O último texto da série [PdH Porn], sobre a história da pornografia digital, mostrou como a indústria de entretenimento adulto cada vez mais segue modelos de negócio inovadores. E a nova onda do momento é usar o Grátis para ganhar dinheiro.
Esse conceito é tão difundido hoje que acabou dando origem ao livro Free: Grátis – O Futuro dos Preços, de Chris Anderson.
Com a explosão de tubes e torrents que despejam conteúdo pornográfico em volumes descontrolados, é cada vez mais difícil ganhar dinheiro usando modelos antigos. Os produtores de material pornográfico que ainda relutam a aceitar as novas regras do jogo permanecem com suas contas bancárias diminuindo conforme os assinantes desaparecem. Como sobreviver?
A Cauda Longa
Chris Anderson, editor da revista Wired, popularizou no primitivo ano de 2004 uma ideia chamada “long tail”, a cauda longa da Internet. O conceito do livro A Cauda Longa é bastante simples: a quantidade de pessoas com diferentes interesses específicos é geralmente maior do que as que se reúnem em torno de um interesse popular. A cauda é maior do que a cabeça de um gráfico de volume de compras.
Quando se cria um negócio direcionado ao mercado de interesse popular, existe muita competição e é difícil atingir um apelo forte o suficiente para que ocorra a compra. Imagine o trampo que é concorrer hoje com a Lady Gaga ou filmar o próximo Avatar. Já existe uma quantidade suficiente de grandes produtores oferecendo produtos e serviços genéricos.
Por outro lado, existe uma população enorme de interesse específico que não é suprida nesse mercado de massa. Não faz sentido para uma grande rede de supermercados colocar em sua prateleira um CD de uma banda sueca que toca rock viking.
A chance de aparecer um interessado é praticamente zero e portanto o espaço de prateleira ocupado por esse CD poderá ser melhor utilizado por algo de apelo mais popular. Para esmagar ainda mais as chances de tal CD ser vendido em uma grande loja, mesmo supondo que fosse possível alugar um galpão gigantesco com capacidade infinita, seria muito complicado para o comprador ter a paciência e sorte de achar o que procura.
No mundo da Internet, o espaço de prateleira não é problema. Muito menos localizar. Em poucos segundos, ao digitar “Swedish viking rock” no Google acabei conhecendo o Ultima Thule, a tal banda sueca de rock viking. There is really everything on the Internet.
Antes da Internet, os produtores de conteúdo de nicho menos popular passavam fome em tentativas frustradas de colocar suas obras no grande mercado de massa. Uma banda incomum como o Ultima Thule pode ter trinta fãs no Brasil inteiro, talvez vinte na Índia e por aí vai.
Apesar da base global de fãs chegar a alguns milhares, ela está pulverizada. Assim, nenhum local específico seria propício para bancar a turnê mundial dos caras… mas hoje isso não importa, pois a venda é pela Internet.
E quem lucra é a Apple, com o sistema iTunes, que explora todos os infinitos nichos de mercado, possibilitando fãs de gostos mais excêntricos a encontrar o que desejam. Quanto mais específico for esse gosto maior é a chance do consumidor desembolsar a grana para ter a raridade em mãos.
O espaço de prateleira (modelo Wal-Mart) é sempre limitado e caro. Assim, a estratégia de escolha de produtos ofertados prefere agradar o público geral. Por outro lado, produtos digitais (modelo iTunes) possuem custo quase-zero de armazenamento e aproveitam mecanismos de busca para facilitar o encontro de interesses específicos.
O pornô de nicho
Já deu para imaginar onde isso vai dar, não? Para sobreviver em um ambiente de loiras do peito siliconado que viraram commodity, é necessário fazer algo diferente. E o que mais cresce hoje é o pornô de nicho.
Os que estão se dando melhor são os que investiram em produção exclusiva com bons canais de distribuição com gordas comissões para afiliados que direcionam tráfego para os sites pagos, que exploram a Cauda Longa.
O problema é que as novas gerações de usuários se revelam bem treinados para encontrar qualquer coisa na rede sem precisar pagar, inclusive o conteúdo de nicho. O próprio sistema de afiliados, que é uma grande fatia das receitas, é altamente criticado pelos grandes players e vai morrer naturalmente ou adaptar.
É hora de ganhar dinheiro oferecendo conteúdo de graça
O começo do novo porn está em aceitar que o conteúdo ficou gratuito e que é necessário criar modelos de negócio baseados em serviços premium ou totalmente inovadores.
A premissa de Free: Grátis – O Futuro dos Preços é que é possível oferecer coisas de graça e ganhar dinheiro cobrando por outros meios. Se um autor de livros encontra seu lucro de venda reduzido por causa de cópias PDF distribuídas descaradamente no 4shared.com, ele pode desencanar e deixar o material disponível para download gratuito. E cobrar para dar palestras e treinamento em empresas.
Esse princípio é bem conhecido no mercado tradicional de átomos: a Gillette fez fortuna ao distribuir seus barbeadores de graça, fidelizando os consumidores e posteriormente lucrando na venda de lâminas. Esse “de graça” era na verdade um investimento de marketing da empresa, pois os barbeadores custavam dinheiro.
