Sex Education é uma série de 8 episódios que acompanha a história de Otis (Asa Butterlfield), um jovem que depois de anos observando a mãe trabalhar com terapia sexual, começa a ajudar os colegas vendendo conselhos e orientações sobre sexo.

O desenvolvimento da trama é leve e divertido. Além dos dramas pessoais dos personagens – que são todos ótimos, complexos e bons pra se identificar – a série fala sobre uma enxurrada de temas que dizem respeito à vida sexual de todos mundo.

De uma maneira muito natural e humanizada, a série fala de disfunções muito pontuais (como fingir o gozo, sentir ânsia no oral e vaginismo) até temas mais amplos como dificuldade de achar um parceiro no sexo, insegurança ao assumir-se gay, etc.

Talvez você fique menos interessado a partir de agora, já que eu vou te contar que Otis, o jovem que copia os tratamentos aplicados pela mãe, é um estudante de 16 anos e que a trama se passa em torno de um colégio. Se ajudar, eu garanto que não é uma historinha de adolescentes americanos estereotipados, até porque a série é inglesa.

Na verdade, faz muito sentido que a série aconteça no colegial, já que a vida sexual dos jovens começa em média dos 14 aos 17 anos, e que muitas das nossas inseguranças e dúvidas sexuais também se manifestam por essa época.

Não poderíamos deixar de falar da série que mais se parece com esta coluna e, por isso, organizamos uma lista de 14 lições que realmente podemos aprender com Sex Education, ressaltando também algumas coisas que a série não ensina.

(Sim, este texto contém spoilers, mas a intenção não é contar o que acontece nas histórias dos personagens. Vamos apenas falar sobre como e quais questões que atormentam a vida sexual das pessoas aparecem na série.)

1. Homens também fingem

A série aborda o tema tanto no sexo a dois, quanto na masturbação (sim, até na masturbação) e nos mostra que fingir é uma forma de evitar lidar com o incômodo de não gozar e de ter que explicar sobre isso. Seguir a regra.

A dificuldade de gozar, seguida da necessidade de fingir o gozo, também é fruto da pressão social por corresponder a expectativas de sexo "normal". Inclusive, para quem se interessar, já falamos sobre isso neste texto aqui:

“Finge-se para evitar explicações, mas por que tem que explicar, afinal? É no roteiro padrão que nasce o problema, no roteiro em que gozar é o fim do sexo: a finalidade dele e o aviso de final.”

2. Sexo oral pode não ser sua praia

Uma das personagens sofre porque não consegue praticar sexo oral em nenhum parceiro. Ela inclusive já chegou a vomitar durante o ato. Algumas pessoas se sentem mais ou menos ansiadas quando o pênis encosta próximo a garganta, mas a parte de dicas sobre como “evitar gafes no sexo oral”, a mensagem importante da série é que nem todo mundo precisa gostar ou praticar sexo oral.

Sexo oral pode não ser a sua praia e, se não for, há infinitas outras formas de florear o sexo que não precisam passar pela sua garganta. Assim como pode ser que o problema não seja o oral em si, mas a profundidade que se tenta atingir.

3. Se masturbar pode ser extremamente difícil

Não é spoiler se acontece nos primeiros 5 minutos, não é? Otis, o filho da terapeuta, mesmo conhecendo muito sobre o funcionamento do corpo e sobre as funções reprodutivas, não se sente à vontade pra se tocar e se masturbar. E não haveria nada de errado com isso, não fosse a pressão que o garoto sente por corresponder àquilo que é considerado ‘normal na sua idade’.

A dificuldade de se masturbar também aparece para uma personagem feminina. A garota, que já tem vida sexual há um bom tempo, começa a sentir falta de algo no sexo, mas, quando recebe o conselho de se marturbar, se sente super desconfortável com a ideia.

4. Insistência não é amor

A série questiona os “grandes gestos” românticos em diversos momentos da trama.

Vemos que fazer declarações públicas de amor pode ser um ato egocêntrico que “encurrala “ a pessoa amada em meio aos olhares alheios, fazendo com que esta pessoa se sinta inibida de dar qualquer resposta negativa. Além disso, a insistência nesse tipo de atitude, depois de mais de uma negativa, se torna uma perseguição nada saudável.

5. Nem todo mundo vai transar quando todo mundo estiver transando

Em qualquer idade da vida, seja hétero, bi ou trans, rico ou pobre, sempre tem uma fase em que a pessoa quer transar, mas não consegue. Quando a solução é sair à caça, atirar para todos os lados, os resultados podem ser decepcionantes e o processo, desgastante.

Passar por estes momentos “seca” faz parte da vida. Permitir-se aproveitar esta fase, mesmo que isso inclua um pouco de solidão, pode ser muito construtivo. Não tem nada de errado em estar ficar um pouco sozinho e precisamos aprender que relações sexuais e amorosas não são um requisito obrigatório para viver bem. Além disso, essa postura evita que entremos em relações levados pela pressa ou pelo medo de ficar sozinho.

