No processo de autoafirmação, chamou-me bastante a atenção o fato que as mulheres admiravam e elogiavam o trabalho e a coragem; já os homens, inclusive meu pai, parentes e amigos, quase não tocavam no assunto do trabalho com as flores. Nós, homens, não estamos acostumados a lidar e a falar sobre sentimentos, emoções e sensibilidades.
À medida que fui me assumindo florista, fui ressignificando minha masculinidade, meus relacionamentos afetivos e profissionais e iniciei uma jornada de autoconhecimento e autodesenvolvimento.
As flores me levaram a participar de um grupo de homens que discute masculinidades: o Brotherhood. Além de terem me levado a fazer yoga, meditação e psicanálise; a me interessar por astrologia, tarot e antroposofia e a participar de rituais com medicinas sagradas da floresta.
Compartilhando experiências com outros homens e vivendo o meu processo, percebi como a masculinidade distorcida é violadora e castradora e percebi também em como sermos o que quisermos ser, livrando-nos de pressões internas e sociais, é libertador.
Como acredito que somos parte de um todo interligado, este caminho de libertação não é individual, é um processo coletivo. Quando damos um passo para a liberdade, estamos influenciando e ajudando outros a se transformarem.
O sucesso e o retorno do trabalho como florista foram incríveis, mas vieram as dificuldades de empreender sozinho acumulando outra atividade profissional e os autoboicotes. Em junho deste ano, tive o prazer e o privilégio de facilitar um workshop de arranjos florais para homens e vivenciei uma transformação e uma quebra de paradigmas em prol do masculino saudável. Foi lindo, gratificante e gerou um novo rumo ao trabalho com as flores com foco nas masculinidades e na espiritualidade.
Nós, homens, precisamos falar entre nós e com as mulheres sobre sentimentos, empatia e alteridade, pois com o compartilhamento de experiências e vivências poderemos evoluir como sociedade. Permitam-se experimentar a liberdade fora das definições rígidas de masculinidade e a conexão e o equilíbrio entre o feminino e o masculino que habita em nós. Livrem-se das prisões impostas e experimentem a realização e a felicidade de usar mais a emoção e menos a razão. É só sentir e fazer o que tem que ser feito!
Sou grato às flores por serem as responsáveis pelo meu processo de transformação pessoal; por me mostrarem que podemos trabalhar com o que quisermos e, principalmente, por revelarem que o caminho para a justiça social e a igualdade de gêneros passa pela cura do masculino.
O caminho evolutivo já está rolando e devemos usar nossos privilégios sociais em prol dele.
Finalizo com um trecho do excelente documentário “The Mask You Live In”:
“Todos merecem ser completos. E cada um de nós pode fazer a sua parte ao expandir o que significa ser homem para nós mesmos e para os meninos de nossas vidas.”
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.