Vivemos o momento de crescimento de um pequeno setor com temática tão importante na vida das pessoas que não poderia deixar de ser queridinho do momento.
O bebedor profissional!
Trabalhar com cerveja é muitas vezes considerado um glamour na visão dos amigos. Aliás, pode parecer muito melhor do que ter um emprego chique. Trabalhar com cerveja às vezes parece a coisa mais legal do mundo. Muita gente sorri diferente quando descobre que você bebe em horário comercial e o que mais escuto é a pessoa se declarar invejosa pelo emprego que eu tenho!
Eu caí por acaso no mundo das cervejas artesanais e, agora que comecei, nunca mais saio. Mas não quer dizer que vivo bebendo por aí, como nos velhos tempos de faculdade. Hoje eu bebo muito menos e muito melhor.
Vejo gente mudando a vida toda para trabalhar com cerveja: ficam os salários altos, os cargos bons, as empresas sólidas estão perdendo profissionais que amam o setor cervejeiro, ou estão perdendo pessoas que gostam muito da cerveja em si e só. O sonho de se fazer o que gosta para “não” fazer mais nada na vida, a poesia que se torna real. Vivemos em busca dessas utopias.
O bebedor profissional, é uma ilusão.
Na verdade, tem muita gente percebendo que pode continuar a fazer o que faz, mas que o que muda é a maneira como você encara a bebida.
A cerveja faz parte do ritual para descontrair, está intimamente ligada a um dispositivo interno, como uma válvula de escape dos pensamentos do horário comercial e as chatices que a gente passa na vida adulta. Por isso, parece tão mágico poder beber a hora que bem entender. Ainda hoje e por muito tempo seremos uma sociedade em que a cerveja não tem uma cultura muito profunda sobre suas raízes. Já vimos que, no Brasil, a cultura cervejeira vem, de vez mesmo, só depois de 1800 na época da família real e faz cerca de 20 anos que ela tem a perspectiva de artesanal por aqui sendo levada mais a sério. Em outros países, beber cerveja é como beber água, normal e cotidiano. Dos pequenos goles em determinadas horas até grandes pints sendo virados aos montes, outras culturas tem a cerveja como algo básico de se saber fazer, cozinhar, apreciar e saborear.
Quando criança, é muito difícil a gente perceber o porque um artista é tão reconhecido. Um pintor com traços tortos ou cores vívidas ou pinceladas mais leves… não nos interessa em detalhes porque não temos a paciência necessária. Uma criança não vê a arquitetura com todas as soluções de logística, beleza e sustentabilidade embutidas em um projeto. Assim é com a cerveja.
O bebedor profissional é, na verdade, aquela pessoa madura o suficiente para entender as nuances e contextos gerais que a cerveja nos oferece.
Na minha época de faculdade, as baladas eram “open bar”, o auge da semana, o rabo de galo – um dos drinks do “mixologista” Hugo, dono do bar de sinuca na rua de casa na pacata Águas de São Pedro. A cerveja, só se fosse estúpida, assim como eram minhas papilas gustativas, ainda não treinadas na época, surrupiadas pelo vinho doce e comidas cheias de sódio. Quando somos mais jovens, o que nos atrai é o efeito do álcool e não o contexto, as motivações nunca eram exatamente sóbrias. Por isso beber para ficar bêbado é só uma das grandes motivações que temos pelo álcool. Olhando com uma visão um pouco mais geral do que esta bebida proporcionou à evolução da sociedade ao longo dos milênios, não podemos dizer que apenas ficar bêbado nos levou a caminhar com a cerveja até aqui. Muito além de entender a bebida, ela proporcionou a sociedade grandes mudanças, além de mandar um whatsapp que não deveria.
É preciso ir além, para se tornar um profissional.
Às vezes procurar saber sobre ingredientes é uma chatice, discutir lúpulos é ainda pior. Quem é mesmo que se interessa por Brettanomyces, seja lá o que isso for? Isso não tem problema, mas saber detalhes nos exige olhar para ingredientes, técnicas e assuntos que antes nunca foram discutidos. A paixão sempre é um pouco avassaladora no começo. É preciso, sim, estudar aquilo que a gente aprecia, ouvir quem entende, beber o objeto observado e discutir sobre ele. Para apreciar qualquer coisa que seja, é necessário o uso de uma “lupa”. Olhar de perto realmente como as coisas funcionam faz parte de descobrir o quão pequenos somos, já que a natureza é tão mágica e grandiosa.
Gastronomia é uma arte que podemos tocar e provar, diferente dos itens dos museus que são expostos com vidro e moldura. Que magnifico poder usufruir dessa forma. Se você é daqueles que está “assim”, apaixonado pela delicadeza das pequenas descobertas da cerveja, viva o momento! O mais importante é que se tenha respeito pelas outras pessoas, que gostam e vão sempre gostar das cervejas que tomam. Ser uma pessoa que “entende” e bebe cerveja artesanal está na mesma linha de quem é vegetariano. Tem um hábito de vida mais saudável, sabe que te faz melhor, é bem diferente da grande parte da sociedade, mas não precisa ficar dando “lição de moral” nas outras pessoas. Todo radical é chato, no setor chamamos de “beerchato”. E beber cerveja é, antes de mais nada, relaxar e ter um momento de paz e descontração.
Se você é um apreciador de bebidas, não precisa ser profissional para treinar seus sentidos. Com o tempo, você nem fixa tanto o olhar no copo e uma rápida visualizada na espuma já te dá as informações que busca automaticamente. De repente, sente-se o aroma da cerveja e nem precisa mais discutir sempre sobre as notas de fenóis…o sabor também te deixa mudo, quando fecha os olhos e deixa as papilas simplesmente trabalharem. O que é para você beber cerveja artesanal com mais conhecimento? Faça essa pergunta para si. Aqui, uma das respostas que eu angariei de um novo bebedor, não profissional de cervejas artesanais.
“Em um primeiro momento você tenta conhecer sobre estilos e origens. Depois dentro de cada estilo você entende que existem algumas misturas esperadas de ingredientes e como eles trazem uma característica diferente para aquela cerveja, até chegar em um ponto que você começa a imaginar como seria a composição dos ingredientes em outras proporções e outros adjuntos.”
O bebedor profissional é aquele que ama o que faz, moderadamente como qualquer outro vício sabe que tudo tem um limite para que continue sendo belo e apreciado.
Existem, hoje, milhares de cursos para melhorar seus conhecimentos e treinar seu paladar, sem deixar para trás a carreira de muitos anos. Mas, se ainda assim, quiser se tornar um super expert e largar tudo para trabalhar no setor, seja bem vindo.
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