Para quem acredita que ter razão é sinônimo de viver a verdade, as desculpas embaçam nossas reais dificuldades e criam a falsa de impressão de que "está tudo certo", de que nosso potencial só não está sendo melhor aproveitado porque "o sistema não deixa".

Viver na zona de conforto é satisfatório. Mas o que isso tem a ver com você e as pessoas com quem você se relaciona? O que isso tem a ver com sua grana e a maneira com que ela serve a seus propósitos? A relação é direta, embora seja mal compreendida.

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Amar é… mais fácil quando a outra pessoa tem dinheiro

O dinheiro é um meio de troca. Só isso. Trocamos nosso esforço por dinheiro, que é então usado para proporcionar conforto, consumo e satisfação pessoal. Alexandre Versignassi, no excelente livro Crash, diz algo mais ou menos assim:

"O dinheiro permite que uma manicure consiga comprar pão sem ter que fazer as unhas do padeiro."

Acontece que, desde os primeiros dias de nossa vida laboral, associamos o dinheiro à chance de "subir na vida". Assim, colocamos nas cifras expectativas que transcendem a real importância de trabalhar. Não fazemos isso porque somos egoístas, interesseiros ou "porcos chauvinistas", mas porque o dinheiro compra muita coisa.

E comprar muitas coisas atrai os olhares das pessoas à nossa volta.

Somos frequentemente definidos por nossas posses e por aquilo que exteriorizamos em uma relação. Julgamos muito pela aparência porque é a maneira mais simples de formar opinião a respeito de alguém ou algum lugar. A engrenagem gira e logo somos impelidos a glorificar a diferenciação pelos bens, ainda que isso não seja necessariamente nossa definição de sucesso. Enquanto isso, as relações vão ficando tensas, complexas e delicadas. O convívio social, perceba, passa a ser, invisível e paradoxalmente, um reflexo do nosso relacionamento com o dinheiro.

Experimente o olhar mais questionador: adianta querer manter o status se não existir plateia? E quem define, cultiva e exercita a plateia? Nós mesmos. Trata-se de um ciclo óbvio.

Talvez você seja um exibicionista

O paradoxo do cotidiano se mostra na medida em que, muitas vezes, afirmamos aos mais queridos que "essa coisa de dinheiro é besteira", sempre seguido de "o que importa é a família e os amigos e a importância que damos a eles". Pego emprestado uma opinião do escritor Alain de Botton:

"Perdemos o interesse pelos outros quando tudo que procuramos fazer é afirmar o quanto as coisas estão indo bem para nós, da mesma maneira que a amizade só tem chance de crescer quando ousamos compartilhar aquilo que tememos e lamentamos. O resto é puro exibicionismo."

E é isso que vivemos: um exibicionismo irritante e infantil. Somos incapazes de dar bom-dia ao porteiro ou de dar um abraço efusivo em um honrado trabalhador da construção civil. Mas passamos horas discutindo "planos de carreira", "decisões pessoais difíceis" e outros tantos "assuntos importantes".

"Dinheiro não é tudo", disse meu melhor amigo, Benjamin Franklin

Convivemos com as mais variadas possibilidades de colocar em prática o discurso da consciência limpa, do “dinheiro não é tudo”, mas preferimos as satisfações imediatas do consumo e a reverência que só o status – o “ter coisas” – é capaz de trazer. Traduzindo: adoramos mesmo é ditar verdades e fazer tudo “da boca pra fora”. A verdade, no entanto, é mais cruel.

Suas festas têm convidados importantes ou apenas quem valide seu modo de vida?

Pense agora nas festas que você organiza ou das quais participa. Quem são os convidados à sua volta?

Vou reformular a questão: você convive com quem valida seu modelo de vida ou com quem o questiona com o propósito de fazê-lo sentir-se vivo?

Muito do que estou falando aqui tem nome: hipocrisia.

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Confesso que tenho fortes tendências a recusar convites de casamento, festas e muitos outros compromissos semelhantes, simplesmente porque sei que os participantes não serão as pessoas com quem eu realmente gostaria de conversar sobre o que me é mais valioso: a qualidade de vida, o bem-estar familiar e o equilíbrio pessoal. O que normalmente encontro nestas ocasiões são fervorosos militantes, cada um buscando mais reconhecimento e oportunidades de destilar seu poder.

Não se assuste ao saber que, no meu casamento, estavam presentes desde o cabeleireiro da família (sim, existe isso!) até a manicure de minha esposa, passando pelo porteiro do edifício onde moramos, seus colegas de trabalho no condomínio e outras pessoas para quem um ombro amigo e um ouvido paciente valem mais que o salário. Acredite, muita "gente importante", íntima, e que tem relação direta com minha vida e trabalho, ficou de fora.

Relacionamentos são entidades complexas, especialmente quando são nutridos por interesses genuinamente humanos. Essa observação leva a uma tentativa superficial de mudar a ordem das coisas: é melhor aproveitar as pessoas do que permitir que elas desenvolvam seu verdadeiro papel. Criamos amizades frágeis para homologar o caminho que escolhemos, quando o ideal talvez fosse cultivar amizades capazes de suportar quem realmente somos.

O sistema quer que você vença, só isso!

Fazer questão de trabalhar mais do que a família pode suportar, com a justificativa de que "é tudo pela família", é uma decisão muito cara: o que era para ser razão de alegria – ganhar mais, ter mais, poder fazer mais – cria a necessidade de plotar essa nova ordem familiar como sendo melhor que a "vida difícil" do servente de pedreiro. Você tem que ser o bom, não é assim?

Temo que a lógica da crença "trabalho-dinheiro-poder-status" gere abismos pessoais angustiantes. Ora, deve ser difícil para uma pessoa entrar no elevador e não olhar na sua cara. Ignorar o trabalho digno de uma faxineira quando você está de terno e ele de uniforme deve ser ainda mais difícil. Como segurar o desejo de sorrir para ela e dizer "olá", sabendo que isso fará seu dia mais leve e melhor?

Afinal, por que é que ralamos tanto? Vale a pena comemorar mais sozinho e com a família as conquistas alcançadas ou é imperativo que elas sejam largamente divulgadas? O modelo hipócrita vigente prega que não adianta vencer; é preciso ter pinta de vencedor. Ironicamente, não há consenso sobre o que realmente seja sucesso. A vitória é pessoal, mas o sucesso precisa ser para os outros. Não é engraçado?

Ser feliz fica para depois…

O resumo da história você já conhece: gente irritada com o que dizem sobre ela, jovens querendo fazer do consumo sua receita de participação social e famílias despedaçadas, com brigas feias e muito sofrimento. Enquanto tudo isso estiver sendo feito com a justificativa de "sermos felizes", toda e qualquer reflexão como essa será puro devaneio.

Adoraria saber o que dizer a você que concorda comigo e acha que, apesar de lunático, sou alguém que merece seu respeito. Infelizmente, não sei o que fazer ou dizer. Talvez seja melhor assim, porque pareceria muita ingenuidade querer mudar as coisas a partir de você. Deixo isso para os seus convidados.

Enquanto aprendo, tenho seguido uma regra simples para definir quem realmente merece meu tempo e minha atenção. Se a primeira pergunta que ouço em um encontro é "O que você faz?", digo que sou um colecionador de fracassos. A reação é imediata: uma cara de espanto e uma desculpa – sempre ela! – para sair andando. As poucas pessoas que antes falam "oi" são minhas amigas.

Conrado Navarro

Empresário, Investidor, Educador Financeiro, tem MBA em Finanças pela UNIFEI. Sócio-fundador do <a>Dinheirama.com</a>