“Olá, Frederico!
Tenho 27 anos, um emprego seguro que me proporciona uma renda razoável, uma namorada bonita e apaixonada, mas me sinto extremamente sozinho e sem amigos.
Nunca fui o cara popular no colégio, tinha algumas amizades mas sempre fui descartado facilmente quando aparecia alguém do grupo dos ‘descolados’. Isso se estendeu na faculdade, na vizinhança e hoje até no meu trabalho.
Chegou ao extremo de, em uma festa, um cara que eu nunca tinha visto na vida falar abertamente que naquela noite ele tinha feito um novo amigo – pois tem pessoas com quem você sente empatia logo de cara – e logo me usou como exemplo para dizer que também havia me conhecido no mesmo instante, mas não havia batido o santo comigo. Um comentário aberto em um tom agressivo e no meu ver totalmente desnecessário.
Isso faz dois anos, mas o mal estar que senti ouvindo aquilo reverbera em minha cabeça sempre. Não recebo ligações para sair, não recebo mensagens, não sou lembrado… você deve estar pensando “esse cara deve ser um mala!” Mas não acredito ser. Sou educado, não entro em brigas, não agrido as pessoas, sou asseado, e creio ter uma boa estética. Não tenho dificuldades com namoradas e ficantes, creio que a aparência não seja o problema.
Sinceramente, isso tem me incomodado muito. Por que eu não consigo ter amigos? Por que não consigo ter uma turma? Admito ter dificuldade no primeiro contato com as pessoas, o assunto não flui, sou um ótimo ouvinte mas não tão bom contador de histórias.
Como disse no início, eu tenho uma namorada super bacana, mas nossa relação já está desgastada. Eu queria terminar, mas sempre adio essa decisão, pois sei que ficarei sozinho, sem uma alma para poder bater um papo sincero e aberto, me condicionando ao ciclo de novamente arrumar outra namorada para ter uma companhia certa.
Não quero mais usar namoradas como muleta contra a solidão, mas não sei como fazer amigos!
Abraço,
S.O.”
Olá, S.O.
A solidão não-voluntária é uma das maiores causas de problemas emocionais para as pessoas, afinal, somos seres gregários e interdependentes, de forma que nosso senso de importância e pertencimento nos ajuda a definir os limites de nossa identidade. É no contato com o outro que somos mais nós mesmos. Sua preocupação é legítima, afinal, sua namorada, por melhor e mais companheira que seja jamais poderá completar alguns requisitos próprios da amizade.
As principais características de uma amizade são:
- A oportunidade de criar alianças;
- Ter uma testemunha;
- Ter um espaço para confissão;
- A possibilidade de experimentar a vida;
- O apoio para as próprias realizações.
Talvez você esteja esquecendo de alguma dessas etapas importantes.
Aliança
Para quem ficou sozinho muito tempo é possível que a capacidade de interagir para além do interesse afetivo-sexual se comprometa.
Existe certo elemento místico no aspecto da amizade, como se os amigos se tornassem cúmplices num pacto secreto que apenas a dupla (ou o grupo) compartilham. Há uma lealdade implícita na amizade que cultiva um preciosismo da relação.
A sensação de isolamento vai embora com a amizade, é como se um senso de pertencimento ocupasse o lugar do mal-estar generalizado de se sentir meio inadequado no mundo tão árido que vivemos. A amizade parece criar uma blindagem em que ambos se protegem dos perigos externos. Ambos se unem para conquistar uma garota, um emprego, a liberdade frente aos pais e às inevitáveis adaptações que a vida adulta exigirá.
Confissão
Outro refrigério emocional que a amizade proporciona é o alívio diante dos próprios limites, vulnerabilidades e fracassos. O amigo é aquele que escuta, até uma certa medida, com o coração mais aberto, disponível e cúmplice possível. A sensação de poder contar com ouvidos simpáticos, curiosos e compassivos já é uma experiência emocional libertadora.
Essa é a hora de dar espaço para o outro se abrir, render e entregar. Ao estimular essa dimensão livre de julgamentos e condenações, a amizade ganha fôlego, especialmente se comparada com outras relações, tão cheias de cobranças, intromissões e tentativas de controle.
