Nota editorial: esse é o quarto texto do percurso Admirável Xaveco NovoVeja os três primeiros aqui. A ideia surgiu da seguinte pergunta que nos fazíamos: como xavecar em tempos de igualdade de gênero? Convidamos cinco mulheres nas quais confiamos pra produzirem 4 textos e um bate-papo em vídeo – com uma outra lógica, que aspira cultivar pontes entre homens e mulheres. 😉

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Uma vez eu me apaixonei pelo empacotador de uma livraria da avenida Paulista.  Foi platônico e hipnotizante.

É tudo o que a gente quer: se relacionar bem com o outro

Era bem frequente eu me apaixonar por pessoas naquela avenida. Demorei uns três dias para ter coragem de me aproximar de um modo não invasivo, afinal, ele estava sempre trabalhando.

Tive vontade de fazer plantão pela livraria e esperar ele sair – mas me botei no lugar dele e imaginei um cara desconhecido me esperando do lado de fora do trabalho pra pedir meu telefone. Não, não seria legal.

Pensei em outra estratégia. Um dia tomei coragem, comprei três livros e pedi pra moça do caixa embalar pra presente. Como o esperado, ela me conduziu até o balcão onde o gatinho trabalhava e eu fiquei bem nervosa.

“É pra presente?” ele perguntou desnecessária e encantadoramente.

“Sim”, eu respondi.

Ele não sabia, mas todos os livros eram pra mim. Pousou os olhos na minha camiseta com uma estampa da Uma Thurman de franja fumando e disse que curtiu.

Então nós dois falamos em coro, “Tarantino é meu diretor favorito”. Faíscas.

Os pacotes demoraram pelo menos o dobro do tempo pra ficarem prontos, e o papo foi ótimo. Quando ele entregou os embrulhos nossas mãos se encostaram mais tempo do que o necessário; senti que era a deixa pra eu pedir um contato ou chamar pra um café. Ganhei o dia.

Xavecar ou ser xavecada? Eis a minha questão.

Nem sempre fui corajosa e sutil na abordagem, como fui com o cara da livraria.

Costumava ter uma postura mais ativa na aproximação, mas passei a adolescência inteira xavecando de um jeito bem imaturo e ruim, e levei alguns foras bem doídos por isso.

Estudante da área de Exatas, eu vivia rodeada de homens. Eles eram meus amigos, meus colegas de aula e de trabalho, minhas referências. Curtia ser a única garota no meio deles, estar com eles e observar como agiam e se aproximavam das meninas.

Ao mesmo tempo, ficava maluca com a expectativa de poder me relacionar com tantos caras incríveis.

Por causa da minha personalidade e do meio em que vivia, acabava fazendo com eles exatamente o que faziam pra abordar as mulheres – usava as mesmas táticas ruins. E é obvio que não dava certo.

Primeiro, porque as técnicas de aproximação eram um bocado toscas e imaturas, e eu sempre acabava com uma cara de pamonha na hora H.

Depois, porque esperavam um tipo de comportamento clássico feminino, e eu fazia exatamente o oposto.

Uma vez botei um dos meus melhores amigos na parede. A gente ia ficar, mas ele parou no meio e me disse que não ia conseguir. Me disse que precisava ter se aproximado de mim, e não o contrário. Fiquei decepcionadíssima e a gente seguiu a amizade como se nada tivesse acontecido.

Depois desse episódio concluí que seria obrigada a agir de outra maneira para conseguir ficar com os caras que queria. Passei então a adotar uma postura mais passiva, esperando que um milagre divino descesse sobre a minha cabeça toda vez que ficava afim de alguém, que alguma força invisível fizesse o cara dar o primeiro passo. Também não funcionou.

Nas raras ocasiões em que esse milagre aconteceu, me senti muito desconfortável em estar na posição de cortejada. Foi um desastre na maior parte do tempo.

Resumo da ópera: passei grande parte da juventude tentando me encontrar no incrível campo da conquista. Tentei me encaixar em um papel mais ativo e ousado, entendido como papel ideal masculino – mas não rolou.

