Alguém já disse que sabemos que o mundo mudou porque antes nos ensinavam a não entrar no carro de desconhecidos, não confiar na Internet e não beber nada dado por estranhos, enquanto hoje usamos a Internet pra chamar um desconhecido que vai nos levar de carro e o grande diferencial é que ele também oferece água (e umas balinhas).
E de todas as formas de interação social cuja mecânica se alterou rapidamente nos últimos anos, uma das que evoluiu de maneiras mais específicas foi o chamado “romance”. Não apenas porque todo o processo de comunicação mudou e nenhum jovem de hoje passa por situações como ligar para o telefone fixo da casa de uma menina, o pai dela atender, ele gritar pra mãe ver se ela está no quarto, esperar com você na linha e perguntar um aterrorizante “quem é você mesmo, rapazinho?” como acontecia na minha adolescência, mas também porque vivemos numa era em que existe uma gama de novos meios para facilitar e acelerar esse romance.
Se antigamente você esbarrava numa garota no pátio e precisava perguntar pra um amigo quem ela era, torcendo pra esse amigo conhecer uma amiga dela que pudesse te informar alguma coisa, hoje em dia na maior parte das vezes logo após conhecer alguém você em questão de minutos tem acesso a uma vasta gama de informações que vão desde nome completo, ocupação até um vasto repositório de imagens e mesmo dados sobre posições religiosas e políticas que alguns anos atrás você só viria a descobrir ali pelo sexto mês de namoro, quando seria tarde demais e ela ser uma anarco-pastafariana ia ser apenas um detalhe na relação linda de vocês.
Isso sem contar os apps destinados especialmente a encontrar um parceiro, que apesar de terem seus momentos confusos – eu sempre sinto que alguém entrando no Tinder em busca de amizades não-sexuais é como alguém entrando no grupo de oração em busca de amizades muito sexuais – tentam adicionar um elemento de praticidade e agilidade ao que os antigos chamavam de “flerte” e aquele inesquecível programa do Celso Portiolli no SBT chamava de “xaveco”.
E claro, diante disso é fácil fazer o que todo mundo faz quando o assunto é Internet. Dizer que as relações estão se tornando superficiais, falar que os processos perderam a naturalidade e as coisas hoje são rápidas demais, fazer um comentário relacionado a algum desses episódios de Black Mirror que vocês tanto falam e eu não assisti, na verdade eu ainda tô no quinto episódio de Luke Cage, a Netflix solta série demais, é complicado a pessoa acompanhar.
Mas a verdade é que talvez conhecer uma pessoa pela Internet hoje seja o mais perto de um romance clássico que a gente pode viver. Primeiro porque conhecer a pessoa por um app ou rede social te obriga a necessariamente conversar com ela. Não aquela conversa de balada em que a pessoa falou “sou nazifascista” e você entendeu “moro ali no batista” porque o barulho da festa estava alto e você na verdade estava apenas cumprindo uma formalidade pré-beijo. Mas sim uma conversa daquelas antigas, em que as pessoas confirmam nomes, dizem o que trabalham, comentam do que gostam, se certificam de que o outro não admira as ideias de Hitler e Mussolini.
Porque na Internet as pessoas necessariamente precisam se conhecer. Seja pela necessidade de saber se quem está do outro lado realmente é como diz, seja pelo princípio básico de preservar sua integridade física – quem nunca recebeu atenção demais de alguém do sexo oposto e imaginou que poderia ser tráfico de órgãos? Ok, talvez só eu pense essas coisas, mas mesmo assim – você acaba sendo obrigado a realmente saber coisas sobre aquela pessoa, realmente ter um entendimento mínimo dela, e daí acaba avaliando as possibilidades daquela situação com muito mais calma e clareza do que avaliaria se estivesse bêbado na fila do banheiro de um show da dupla Jads e Jadson e seu critério para relacionamentos fosse o mesmo de um tiranossauros para ataques (“estar se movendo”).
E isso tudo gera uma coisa que talvez seja a principal semelhança entre os relacionamentos antigos e os da Internet: a geração de expectativa. Se antigamente essa esperança era gerada pelas normas sociais que impediam as pessoas de fazer o que queriam quando queriam, nos dias de hoje conhecer alguém pela Internet pode causar a mesma demora, mas por razões mais práticas. Seja pelo fato de que todo mundo trabalha muito e o tempo é cada vez mais escasso, seja porque você se interessou por alguém que mora na outra ponta do país e agora precisa esperar uma promoção de passagem aérea pra que vocês se encontrem, existe uma tensão da espera num “só depois que aparecer uma promoção boa na Gol” que não é assim tão diferente de um “só depois que casar”. Mesmo porque o Fábio Jr, por exemplo, casou 3 vezes desde a última boa promoção de passagens nacionais.
No fim das contas, o que vai ditar se a interação é rápida, superficial, significativa ou emocionante não é o meio que você usa, mas sim a intenção que você tem. Da mesma forma que dava pra ter um lancinho casual na era do telégrafo – imagine um “oi, sumida” em código morse naquela noite de quinta – é possível achar amor verdadeiro no Tinder, se forem as pessoas certas, na hora certa, do jeito certo. Conhecer alguém pela Internet não é mais ou menos vergonha do que conhecer numa livraria e pra sua mãe tanto faz se você conheceu aquele cara no Uber, no Grindr, no Ifood, pra ela todos os apps são iguais mesmo. Por mais que os meios mudem, as pessoas continuam sendo pessoas e o que importa é menos os correios, o telefone, o whatsapp, e mais como as pessoas se sentem quando chega a carta, ouvem o toque, veem a telinha piscando.
E esse tipo de coisa, mesmo quando a comunicação for via holograma ou telepatia, dificilmente vai mudar.
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