Hoje pela manhã despertei com uma notícia arrasadora: caiu o avião que levava o time da Chapecoense e mais vinte e dois jornalistas — fora inúmeros outros passageiros — para a primeira partida da final da Sul-Americana, deixando 71 mortos e 6 sobreviventes.

Amigos e amigas estavam comovidos no WhatsApp. Ao ler as notícias completas, me peguei com os olhos marejados enquanto atravessava os comentários deixados pelas pessoas. Vários de apoio, outros terríveis:

O segundo Nivaldo Pereira foi um bug, ao dar F5 apareceu outro nome — não era a mesma pessoa se criticando

Ao longo do dia, pescava pedaços da cobertura jornalística aqui e ali, inúmeros especialistas em aviação e futebol comentando o ocorrido, dissecando as possíveis causas do acidente e especulando sobre qual seria o futuro da Chapecoense. 

Mas apesar da grande solidariedade exibida pela maioria, não vi nenhum convidado chamado para falar sobre como podemos nos relacionar com a morte além das sensações de pena e impotência ("eram tão jovens! o time estava em seu melhor momento!" "basta estar vivo pra poder morrer, temos que ir em frente!"); ou sobre como acolher o outro em meio a tragédias.

Como passei a maior parte de minha vida adulta e sigo até hoje tendo dificuldades tanto em acolher, como em ser acolhido, esse é um tema que me toca muitíssimo e creio ser um bom momento pra conversarmos sobre.

As diferenças entre simpatia, empatia e compaixão

Se realmente queremos ajudar, é possível ir além de oferecer nossa simpatia. Uma presença que se coloca disponível para escutar, não-julgadora, carinhosa, segura e aberta, pode ser bastante poderosa. Isso demanda empatia.

O Dalai Lama complementa esse raciocínio explicando que nunca somos capazes de ter mais compaixão com outros do que nutrimos por nós mesmos. Ou seja, se não conseguimos nos cuidar, no máximo vamos oferecer uma versão meio torta disso quando formos auxiliar outra pessoa.

Por coincidência, conversamos sobre acolhimento em um encontro aqui na sede do PdH quinta passada, com mediação da Ana, psicóloga do Instituto Fazendo História. Aprendemos com ela que acolher também é se fazer vulnerável. E isso assusta. Pois para nos conectarmos com a vulnerabilidade e a dor do outro, precisamos acessar nossos locais semelhantes, o que nem sempre é agradável.

A animação abaixo explica isso de modo bem didático e divertido:

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Podemos pensar em três camadas distintas, as quais entendo do seguinte modo. A simpatia diz "sinto muito pelo que aconteceu com você". É uma solidariedade que muitas vezes pode se transformar em dó. O aspecto ruim de sentir dó é pressupor uma distância entre nós e o outro, que passa a ser visto como alguém em uma situação inferior e digna de pena.

A empatia pressupõe uma identificação mais profunda, ao falar "vejo e compreendo sua dor". Você não precisa ter passado exatamente pela mesma experiência, mas consegue se colocar no lugar do outro. Surge uma conexão mais forte.

Entretanto, mesmo nos aproximando mais, a empatia pode ser distorcida. Publicitários, advogados, CEOs, vários outros profissionais e até mesmo psicopatas podem ser extremamente empáticos ao entender o que os outros sentem, porém usando essa habilidade para manipular e atingir seus próprios objetivos.

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Já a compaixão dá um outro passo e adiciona uma pergunta aos sentimentos anteriores: "como posso ajudar?". Seria uma aspiração profunda de que o outro não sofra, acompanhando esse desejo de ação, sempre que possível. Ainda que a ação seja se manter emocionalmente estável o suficiente para não fazer nada que agrave o sofrimento.

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O ponto aqui não é passarmos a criticar quem oferece apenas simpatia ou nos julgar pelo quão compassivos somos, em uma equivocada disputa de egos. É entender que temos mais possibilidades do que usualmente imaginamos e que essas qualidades podem ser treinadas e combinadas.

Ao fazer isso, nos tornamos capazes de oferecer um referencial e segurança a quem está sem eixo — inclusive nós mesmos, quando perdidos.

Em meio a uma tragédia, isso pode impedir que outras piores aconteçam. Ao dar um chão para que a dor do outro se manifeste, permitimos que o desespero não gere consequências piores, sejam imediatas ou no longo prazo. Com paciência e carinho, o outro tem mais tempo para se equilibrar. O que pode levar minutos, horas, dias, semanas ou até meses.

O acolhimento não é cego

Assim como quando um avião está caindo, um pai deve colocar a máscara de ar primeiro em si antes de ajudar seu filho, devemos nos cuidar antes de ajudar o outro.

Se ignorarmos isso, podemos sofrer exaustão pela empatia — uma condição que acomete vários profissionais da área de cuidado.

Não é preciso chorar junto com cada tragédia que acontece no mundo, ou ficaríamos paralisados. Mas isso não significa nos desumanizarmos e nos afastarmos de todas elas. Cabe aqui nosso discernimento ao avaliar como agir em cada momento. Muitas vezes o mais benéfico é, ainda que não haja nenhuma ação externa ao alcance, nos mantermos estáveis e de coração aberto, reconhecendo que ali há alguém como nós. Não alguém cuja situação seja tão ruim ou cujo ato seja tão abominável a ponto de pensarmos que não há conexão humana possível.

Acolher é coragem. Não é uma inteligência restrita às mulheres, ainda que possa ser comumente associada a elas. Num dia trágico para o futebol, território tradicionalmente masculino, convido os homens para também exercer essa força cade vez mais em suas vidas, hoje e sempre.

Separei alguns textos práticos apontando como fazer isso:

De cá, meu coração se enche de alegria ao ver a solidariedade transbordando dos outros times brasileiros (querem emprestar jogadores e defender que a CBF não permita que a Chape seja rebaixada pelos próximos três anos) e do próprio Atlético Nacional, que sugeriu à Conmebol que declarasse a Chapecoense campeã da Copa Sul-Americana.

Encerro oferecendo meus profundos sentimentos ao time da Chapecoense, aos jornalistas, a todos no avião e aos familiares dos que lá estavam. Que possam atravessar esse sofrimento com lucidez e encontrar tranquilidade.

Guilherme Nascimento Valadares

Fundador do PDH e diretor de pesquisa no Instituo PDH.