Tentei então o oposto, exercendo o papel esterotípico feminino, de esperar pra ser galanteada. E foi horrível. Levei muito fora, e dei muito fora. Não me adequei em nenhuma das formas prontas do mundo da sedução.

Menos expectativa, mais perspectiva

Alguns anos depois, com mais maturidade – quando mudei pra uma cidade maior e passei a morar sozinha – comecei a ver o quanto de energia gastava criando expectativas e, de outro lado, preocupada em me encaixar, em atingir as expectativas que tinham de mim.

O próprio conceito de cantada ou xaveco estão inseridos dessa noção nociva e nos atrapalham quando tentamos manifestar nossos sentimentos por alguém.

Culturalmente,  o pano de fundo por detrás dessas palavras é de imediatismo, necessidade de acerto instantâneo, pouco espaço pra erro, necessidade de seguir obrigatoriamente o caminho de se relacionar amorosamente com o alvo da conquista.

É como se tudo que a gente ouvisse, lesse e assistisse sobre o assunto nos desse a entender que é um jogo de ganha e perde, preto no branco.

Guias e mais guias. Conselhos de pais, amigos, atores de Hollywood, programas de TV. Até muitas das ferramentas que usamos pra nos relacionar, como o Tinder e outras similares, reforçam essa ideia de tudo ou nada.

Te vi no Tinder!

Comecei a repensar essa noção de conquista e meus hábitos de xaveco, tanto na vida real quanto nas redes. Priorizei ferramentas e atitudes.

Por exemplo, ao invés do Tinder, usava o OkCupid.

Diferente das outras plataformas, traz um questionário bem atípico e longo (cerca de 50 perguntas como “o que você acha sobre drogas?”, “você prefere desenho animado ou filme de terror (ou ambos)?”, “você sairia com quem tem filhos?”) que, se respondido, faz um maravilhoso algorítimo funcionar, te aproximando de pessoas que tem muito mais a ver com você, em um sentido mais amplo e profundo do que o físico, por exemplo.

Além de tudo, você pode pesquisar as pessoas por filtros – homem, mulher, a procura de amigos, a 20km de distância, a procura de sexo casual, etc. Saí com dezenas de homens em um curto espaço de tempo, e a maior surpresa de todas: não fiquei com a maioria deles. Mesmo aqueles que achei extremamente bonitos.

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Muitos viraram meus amigos, online e offline. Muitas outras pessoas viraram parceiras de projetos e negócios. Outras viraram companheiras de treino e corridas no parque.

Tive casos, claro. De uma noite, relações mais longas. Mas também fiz colegas, amigos, conheci lugares novos, aprendi e ensinei. A mágica aconteceu. Passei a me aproximar de pessoas, interagir com elas inteiras, trocar.

Descobri, no caminho, que o que fazia mesmo sentido era esse tipo de relação: mais aberta, ampla, com menos expectactivas e mais perspectiva.

Por relações e xavecos mais fluídos

Ame quem quiser, como quiser, o quanto quiser | Ilustra por Sarah Mirk

“Depois do desejo vem a remoção dos refugos. É, ao que parece, como forçar o que é estranho a abandonar a alteridade e desfazer-se da carapaça dissecada que se congela na alegria da satisfação, pronta a dissolver-se tão logo se conclua a tarefa.” – Zygmunt Bauman, em seu livro Amor Líquido

Para Bauman, a fluidez é boa e ruim, dependendo da ansiedade das pessoas.

Essa ansiedade é fruto das expectativas construídas ao longo de nossas vidas, que nos obrigam a cumprir papéis de falas e ações marcadas, nos impossibilitando de curtir as pessoas com sincero interesse.

Mas o que fazer pra se livrar das amarras, da ansiedade e das expectativas, e buscar mais perspectiva e abertura?

Aí vão algumas coisas importantes pra quem quer praticar o que eu chamo de um xaveco mais fluído:

1. Tentar praticar a noção ampla de liberdade como a possibilidade de nos soltarmos de amarras, convenções e padrões, e nos relacionarmos com quem quisermos, da forma que quisermos, se e quando quisermos.

