Mark Elliot Zuckerberg nasceu em 1984. Por que um moleque mais novo do que muitos leitores do PapodeHomem entra pra lista dos “Homens que você deveria conhecer”? Apenas pelo fato de ser o multibilionário fundador do Facebook e personagem principal do filme The Social Network?
Eu acho que não. Aliás, o fato de ter uma empresa que foi avaliada acima de 33 bilhões de dólares é um mero acaso. Para explicar esse acaso, primeiro quero compartilhar a história de um cara muito foda: o judeu Viktor Frankl.
A descoberta de Viktor Frankl
Viktor Frankl foi um dos prisioneiros de campos de concentração nazista. Ele observou e viveu todo tipo de atrocidade imaginável. Removeram suas roupas e até seu nome, trocando pelo número 119.104. Viktor, porém, tinha um trunfo que dava forças necessárias para sobreviver aos abusos físicos e mentais: o propósito.
“Em última análise, torna-se claro que o tipo de pessoa em que o prisioneiro se transformava era o resultado de uma decisão interior, e não o resultado só das influências do campo de concentração. Portanto, fundamentalmente, qualquer ser humano, mesmo sob tais circunstâncias, pode decidir o que vai ser dele – mentalmente e espiritualmente.”
O propósito de Frankl era poder compartilhar com alunos as suas experiências do campo de concentração, fazendo observações sobre o ocorrido. Ele usava sua força de imaginação para criar um filme mental de como seria estar livre em um futuro próximo, transmitindo essas lições.
Ilustrando como esse propósito é importante para dar energia às pessoas, Frankl conta como muitos prisioneiros morriam perto do Natal. O que dava forças para que eles sobrevivessem era o sonho de reconquistar a liberdade para passar o Natal com a família. Quando a véspera natalina se aproximava, eles notavam que não ia rolar… e deixavam seu corpo sucumbir a todo tipo de doença e fraqueza.
Essa ideia de ter um propósito na vida foi o ponto principal da pesquisa de Frankl, que escreveu o excelente livro Em Busca de Sentido: Um psicólogo no campo de concentração.
“Everything can be taken from a man or a woman but one thing: the last of human freedoms to choose one’s attitude in any given set of circumstances, to choose one’s own way.”
Tradução livre: “Tudo pode ser tirado de um homem ou de uma mulher, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas de escolher uma atitude em um certo grupo de circunstâncias, escolher o seu próprio caminho.”
O tal do propósito não precisa ser algo grandioso ou muito altruísta para mudar o mundo ou ensinar uma geração futura sobre injustiças cometidas ao longo da história. Pode ser algo simples: lembro do dia que demos uma cachorrinha para minha avó, que mora sozinha no interior. Ela ficou encantada de felicidade e passou a viver uma vida mais feliz.
Negócios com própósito
É simples encontrar um propósito. Mas muita gente caminha pelo mundo sem ele. É o que acontece com muitos empresários, mas não com Mark Zuckerberg.
O motivo de seu império de rede social online crescer como nenhuma empresa em toda a história da humanidade é esse tesão, o propósito aplicado a negócios.
Link YouTube | Trailer legendado de “The Social Network”.
Não quero estragar os detalhes do filme The Social Network para quem pretende assistir, nem o livro The Accidental Billionaires: The Founding of Facebook – A tale of sex, money, genius and betrayal (Os Bilionários por Acidente: A criação do Facebook – um conto de sexo, dinheiro, engenhosidade e traição) que inspirou Kevin Spacey, produtor do filme.
Recomendo para a lista de leitura também o The Facebook Effect: The inside story of the company that is connecting the world (O Efeito Facebook: A história dos bastidores da empresa que está conectando o mundo), do David Kirkpatrick. Como eu gostei muito dessas obras, ficaria meio chateado se alguém revelasse as surpresas do desenrolar da história.
De tudo o que mais me fascina é como Mark Zuckerberg é um cara consistente.
A rede social Facebook nasceu como um serviço para estudantes universitários. Faz sentido: na época de faculdade, todos temos vidas sociais muito interessantes e agitadas. As pessoas gostam de se revelar através de uma lente carismática, social, e muitas vezes baladeira, esportiva, atraente.
As coisas que fazemos e publicamos no Facebook são interessantes para outros estudantes universitários. Mas tem sempre aquelas fotos mais comprometedoras que a gente não quer que vaze nas mãos da família ou de empregadores. Esse é um efeito de máscaras sociais que eu descrevi num artigo para a Revista de Saúde, Ética & Justiça, da USP, em 2003.
A galera toda que usava o Facebook na primeira fase estava sossegada, pois o cadastro era fechado apenas para quem tinha emails @harvard.edu ou outros domínios que indicavam que a pessoa era um estudante universitário. Então tudo o que rolava dentro das paredes do Facebook estava bem escondido dos olhos dos adultos caretas.
