"A história é simples e meio escrota. Sei que é politicamente incorreto falar, mas a minha esposa engordou pelos menos uns 15 quilos nos últimos meses e não sei como abordar esse assunto sem parecer que sou um babaca. O ponto é que perdi o tesão sexual e não sei o que fazer.
Marido Aflito"
Caro Marido Aflito,
Sua questão é sensível e atual. As mulheres tem lutado para fugir dos padrões compulsórios de magreza (ainda que a maior parte delas permaneçam buscando-os) e uma discussão séria tem sido levantada. É possível ser desejável com um corpo que está acima do peso (dito como) ideal? A quem querem agradar, tendo um corpo magro? Nosso olhar quase nunca é descolado do mundo em que vivemos. Os padrões estéticos não são uma invenção de uma só pessoa ou da indústria de cosméticos isoladamente. Esses padrões são sistêmicos, de forma que não temos a dimensão do começo e do fim. Todos colaboramos para isso.
Esse padrão molda nosso caráter e o jeito como nosso desejo se comporta. As primeiras imagens de nudez, quando não em casa, dos nossos pais, são de imagens esguias, magras e/ou voluptuosas. Isso imprime um tipo de padrão contra o qual temos pouco como lutar.
É meio maluco pensar na contradição do nosso discurso enquanto homens. Por um lado dizemos não prestar atenção em celulites e, por outro, não desgrudamos os olhos de qualquer gostosa que passe pela TV. Como elas podem não ficar perturbadas com isso? Como acreditar na desculpa de que aquelas representariam mulheres impossíveis que só atiçam a imaginação, enquanto nossas namoradas e esposas seriam as delícias de carne e osso da vida cotidiana?
Há outra contradição, de que a balança, quando pesa contra nós, é menos sentida pelas mulheres. Como a construção do desejo feminino costuma ser menos corporal-visual e mais global em toda a experiência, então, elas parecem aceitar um homem que engorda sem que isso comprometa os seus desejos sexuais. Não que elas não percebam a barriga que salta da calça, mas elas redimensionam a libido com mais facilidade.
Isso é o que falta a nós, homens, o treino para expandir o olhar e o desejo. Não somos animais, somos capazes de redimensionar as questões simbólicas do desejo.
Não estou dizendo que você é obrigado a nada, mas acho que uma primeira via de ação seria confrontar essa condição imperativa da fruição do desejo. O que a gordura que salta do corpo pode trazer como experiência sensorial que nunca pensou? Como é tocar com calma essas dobras ou, talvez, os peitos mais caídos? A gente nunca se responde isso. É possível que a mera ideia seja repulsiva. Esquecemos que nesse mundo cujo referencial sexual de muita gente é a pornografia, provavelmente, somos as pessoas mais feias que já vimos transar.
Além disso, que outros aspectos estão implicados na sua dinâmica com ela? O que a torna atraente para além da aparência? Fantasie que você ficou cego, se só pudesse contar com o tato, o olfato, a gustação e a audição. O que seus ouvidos precisariam para se excitar? O que a sua língua saborearia? Suas mãos encostariam em que dobras e curvas? Que cheiros seriam cativantes? Ela, afinal, tem uma mente suculenta da qual suas emoções poderiam se lambuzar? Como provocar o que há de mais excitante por ali? São coisas que nunca nos colocamos a responder, em especial se somos novidadeiros viciados naquilo que não temos. Nos afobamos na autoimagem padrão de "homem gosta de magrinha gostosa, é instintivo".
Mas agora vamos supor que isso pareça impossível e que, de fato, seus instintos estejam aprisionados. Que a única via, para além da separação, seria ela emagrecer. Como comunicar isso?
Uma queixa, desconectada de contexto de afetividade real é sempre uma acusação em algum nível, portanto, meio escrota. Sua fala não pode vir de um lugar de ressentimento, mas de completa vulnerabilidade e exposição genuína. Você está com medo do que pode acontencer com a sua relação, está impotente frente ao seu próprio desejo.
Me parece que você quer entender de onde vem esse ganho de peso e ser empático com essa condição, em especial, se há desconforto dela também. Será que é uma escolha legítima de quem está cansada de viver sob o imperativo dos outros (mesmo que muitos discordem)? É um mal-estar pessoal, tem ansiedade evolvida, tem sobrecarga emocional ou alguma questão com a própria dinâmica entre vocês?
Ouvi-la pode abrir tantos caminhos de entedimento, tantas ações, questionamentos, reformulações para vocês como casal e como pessoas que qualquer tentativa de solucionar sem essa conversa pode ser mera especulação pessoal.
Abra o jogo. O seu jogo. O verdadeiro temor, a sua impotência frente ao seu condicionamento sexual, o seu receio de como enfrentarão essa nova fase, os desafios que tem pela frente. Se estiver desarmado, o mundo dela se abrirá pela frente.
Algo como:
"Amor, tenho me sentido fechado nos últimos tempos em matéria de sexo. Algo em mim mudou, me sinto menos estimulado. Tenho me sentido culpado, com medo de perder a conexão com você.
Notei que você ganhou peso. Racionalmente eu já tentei olhar essa história por todos os lados e queria sua ajuda pra nos ajudar. Queria saber o que tem acontecido com você. Estou te vendo mais agitada e preocupada, reparei que tem se queixado das roupas que usa, queria saber o que posso fazer para aliviar suas preocupações. Eu te amo muito e estou do seu lado.
Ao mesmo tempo, não sei por onde entrar no assunto, mas seu ganho de peso tem afetado a maneira que eu olho você. E não queria que fosse assim, mas tem sido. Também não quero ser um peso extra, mas não tenho como não ser agora quando falo sobre isso".
E ouça, ouça, ouça. Deixe as coisas decantarem entre vocês, isso pode durar semanas, meses, ou até mais. As coisas precisam de tempo para se reformularem.
Se, ainda assim, com tudo o que poderia fazer para melhorar as condições da relação e isso seguir perturbando os seus dias também é honesto com você mesmo e com ela que se decida por seguir em outra direção.
O que vai fazer mal é tudo mundo fingindo que não está acontecendo, fazendo de conta que casamento se leva de qualquer jeito. Mas aí precisa ter abertura de espírito para tudo o que pode surgir de terrível e lindo dessa conversa, nenhuma DR é uma rua sem saída se é feita com a disposição genuína de beneficiar a outra pessoa.
Leituras complementares
Aqui alguns links do Papo de Homem que podem ser úteis a você (e a outros leitores):
- 7 dicas para resgatar sua DR do abismo
- Como facilitar as conversas difíceis: 7 passos recomendados por um psicólogo clínico
- Comunicação não-violenta: o que é e como praticar
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Daqui a 15 dias, o próximo tema vai ser: "Minha família de origem é um peso pra mim".
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Nota da edição: a coluna ID não é terapia (que deve ser buscada em situações mais delicadas). É apenas um apoio, um incentivo, um caminho, uma provocação, um aconselhamento, uma proposta. Não espere precisão cirúrgica e não condene por generalizações. Sua vida não pode ser resumida em algumas linhas, e minha resposta não abrangerá tudo.
A ideia é que possamos nos comunicar a partir de uma dimensão ampla, de ferocidade saudável. Não enrole ou justifique desnecessariamente, apenas relate sua questão da forma mais honesta possível.
Antes de enviar sua pergunta, leia as outras respostas da coluna ID e veja se sua questão é parecida com a de outra pessoa. Se ainda assim considerar sua dúvida benéfica, envie paraid@papodehomem.com.br. A casa agradece.
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