Saber ouvir é tão importante quanto desenvolver sabedoria para aconselhar sem afetação ou repetição de procedimentos e clichês. Portanto, S.O., cultive uma mente mais sofisticada, que tenha uma visão além do óbvio, que atinge a profundidade da outra pessoa e a faça sentir acolhida e protegida.
Testemunho
Os amigos são aqueles que saem para viver e depois retornam para contar como foram suas sagas. É naquela hora que sentam diante da fogueira para compartilhar os resultados positivos, assim como o que não funcionou com exatidão.
Parece que você tem uma especial dificuldade, principalmente no momento de compartilhar o que se passa com você. Você precisa saber contar uma história com começo, meio e fim. Nesse sentido, é treino como qualquer outra habilidade. Comece contando histórias curtas onde você esteja no centro da ação. Descreva qual era seu objetivo, o que foi colocado no seu caminho, os impasses que teve e como chegou numa solução.
Ao criar esses percursos pessoais seu amigo em potencial se sentirá engajado na sua vida. Não é um truque barato, mas um meio legítimo de ter um expectador interessado em sua vida do mesmo jeito que você se interessa pela dele. Reciprocidade sem que você tenha algo a oferecer torna a amizade insossa e sem vida.
Compartilhe informações, fique atento aos interesses do seu amigo, envie links, invista no universo dele e demonstre afeto pela sua trajetória. Sem se mover é muito mais difícil criar esse vínculo, que precisa de uma liga especial para criar o senso de irmandade voluntária.
Experimentação
Há um outro aspecto da amizade que é o de ser um apoio para a própria degustação da vida. No filme “Conta comigo” são retratadas as aventuras de quatro amigos pré-adolescentes que vão em busca do corpo de um jovem desaparecido na cidade. Essas experiências de união e cuidado mútuo em situações de dificuldade é que firmam o pacto que marca uma amizade.
Para que uma amizade se consolide é preciso que ambos vivam experiências marcantes juntos, portanto, se você cultiva uma vida pacata ao ponto de ser apagada, dificilmente terá um contexto para essa chama se acender. A maioria dos papos de amigos bêbados costuma ser sobre as besteiras feitas na bebedeira passada, eles riem de si mesmos e reforçam o sentimento de que juntos a vida é mais divertida do que separados.
Ser um amigo pesado e sério demais pode tornar sua presença cansativa. Um dos aspectos mais divertidos da amizade é testar os limites da realidade e até uma certa medida transgredir a si mesmo. Por outro lado, ser bobo em exagero também não funciona sempre por causar desconfiança e pouca credibilidade.
Fortaleça seus músculos emocionais, descubra quem é você e coloque intensidade nos seus dias. Isso vai gerar assunto para as suas conversas, uma vez que vai ter experiências significativas para contar.
Incentivo
Parte do benefício da amizade é saber que do lado do seu amigo você se sentirá importante e que ali existe um ombro para apoiar a cabeça e tomar um chacoalhão. A ferocidade saudável de trucar as visões tortas do outro e a capacidade de elogiar e ver os pontos positivos também são valiosos elementos agregadores de pessoas. Se tem uma crítica a fazer, faça com gentileza e serenidade. E, caso tenha algo a exaltar, faça com alegria e estímulo.
A amizade que você tanto deseja, S.O., antes de mais nada, é uma jornada em busca de suas paixões e gostos, um confronto com os limites da vida. Em essência, a amizade é só um jeito amoroso de encarar a longa caminhada que todos inevitavelmente terão em direção à morte. Quem tem um amigo nunca vive ou morre sozinho.
Deixe nos comentários sua sugestão e experiência de como fez e manteve suas amizades.
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Nota: A coluna ID não é terapia (que deve ser buscada em situações mais delicadas), mas um apoio, um incentivo, um caminho, uma provocação, um aconselhamento, uma proposta. Não espere precisão cirúrgica e não me condene por generalizações. Sua vida não pode ser resumida em algumas linhas, e minha resposta não abrangerá tudo.
A ideia é que possamos nos comunicar a partir de uma dimensão livre, de ferocidade saudável. Não enrole ou justifique desnecessariamente, apenas relate sua questão da forma mais honesta possível.
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