Este texto é pra você mandar como resposta para aquela pessoa empolgada que acabou de lhe enviar o pedido de casamento mais genial de todos os tempos (assim como fiz para o vídeo mais incrível do mundo).

Tenho evitado falar de tais pedidos registrados no YouTube porque mostrá-los certamente criaria confusão e poderia dar a entender que a crítica se direciona a pessoas específicas. Pesquisei rapidamente e vi que existem mais de 3.600.000 vídeos desse tipo, compartilhados em incontáveis sites e redes por aí.

Hoje mudei de ideia ao encontrar mais um vídeo com um pedido de casamento apoteótico, como todo pedido de casamento apoteótico: cheio de desespero, pressa, seriedade, cegueira em relação a onde o outro realmente está, carência, projeção, inadequação, vergonha alheia nacional, medo, forçação, aprisionamento vestido de amor, enfim, o pacote completo. E o problema não é a direção de arte. Mesmo quando tudo é lindo e hype, me pergunto o que estamos colhendo a 100 quilômetros quando plantamos tal admiração por aqui.

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Essa cultura bonitinha das declarações de amor talvez seja muito — muito mesmo — mais prejudicial do que a gente consegue imaginar. E não só para quem publica os tais vídeos. Para todos nós. Admito com certa vergonha, pois passei um bom tempo tendo mil ideias dentro desse contexto. Pior: compartilhava essas ideias por aí.

Agora que eu passei por esse ritual pra valer, aproveito para listar algumas visões bem básicas que talvez nos ajudem a compreender o tamanho do buraco. Não apostaria em discussões do tipo “Então é melhor não pedir em casamento, não casar, não brincar nunca de ser romântico?”, mas em detalhar ao máximo perguntas assim: “Onde, quando e como, sem saber, ao tentar ser feliz, estamos gerando as causas do nosso sofrimento?”. Ou algo mais simples: “O que estou alimentando e promovendo quando divulgo com admiração um pedido de casamento super mirabolante?”.

9 pontos para você contemplar antes de publicar ou repassar um pedido de casamento genial no YouTube

1. Toda vez que alguém fala “Eu não vivo sem você” uma pessoa morre esquartejada. Boa parte do que chamamos de “amor” é exatamente o controle, o apego, a aflição, a confusão que alimenta tragédias — essas mesmas que no dia seguinte a gente também divulga, trocando admiração por revolta.

2. Temos vergonha de um pedido de casamento que consideramos brega, mas divulgamos como “Genial!” um pedido de casamento que se adequa a nossas aspirações estéticas. O que isso revela sobre o modo como nos relacionamos? Estamos olhando mais para a pessoa à nossa frente ou mais para o filme, a narrativa que imaginamos e queremos para a nossa vida?

3. Quanto maior a orquestração, o tamanho do script, o nível de dificuldade, o trabalho, o esforço, a dedicação de quem faz o pedido, maior a coerção e o contexto de não-escolha em quem é quase obrigado a dizer “Sim”.

4. “Você significa tudo para mim”, “Você me faz feliz”, “Mudei por causa de você”… Muitas falas imediatamente anteriores ao “Quer casar comigo?” evidenciam nossa motivação para pedir em casamento: é uma questão do que ganhamos do outro, não do que estamos dispostos a oferecer.

5. Gostamos de cenas emocionadas e impulsivas: gente chorando, tremendo, sem saber o que falar. Quanto mais sentimento, mais forte a relação… Será mesmo essa uma boa base? Continuo apostando que casar por amor (ou melhor, pelo que chamamos de amor) é uma péssima ideia.

6. Muitas vezes o homem passa alguns meses se preparando para a decisão de casar e apenas comunica a mulher no momento em que acha apropriado (com sua limitada percepção do mundo da mulher). Não é raro a mulher ter pouquíssimo tempo para se acostumar com a ideia e realizar os acertos logísticos. Não seria errado pensar que a tradição do pedido de casamento é inseparável das estruturas machistas, pelas quais tratamos as mulheres como se elas não tivessem uma vida auto direcionada, como se a qualquer momento elas pudessem mudar tudo para se ajustar à realidade que nós imaginamos.

7. Quando um diz “Você é perfeita!”, o outro pode sorrir e gostar, mas há sempre algum nível de escuta lúcida no outro, um ouvido que pensa “Se ele disse isso é porque está me medindo inteira, está me escolhendo de acordo com seus interesses, e eventualmente vai encontrar imperfeições e me trocar”. Se diz “Vou te fazer feliz”, o ouvido mais profundo logo saca que outro só pode estar blefando, que não tem essas cartas, que não sabe as verdadeiras causas da felicidade. Pedir em casamento (a sério, como vemos por aí) significa pedir que o outro aposte todas as suas fichas de felicidade em nossa trinquinha de oitos diante do straight flush recorrente da vida.

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(De novo: o problema não é o cara dizer isso. O problema é a mente do cara que escreve isso em neon, que acredita nisso, que depois se sente validado pelos comentários na internet, que depois segue agindo assim, que depois quase se mata ou se mata ou mata outros quando encontra a realidade.)

8. No preciso momento em que você admira um vídeo desses, qual mente está sendo cultivada? Qual operação mental? Qual sentido da vida? Quais propósitos, sonhos, motivações, horizontes? Qual mundo está sendo construído? É nesse mundo que vamos nos relacionar com as pessoas.

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9. Para produzir um pedido de casamento genial, acionamos uma mente que constrói narrativas, roteiros e teleologias, uma mente que costura o caos dos eventos como se a realidade tivesse coerência em si mesma: “Nos conhecemos assim, aquilo foi perfeito por causa disso, ela me ajudou nisso, eu a ajudei naquilo, tivemos tantas boas histórias, passamos por tais e tais coisas para chegarmos aqui, tudo teve um sentido…”. Não há nenhum problema com essa operação criativa: ela produz filmes, músicas, obras de arte. O problema é nos perdermos ali dentro.

Se a gente já se perde em um filme de ficção, imagine o que acontece quando fazemos um filme da nossa vida… Grandes chances de começarmos a só olhar para o filme e perdermos a vida. Quer um sinal de que um casal perdeu a realidade de vista? Observe se eles excluem a possibilidade de surgir a experiência da traição, se têm dificuldades em imaginar a vida de um sem o outro, ou ainda se não conseguem visualizar os motivos pelos quais eles se divorciariam nos próximos meses.

Durante a relação, essa mente narrativa vai nos impedir cada vez mais de vez de ver o outro diretamente, onde ele está, como é, porque a cada dia ela reconta a história toda para si mesma. Quando essa mente falhar, vamos tomar um susto: “Por que mesmo eu estou nessa relação? Quem é essa pessoa ao meu lado? Cadê a pessoa que se encaixava tão bem na história que eu montei?”.

No fim do casamento, é também essa mente narrativa que vai esfriar nosso peito quando as coisas começarem a quebrar. Vai buscar onde erramos, vai tentar consertar, resolver. Resultado: muito sofrimento e perda de tempo antes de aceitarmos a realidade para seguir sem precisar costurar o passado inteiro a cada momento.

Não é sobre os vídeos, é sobre nós

O que está em jogo aqui não é a limpeza dos milhões de vídeos de pedidos de casamento, mas a transformação da cultura que constrói e valoriza tais experiências de relação. Se o pedido “mais original” é reproduzido igualzinho por vários outros casais, o que mais estamos reproduzindo sem saber?

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Gustavo Gitti

Professor de <a>TaKeTiNa</a>