Quando o Facebook continuou seu crescimento para além do campus, sendo adotado dentro de empresas e também por gente mais velha, aconteceu um dos debates mais fundamentais a respeito da natureza do projeto Facebook: deveria ser algo fechado só para universitários das Ivy League ou poderia ser uma rede social ao alcance de todos? Isso afetaria a forma como os usuários projetariam suas personalidades e interação.
Neste momento é que Mark revelou sua crença fundamental que as pessoas devem ser sempre as mesmas, não importa onde. Agir diferente é sinal de hipocrisia.
Por exemplo, o escritor David Kirkpatrick relata que Mark sempre usava camiseta, calça jeans e sandálias, tanto para trabalhar no computador fazendo a programação como para ir a uma reunião com grandes investidores. Ele não é do tipo de pessoa que se preocupa em projetar diferentes imagens para diferentes grupos. Ele é consistente.
Houve muito bate boca por causa de elementos de arquitetura e política de uso do Facebook que deixou muita gente furiosa, como a introdução do News Feed, que transmitia passos detalhados do usuário para todos os seus contatos.
O que alguns diziam ser um problema de privacidade era, para Mark, uma possibilidade de melhorar o mundo.
Uma ferramenta como o Facebook, pensa Mark, é terrível para um jovem que tem namorada chifruda, ficando com outras garotas em festinhas onde ela não está presente. Com o Facebook e a ferramenta de tag, a chance de ser fotografado e identificado é grande demais.
Mark diz que parte da hipocrisia está relacionada ao fato de que a informação não circula de forma ótima, e permite que atos imorais sejam cometidos sem que a sociedade descubra.
As contas do servidor
Antes do Facebook, houve uma rede parecida que teve um grande sucesso, mas engasgou. Era o Friendster. Essa rede expandiu tão rápido que os servidores ficaram sobrecarregados. Os engenheiros não conseguiram suportar o crescimento e a empresa não tinha dinheiro para comprar mais servidores. Como resultado, os usuários ficaram de saco cheio de esperar as páginas carregarem e acabaram abandonando o serviço.
Mark sabia que esse era o principal obstáculo, que deveria ser superado custe o que custar. O servidor saudável era o coração do projeto. Isso trouxe uma série de imbróglios com muita gente, incluindo seu sócio brasileiro, Eduardo Saverin.
Acho interessante examinar a história do Facebook identificando quais aspectos da personalidade de seu criador foram transportados para a arquitetura do sistema. Existem centenas de outros aspectos semelhantes (principalmente sobre anúncios) sobre como a experiência do Facebook deve, na perspectiva de Zuckerberg, fornecer o maior valor possível ao usuário. Mark negou todas as propostas multimilionárias para colocar propaganda que não estava coerente com essa sua visão, mesmo quando precisava do dinheiro para pagar os servidores e manter a rede funcionando.
Nesse sentido, o Facebook é o propósito para Mark.
Se esse jovem fosse apenas um empresário corporativo querendo ganhar uma grana, tudo seria diferente. Assim que o sistema estivesse valorizado, ele colocaria o dinheiro no bolso e iria passear de iate no Caribe.
Por que, mesmo hoje, quando a empresa vale alguns bilhões de dólares, Mark continua trabalhando? Por que Bill Gates continuou trabalhando tanto tempo na Microsoft? (Bill Gates é um caso à parte, pois, além de ter se desligado da empresa, agora está doando seu dinheiro para empreendimentos sociais).
A verdade é que a pessoa que tem a mentalidade de riqueza possui esse propósito (que pode ser um ideal, ou a paixão por uma linha de produtos que melhoram a qualidade de vida dos consumidores), e é isso o que impulsiona a acordar todo dia e continuar trabalhando.
Quem tem a mentalidade de pobreza passa o dia inteiro pensando e procurando por jeitos de ganhar dinheiro rápido. E, caso descubra alguma, vai abandonar o processo no meio para gastar tudo. Essas pessoas nunca ultrapassam um certo limite que elas mesmas criam.
A história do Facebook não é a de um empresário que queria achar um jeito de ganhar dinheiro e para isso montou uma rede social. É o contrário!
Mark Zuckerberg é exemplo de alguém que achava divertido criar software de interação entre pessoas e, conforme o projeto cresceu, foi descobrindo novas dimensões de relevância social.
Existe um empreendedor desses dentro de cada um de nós. Que quer fazer as coisas certas, que deseja seguir nossas paixões verdadeiras. Mas que é oprimido por nós mesmos, pois nos contentamos em continuar num emprego que não tem nada a ver.
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