No xaveco, é saber que podemos ou não fazer, e que podemos fazer do nosso jeito. Também, saber que podemos desistir do flerte a qualquer momento, por qualquer razão, assim como a pessoa do outro lado.

Relaxe, ouça, faça perguntas

2. Ampliar o nosso olhar pras pessoas com quem nos relacionamos.

Somos pessoas, e pra nos conectarmos melhor umas com os outras, precisamos nos livrar de caixinhas, etiquetas e papéis pré definidos. No xaveco, significa tentar enxergar aquela outra pessoa como uma pessoa inteira, não só um alvo da conquista.

Cultivar interesse genuíno por quem está ali, do outro lado da mesa do café. Ouvir e falar. Trocar com sinceridade. Não importa se a intenção é passar uma noite junto ou ir mais fundo.

Vamos começar parando de seguir regras quando o assunto é conquista e relações? Depois disso, é só aceitarmos, apesar da nossa ânsia em fazer com que as coisas aconteçam do jeito como agente imaginou, que os encontros podem tomar outros rumos – inesperados e muitas vezes melhores do que o planejado.

É por esse caminho que a gente pode ressignificar a palavra xaveco. Ela passa a ser sinônimo de começo, de possibilidades. De abrir uma porta pra espiar quem é que está do outro lado, com interesse sincero e respeito.

Para sair da teoria e ir pra prática

Um exercício lúdico pra praticarmos outro olhar, presença, empatia e conexão. E também pra tentar superar nossa vergonha e os medos da aproximação.

As autoras dos textos desse percurso (Anna, Gi, Carol e Nessa) também se propuseram a fazer e dividir as experiências que tiveram aqui com vocês. Vamos tentar?

Exercício sugerido: “Daqui de onde eu estou”

Escolha um lugar na sua cidade que você gosta muito, onde se sinta confortável. Pode ser uma livraria, um café, uma praça, um bar.

A Anna escolheu o Urbe, um café na Rua Augusta (SP). A Gi escolheu o Paribar, no centro (SP), a Carol ficou com o Pico Agudo (Santo Antônio do Pinhal) e a Nessa, a Casa de Cultura Mario Quintana (Porto Alegre).

Leve um caderninho ou um bloco de notas, e uma caneta.

Arranje um canto confortável pra sentar, onde tenha boa visão das pessoas que passem.

Encontre uma pessoa que te interesse. Observe ela por pelo menos 5 minutos (pode ser mais). Escreva no caderninho as 3 primeiras palavras que te vem à mente sobre aquela pessoa. Aqui, a ideia é escrever rápido, sem pensar muito.

Depois, escreva o que você acha que ela está fazendo ali. Em seguida, faça anotações sobre como ela parece se sentir naquele momento: feliz? apressada? tranquila?

Por último, seja um pouquinho criativo. Escreva 2 coisas que você imagina sobre a personalidade dela (ex.: tímida e séria) e 5 coisas que você imagina sobre a vida dela (por ex: é solteira, tem filhos, gosta de animais e adora doces).

Depois da observação e das anotações (se sentir que dá pé, claro), vá até ela e faça uma pergunta sincera, baseada em tudo o que acabou de pensar e notar. Cheque se alguma das coisas que notou e escreveu bate, é verdadeira.

Ouça a resposta. Agradeça e siga. (A não ser que o papo se prolongue, né?).

Compartilhem com a gente o que aconteceu no seu exercício.

Coisas que vieram à tona, dificuldades e facilidades, sensações, vontades e travas. O que rolou, o que você notou de interessante, você falou com a pessoa que observou? Como foi?

Vocês sugerem outros exercícios práticos para cultivar as qualidades que discutimos aqui?

Seguimos nos comentários.

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Leia os outros textos do percurso “Admirável Xaveco Novo”:

Mecenas: O Boticário

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Vanessa Guedes

Profissional de tecnologia, escritora e metaleira. Mora em Estocolmo e cria três gatos. Sempre feminista e curiosa.