Victoria nunca tinha me chamado atenção. Era uma colega de trabalho bem comportada e caladona. Um belo dia, se abaixou para pegar um caderno e havia uma tatuagem de escorpião logo acima de sua bunda.

Um escorpião! Um animal perverso, venenoso, sexy. E não um escorpião fofinho ou estilizado (como se isso fosse possível!) mas sim um escorpião sinistro e agressivo, de ferrão em riste. Na bunda daquela quase freira!

O escorpião atiçou minha curiosidade. Fui me aproximando. Dois meses depois, transamos pela primeira vez.

Aquelas roupas sóbrias escondiam umas das mulheres mais interessantes, sensuais e malvadas que jamais conheci.

Desmascarada por um escorpião.

Quando eu era criança pequena, sempre havia um homenzarrão mais velho, do alto dos seus longevos e imponentes quinze anos incompletos, pra me expulsar da mesa de ping-pong, me escurraçar da quadra de vôlei, me dar um soco no cocoruto.

E eu saía, de cabeça baixa e arrastando os pés, resmungando entre os dentes e jurando vingança eterna:

Um dia, vocês vão ver, eu também vou ser grande!

Então, muitos e muitos anos depois, fui buscar Victoria em casa para irmos a uma boate.

Ela morava em uma pacata ruela de casas no subúrbio e havia uns três moleques, lá pelos seus nove ou doze anos, sentados no meio fio, de bobeira.

De repente, a mulher saiu pelo portão e foi um choque. Momento-filme. Quase deu pra sentir o slow-motion, a trilha sonora entrando, o narrador em off dizendo “caralho!”

Victoria, psicóloga, mestra em filosofia e professora de línguas, geralmente era a mais sóbria e elegante das mulheres: cores escuras, cabelos presos, sapatos fechados, gola até em cima. Entre quatro paredes, claro, se tornava uma rainha má sedenta de sexo, mas, em público, quase poderia passar por evangélica. Se não fosse uma espiada de relance no seu escorpião, eu jamais a teria desmascarado.

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Apesar de estarmos transando há meses, tínhamos nos conhecido no trabalho, sempre nos víamos no trabalho e íamos do trabalho para o motel. Essa era a primeira vez que saíamos socialmente.

E eu estava simplesmente estupefato: ela parecia uma verdadeira diva negra da Motown, recém-saída de uma discoteca da década de setenta: um top branco curtíssimo, fazendo contraste com sua pele mais escura do que nunca; os cabelos ondulados se abrindo em leque sobre os ombros nus; barriga deliciosamente durinha; jeans tão apertados que pareciam terem sido costurados em seu corpo; sandália de salto altíssimo transparente.

Os meninos, seus vizinhos de rua e também acostumados a vê-la todo dia sempre sobriamente vestida, estavam tão estupefados quanto eu. Olhavam para ela, e para mim, e para meu carro, e para ela, e refaziam o ciclo mais uma vez.

Uau, tio, você é foda!

Todo homem, se tiver boa memória, sabe exatamente como aqueles meninos se sentiram. De um modo bem concreto, SER menino são longos e intermináveis anos de ver a Victoria rebolando a caminho do meu carro.

Ser menino é isso.

Victoria, seja dito em seu favor, não deu a mínima para os moleques: me sorriu o sorriso mais branco do mundo, passou por eles como se não existissem e entrou no carro.

Fui eu que não resisti. Quando nossos olhares se cruzaram, lhes dei um sorriso cúmplice e quase disse:

Não se preocupem; um dia, vocês também vão ser homens.

Impossível exagerar a importância desse episódio na minha própria vida. Finalmente vingado, o menino dentro de mim agora podia descansar em paz.

Eu já era um homem.

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu