“Olá, Fred, 

Tudo bom?

No início do ano, comecei a me relacionar com um cara, muito bacana, gente boa e com problemas familiares (a família dele ficou desestruturada pelo divórcio dos pais – que ocorreu há dois anos – e ele acabou se afastando muito deles, chegando a ficar sozinho, com pouco contato com a família).

Eu sempre desempenho um comportamento muito cuidadoso com meus namorados como cozinhar pra eles, ouvi-los, aconselhá-los, tudo com certo limite e parceria. Porém, com esse (atual) namorado, por ele só ‘me ter’, acho que as coisas estão passando um pouco dos limites. Tem vezes que chego a me sentir mãe dele! E não é algo que eu queira, mas é que ele já se tornou tão dependente que não há como fugir mais.

Além disso, quando ele erra, faz algo que me magoa, simplesmente começa a se fazer de vítima até conseguir virar o jogo e ficar parecendo que eu sou louca e culpada por toda a situação. Só que isso está fazendo com que eu perca o ‘brilho nos olhos’.

Acredito que uma relação bacana seja construída a dois, com um cuidando do outro e proporcionando crescimento mútuo. Porém, no meu caso, é como se eu sempre estivesse que estar disponível para resolver os problemas dele (e sempre resolvo, sou uma resolvedora de problemas nata) e quando o inverso ocorre, quando eu preciso de ajuda, ele não tem estrutura para lidar com isso e reverte todo o problema pra cima dele, como se fosse uma criança egoísta e mimada.

Sei que tenho uma parcela de culpa nesse problema mas realmente preciso da sua ajuda. Isso está fazendo com que eu perca o tesão no meu namorado e não sei como lidar com isso.

Agradeço desde já,

B.”

Querida B.

Esse tipo de relacionamento que você relata não é raro, eu brinco que é a dupla Wendy-Peter Pan.

Homens que não querem crescer

Existe um grande temor, por parte de muitos homens, em assumir uma postura correspondente com sua idade cronológica. Nossa cultura parece ser um pouco mais conivente com a molecagem masculina como se ela fosse sinal de vivacidade, leveza e espírito aventureiro.

Homens que temem amadurecer costumam associar a maturidade com chatice, restrições, ter que esperar, se submeter a regras contraditórias e abusivas, perder o senso de humor e não poder expressar “aquilo que são”. 


É um medo legítimo, afinal, ninguém quer perder a leveza, a liberdade, a alegria e o direito de ir e vir, mas a cultura nos colocou numa sinuca de bico. 

Nossos desejos, vontades e sonhos podem ser incríveis, mas ao mesmo tempo estamos habitando em rede, com sonhos compartilhados, há uma burocracia para regular certas operações pessoais. 

Para acender a luz é preciso que alguém tenha instalado o abajur, comprado a lâmpada, pagado as contas e ganho dinheiro para isso. O Peter Pan é o homem que não quer fazer o trabalho sujo, é o cara que quer fingir que isso é coisa do capitalismo e que ele é livre. 

Bem… Livre, pero no mucho

A menos que viva numa comunidade autossustentável (principalmente nela), alguém tem que limpar a merda que vai para algum esgoto. Passar uma vida surfando no ombro de pagadores de contas pode parecer incrível, mas alguém está pagando o preço daquela vivacidade toda.

Não é muito difícil ser vivaz e festeiro quando alguém está limpando a bagunça depois. Difícil é ter um sorriso no rosto mesmo encarando de frente um mundo em colapso. Há quem só veja o cinismo como saída, os sábios conseguem abrir o coração no meio do caos.

Entre o cinismo amargurado dos “realistas” e a juventude eterna do Peter Pan, muitos homens ficam sempre na barra da saia da mãe. E, se derem “sorte”, da mãe substituta que elegerão como a companheira que pague as contas de sua meninice.

Mulheres que não querem precisar de ninguém

Não há um relacionamento que possa ser olhado isoladamente, mocinho e bandido, há sempre um ciclo que se realimenta. Se há um garotão que nunca quer assumir a responsabilidade, também existe uma mulher que nunca quer relaxar. Ele vive a alegria que ela não se permite sentir.

O perfil típico de mulheres que se envolvem com meninões compulsivos costuma ser bem previsível: correta em tudo, responsável desde cedo, prima pelo bem e pela ordem, toma iniciativa em tudo e… falta um pouco de brilho nos olhos.


Sem dúvida, ela é a parceira perfeita, vista na superfície, mas internamente ela carrega uma tristeza oculta, aquela de seguir o script da boa menina para ser amada incondicionalmente. No fundo, ela não tem coragem para agir com espontaneidade. Ela até tenta, mas há uma força interna que a impele a nunca pisar na grama.

