Por que precisamos notar nossos vieses inconscientes? Conseguimos ser bons ser ver nossos pontos cegos?
Em linhas gerais um viés inconsciente é uma forma de preconceito embutido e invisível. É algo que aprendemos e reproduzimos sem nos dar conta do que estamos fazendo.
Cris Kerr, fundadora da CKZ Diversidade, escreveu um livro falando sobre o tema: “Viés inconsciente – como identificar nossos vieses inconscientes e abrir caminho para a diversidade e a inclusão nas empresas” (2021)
“Os viéses inconscientes não são intencionais mas formam uma barreira invisível e poderosa que dificulta a diversidade e inclusão nas corporações. O mais impressionante é que esses viéses nos influenciam mesmo quando acreditamos nessa causa. Não sabemos o que está escondido em nossa mente, tampouco a forma como esses vieses guiam nosso comportamento” – diz a autora na introdução do livro.
Entendendo na prática
Um amigo, que é gay, procurando vagas em empresas de engenharia – campo onde a maioria é de uma masculinidade hegemônica e heterossexual – relatava que, nas entrevista de emprego, diversas vezes ouvia que ele “era ótimo, mas que procuravam outro perfil para esta vaga”.
Qual seria esse outro perfil?
O que será que, no perfil dele, parecia destoar da vaga? Seria sua forma de falar e sua forma de vestir-se que era imediatamente associada à sua orientação sexual e que, portanto, não parecia encaixar no mundinho da engenharia?
Vamos supor (de maneira otimista) que o entrevistador não fosse alguém conscientemente preconceituoso. Quem sabe até ele tenha um irmão gay e ambos desfrutem de uma proximidade excelente. Nessa suposição, provavelmente há um viés inconsciente que se sobrepõe na avaliação de meu amigo e faz com que o recrutador acredite que um homem gay afeminado não vai se encaixar bem na demanda da empresa.
Diferentes viéses em diferentes formas de preconceitos:
Trocar os pronomes de uma mulher trans ou travesti pode ser um reflexo de um viés inconsciente: ainda que você entenda racionalmente que ela é uma mulher e deve ser tratada como tal, se, ao falar, te “escapam” pronomes masculinos, podemos entender que há um viés inconsciente. Sem que você se dê conta, você não enxerga aquela mulher como tal.
Viéses incosciente também se manifestam muito em questões de racismo: A executiva e ativista Mafoane Odara nos relatou em entrevista que ouviu diversas vezes de colegas de trabalho a seguinte frase: “não sei porque, mas não te vejo como uma executiva”. Quais viéses (conscientes ou inconscientes) se escondem por trás dessa e de tantas outras falas?
Ponto cego: vieses inconscientes de pessoas boas
Do livro em inglês “blindspot: hidden biases of good people”*
A pesquisadora Mahzarin Banaji fala sobre como, mesmo quando temos boas intenções, alinhadas com nossos valores, existem vieses escondidos em “pontos cegos” (blindspots) e não enxergamos que agimos dessa forma.
Inclusive, muitas vezes negamos uma acusção por nos assustar diante do nosso próprio viés inconsciente: “eu nunca agiria dessa forma”.
Talvez não conscientemente, mas, se não nos questionarmos com certa frequência, deixamos que pontos cegos tomem conta e agimos em desacordo com o que nós mesmos acreditamos.
É como dirigir um carro com um retrovisor falho: se você não parar de quando em vez para ajustar o retrovisor, pode acabar batendo num carro ou numa moto ao mudar de faixa. E assim como num acidente de carro, ainda que não tenhamos intenção, machucamos e prejudicamos alguém. Pode ter sido um acidente, pode ter sido sem intenção (sem dolo) mas ainda assim pode ter sido um crime culposo.
É preciso ajustar nossos retrovisores constantemente para cobrir nossos tantos pontos cegos. É sobre se questionar para se tornar cada vez mais coerentes na prática com os valores que expressamos na teoria.
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