Outro exemplo dado por Anderson é a empresa de aviação RyanAir, que cobra até 20 libras esterlinas (54 reais) para um vôo de Londres a Barcelona | Fonte
Como é possível fazer um voo internacional por um preço menor do que uma corrida de taxi? Cobrando 30 libras para transportar duas malas, vendendo bebidas a preços inflacionados, adicionando taxas de cartão de crédito, obtendo subsídios com o governo e cortando custos drasticamente, fazendo o passageiro entrar em roubada com as tarifas ocultas de bagagem e venda online. É grátis pero no mucho.
No mundo dos bits, o Grátis não é necessariamente um esquema criado para tirar dinheiro por segundas vias. Anderson diz que, como não existe custo significativo na oferta no armazenamento e transmissão de dados, é possível alcançar o custo quase zero e oferecer informação de graça.
No mundo do pornô, sites como o Pornhub oferecem conteúdo gratuito (muitas vezes infringindo direitos autorais) como forma de veicular vendas de acesso para garotas de webcam no Streamate ou Livejasmin, de onde veio a Jamie, a garota que ganhava um dólar por dia na webcam. Outra opção para monetizar é a venda de produtos como o fleshlight ou de software como o VirtuaGirlHD, que é anunciado em vídeos como esse do RedTube.
Em ambos os casos, temos a venda de produtos ou serviços alavancada com o tráfego alto de visitantes, ou simplesmente o sistema de afiliados funcionando para gerar dinheiro.
De acordo com o Los Angeles Times, para atrizes de renome, como Tera Patrick e Belladonna, é necessário escapar da crise diversificando as fontes de receita perdidas com a pirataria. Algumas das formas são o licenciamento de produtos eróticos e lingerie, além de fazer performances em clubes de strip tease. Mas essa é uma fórmula que não funciona para quem ainda não atingiu o status de celebridade pornstar.
Teste de realidade: o “Grátis” funcionou?
O empreendedor Mark Cuban fala o que ninguém quer ouvir: quando se começa um negócio, é fácil deixar empurrar com a barriga a parte que realmente importa. Ganhar dinheiro.
Os números de receita com publicidade dos sites que oferecem vídeos de graça não são públicos. Mas mesmo que sejam lucrativos, eles vivem sob o constante risco de ter que pagar indenizações por infração de direitos autorais. Não parece um modelo sólido de negócio, apenas aproveitando de conteúdo alheio. Sites que possuem conteúdo próprio (como Brazzers e Twistys) continuam com a venda de acesso.
Do lado dos produtores, esses agora reduzem custos com pagamentos mais baixos para as atrizes. O pagamento médio de 1000 dólares caiu para 700. Outras despesas, como maquiadora, também são eliminadas de modo a tornar as vendas mais baixas de DVD ainda lucrativas.
Essa solução de corte de custos ajuda nas produções destinadas ao público menos sofisticado tecnologicamente. Mas existe um mercado de consumo mais interessante, que faz compras pela Internet e se interessa pelos nichos. Nesses, a lucratividade continua, com base na teoria da Cauda Longa.
E onde se aplica a teoria do Grátis, se todo o conteúdo dos sites de nicho é pago?
Muitas vezes são os próprios produtores que fazem o upload de seus vídeos nos sites de tube. A Brazzers por exemplo possui parceria com a RedTube, que promove os vídeos de curta duração e estimula visitantes para fazer a compra da assinatura. Uma forma bastante tímida de Grátis quando comparada com as possibilidades listadas por Chris Anderson.
Um dos pontos fortes do livro Grátis é a ideia de que a abundância de uma coisa implica em escassez de outra. Com tanta pornografia de baixa qualidade disponível na rede, valeu remar contra a maré: a superprodução Pirates custou um milhão de dólares e embolsou mais de cinco milhões de volta.
A fórmula teve tanto sucesso que a sequência, Pirates II, recebeu um investimento de dez milhões. Vendeu mais de 240.000 DVDs ao preço de 70 dólares cada. Faça as contas. Além de DVDs, a Digital Playground investiu bastante em um website que cobra pelo acesso. Nesse case, duas tendências vão contra o que Anderson propõe: (1) o Grátis não foi usado para os lucros, e (2) valeu investir na cabeça da Cauda Longa.
As ideias de Anderson são interessantes, mas quem dá o golpe final dessa vez é Malcolm Gladwell, que concorda que o custo de armazenamento e distribuição de um vídeo hoje é próximo de zero… e no caso do YouTube, os setenta e cinco bilhões de vídeos armazenados ao custo “próximo de zero” resultam no total de U$ 360.000.000 de manutenção anual.
A indústria do pornô mostra que a Internet não chegou a trazer uma revolução na economia, como Anderson parece insinuar.
Ao contrário, certos princípios continuam fortes, como usar material gratuito para capturar a atenção inicial do possível cliente e dar continuidade fornecendo conteúdo relevante. Mesmo que isso signifique japonesinhas do cosplay, grávidas, pôneis, ursinhos e enguias…
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