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Não que a vida boa seja quebrar as regras como um sociopata, mas diante dos malabarismos inevitáveis da vida, é importante abrir espaço para um pouco de sapequice.

As mulheres de Peter Pan não conseguem gozar livremente. Existe sempre um ditador interno que não permite que respirem aliviadas, estão sempre caçando as micro-expressões dos outros para poder prever suas ações e assim se antecipar, como mulheres de bom coração que servem compulsivamente.

Elas, portanto, são excelente cuidadoras. E mesmo que digam que querem sair do controle e serem cuidadas, no fundo, nunca confiam e aprovam o jeito que os outros podem cuidar delas. Elas têm um protocolo para ser amadas que ninguém é capaz de cumprir. É nessa justificativa de que ninguém consegue sacar suas necessidades que elas vão passando anos incapazes de relaxar nos braços de alguém.

“Mas só dei o azar de encontrar homens folgados, Fred.”

Nossa percepção é seletiva e nosso coração se apaixona por figuras externas que completem nossas fantasias. 

Um cara que poderia cuidar delas não cai no seu radar. Elas estão sempre rastreando aquele que vive a vida adoidado e que refletem aquilo que, no fundo, não conseguem experimentar, uma dose de inconsequência pessoal.

No começo, essa mulher fica cega pela alegria-sapeca-espontânea desse homem e ignora que isso costuma vir acompanhado do pacote irresponsabilidade-egoísmo. 

Como ela tem um motor interno que diz “vou mudar a realidade que me cerca”, isso vira uma ordem, não desistirá enquanto não deixar de tentar transformar o menino incorrigível em um homem. 

Essa é a parte de imaturidade dela: nunca admitir que pode estar de olhos vendados e incapaz de procurar um parceiro que possa realmente se alternar nos cuidados. 

Quando tromba com um homem assim, a menina-responsável não sabe se entregar é seguirá buscando os homens legais, aqueles que fogem de intimidade.

Gato e rato

O problema dessa boa intenção é que exatamente por tentar impor essa transformação, a mulher reforça nele a síndrome de coitadinho e incapaz. 

Como vingança inconsciente, o jeito dele “retribuir” essa pegação no pé é achar que deve viver ainda mais do jeito que “der na telha”. 

Para reafirmar sua liberdade, ele se torna ainda mais emocionalmente desligado e irresponsável. Não raro, vai atrás de uma outra mulher que seja menos preparada que a mulher-faz-tudo, só para se sentir um herói por alguns momentos e sair um pouco do lugar de sem noção que vive constantemente.

Note, querida B., que não se trata de culpar ninguém. Ambos estão presos em seus scripts complementares. Em sã consciência ninguém escolheria viver numa luta de gato e rato, mas a maior parte das pessoas não é livre psicologicamente, estão possuídas por forças internas que desconhecem.

Não sei se isso retrata sua situação, mas esses elementos podem ser boas pistas para você saber o que fazem de fato. 

Ele quer ser o seu herói e, se você der espaço para isso, ele tentará ser. No começo, será um herói desajeitado. Vai lembrar de trazer presente, mas vai perder a chave do carro. Ele vai tentar te agradar com uma mão e ser estabanado com a outra. 

Você não encontrará a segurança absoluta que fantasia que deveria existir num relacionamento, mas será melhor do que passar o resto dos seus dias reclamando e endurecida. 

Quando ele comprar para si a ideia de que pode ser festivo e cuidar de alguém sem que isso seja uma contradição, existirá uma chance para vocês.

Você pode ter mais consciência da situação, por isso, a mudança sempre parte de quem está com a lanterna na mão. Não será fácil confiar num menino de 7 anos, mas mesmos esses são capazes de coisas incríveis. Nesses passos seguintes de auto-descoberta ele pode se revelar, um dia, um homem maduro.

Mas, talvez, como ocorre com muitos relacionamentos, você pode nunca testemunhar ele amadurecer ao seu lado. Então, é preciso saber discernir se será nessa década que ele dará os passos definitivos ou se será com quarenta ou cinquenta anos que ele avançará um pouquinho. 

Se você, ainda assim, estiver disposta a se unir com ele e ter filhos, saiba que poderá ter só mais uma criança em casa, mas seja consciente de que ele não está pronto para crescer, assim como você não está pronta para se entregar.

Às vezes a vida segue assim, cada um apoiando a cegueira do outro. É um arranjo possível, longe do ideal de filme romântico.

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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.