Tem gente que prefere comer prego a pedir desculpas. Consideram o ato uma derrota, confissão de asnice.

Quase como se fôssemos capazes de esquecer o quão hábeis somos em maquiar, manipular e justificar nossos deslizes, atrasos, equívocos, confusões e trapalhadas diárias. Tudo pra nos manter 100% cagada-free, valorizar nosso passe.

Sérgio Chaia nos ensina outro caminho, com a cancha de quem já foi CEO da Nextel e da Sodexho. O vídeo abaixo é um extra da entrevista feita com ele para a primeira temporada de nossa série PapoExecutivo.

É tão bom que consideramos digno de um artigo próprio.

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Hay que ablandar, pero sin perder la firmeza

Se escolhemos não agir pelo viés da competição, não existem vencedores nem perdedores, há parceria.

O problema é quase ninguém se propor a criar empresas nas quais o poder e a competição não sejam pilares centrais. Esses ambientes criam um paradoxo, reforçam uma noção de hierarquia predatória, ao mesmo tempo em que a empresa fala em parceria e camaradagem. Ok, a gente também acha lindo o RH, mas sabe que nas trincheiras é tubarão comendo tubarão. O discurso não bate com a prática.

Em posições de autoridade, a carapuça engrossa e a sinceridade se torna relativa. Presidentes e diretores e chefes em geral parecem imunes a falhas, exceto por aquelas friamente calculadas para humanizar sua imagem. Às vezes dezenas de pessoas se mobilizam para criar e operacionalizar uma nova rota cuja única razão de existir é o chefe não ter assumido sua falha e se proposto a corrigi-la ele mesmo. Isso fode quem está abaixo e o próprio ser habitando essa claustrofóbica e impenetrável couraça.

É a cultura dos erros individuais, destinados aos subalternos, e dos acertos sempre compartilhados com os superiores.

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Ao conversar com o psicólogo Fred Mattos sobre, escutei:

“Quando um chefe omite ou falseia seu erro ele incentiva a cultura do ressentimento.
No fundo os subalternos sabem que ele errou, pois lidam com os mesmos processos. E com o tempo eles próprios se sentem legitimados a mentir, omitir e falsear a questão toda. E o ciclo se repete.”

Isso transforma a organização e seus funcionários num barril de pólvora. É como se a real postura do superior fosse uma sinuca da qual não se pode escapar, uma rota certa para a loucura:

“Eu erro, você sabe, mas não deixo espaço nem pra você falar sobre isso. Então eu exijo seu acerto sempre e você tenta a todo custo acertar e exigir que eu também acerte sempre, mas nunca consegue porque aponto o seu erro, mas nunca o meu.”

Na psicologia isso é conhecido como o perverso duplo vínculo e se refere a “relacionamentos contraditórios em que são expressados comportamentos de afeto e agressão simultaneamente”. Tal conceito foi usado inicialmente no estudo de famílias esquizofrênicas, sendo a ele associados sentimento de insegurança, reações de agressividade, medo e a dificuldade em entender e se identificar com outras pessoas.

Qualquer semelhança com o contexto corporativo é mera coincidência, claro.

Dos dramas corporativos que todos engolem e pouco se faz para mudar. Espero que alguns líderes e CEOs estejam nos lendo.

* * *

Pra seguir a conversa:

→ Como pedir desculpas e assumir seus erros

→ Sobre outras possibilidades de empresas e negócios

→ Será que é possível? (entrevista com Sergio Chaia) | PapoExecutivo #2

Agradecimentos a Fred Mattos e Gustavo Gitti pela ajuda com o texto.

Guilherme Nascimento Valadares

Fundador do PDH e diretor de pesquisa no Instituo PDH.