6. Transar no escuro não acaba com as inseguranças

Um dos casais só transava quando todas as luzes estivessem apagadas. Isso não era um problema no sexo, mas isso era reflexo de outra questão: a insegurança em relação ao corpo. Quando estamos diante de inseguranças que nem sabemos identificar, tentamos achar pequenas coisas que amenizem o incômodo (assim como fingir o gozo).

No entanto, tem horas que é preciso olhar de frente para nossos desconfortos, fazer um esforço para entender o significado daquele sentimento, buscando à que ele se relaciona.

7. Se esconder dói e faz doer

Mais de um personagem na série está dentro do armário de alguma maneira – escondendo a orientação sexual, uma paixão, ou se contendo no jeito de se vestir e de agir para se sentir mais bem aceito.

Viver sentindo-se inadequado na própria pele é uma dor cotidiana e atrapalha todas as nossa relações: as familiares, as de amizades, e principalmente nosso amor próprio. Além de tudo, a tensão de estar constantemente engolindo coisas importantes nos leva a pequenas explosões que, ao invés de comunicar nossos sentimentos, acabam ferindo outras pessoas a nossa volta.

8. Seguir o roteiro do pornô atrapalha o prazer

Não é só sobre tentar imitar a performance dos filmes pornôs. Como já citamos nos tópicos acima, boa parte das nossas inseguranças (seja sobre sexo ou sobre outro tema, como o trabalho) estão relacionadas a tentar ser um pouco mais parecidos com aquilo que nos parece mais adequado, mesmo que isso esteja em desacordo com a nossa personalidade.

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Há situações em que se observar outras pessoas pode ser positivo, ajudando alguém a se tornar mais organizado ou atencioso, por exemplo. No entanto, a tentativa de corresponder a expectativas irreais, sem dar ouvidos para o próprio corpo e para as próprias necessidades, atrapalha todo o sexo, dificultando a conexão entre duas pessoas únicas, o que interfere também no gozo e no orgasmo, como já falamos.

9. Abortos acontecem

Alerta de Spoiler. Num sexo ocasional, sem muita comunicação, aconteceu o “acidente”. Aconteceu e a personagem da série opta por abortar.

Gravidez indesejada e aborto são comuns na vida real (estima-se que cerca de 1 a cada 10 mulheres já realizou algum tipo de procedimento para interromper a gravidez). Estas mulheres são pessoas próximas a nós – irmã, namorada, amiga – e, quando uma mulher próxima a você se encontra diante dessa situação, independente da opinião ou da crença de cada um sobre o tema, demonstrar apoio, carinho e compreensão é fundamental para ajudar esta pessoa querida a enfrentar esse momento.

Por mais que tenha sido uma opção, com certeza não foi uma decisão fácil de se tomar.

10. Vaginismo não depende da vontade da garota

Vaginismo é uma disfunção em que os músculos da vagina se contraem violentamente e qualquer tentativa de penetração causa dor intensa. No senso comum, acredita-se que esse tipo de dificuldade no sexo é sinônimo de nervosismo, ou de falta de tesão e lubrificação. Sex Education mostra que não é bem assim.

A garota que vive sonhando com o dia em que irá perder a virgindade, encontra um parceiro que tem tudo a ver com ela, se vê no cenário ideal e, mesmo estando pronta para realizar seu sonho, sente dores horríveis sem entender porquê.

11. É importante sentir-se aceito na sua fé

Sentir que não há lugar para você dentro da sua própria fé é uma das grandes dores de pessoas que foram criadas em alguma religião. Gays, lésbicas, trans, bissexuais, e até mesmo homens e mulheres heterossexuais que não corresponderam às normas monogâmicas ou celibatárias costumam se afastar da sua fé quando ela se torna incompatível com a vida.

Sex Education nos mostra como faz diferença, para aqueles que cresceram com uma religião, sentir-se aceitos e confortáveis dentro de sua comunidade. Nos momentos dificeis da vida de uma pessoa, faz toda a diferença saber que o templo é um espaço seguro, onde é se pode buscar força.

12. Relacionar-se requer disponibilidade

Entrar em um relacionamento não é só questão de encontrar alguém compatível e, então, celebrar a união e o compromisso. Relacionar-se também exige coragem e disponibilidade emocional. Significa deixar-se vulnerável, assumir riscos de quebrar a cara e preocupar-se com mais outra pessoa.

Nem sempre estaremos prontos para entrar em relações, por mais que aquele cara ou moça que conhecemos recentemente seja incrível. Se me permitem ser um tanto clichê, queria citar Bauman. “A solidão produz insegurança, mas o relacionamento não parece fazer outra coisa”. Portanto, tem horas que é preciso estar sozinho, pensar mais em si, e enfrentar nossos monstros numa batalha solo.

13. Revenge porn não se deseja nem para a pior inimiga

Nem para a pior inimiga. Esse é um ponto crucial da trama. Não interessam as justificativas, por mais que elas existam aos montes. Violar a privacidade de outra pessoas espalhando nudes, não só causa danos horríveis a esta, como não alivia a frustração inicial da qual se quer “vingança”.

Sex Education também nos ensina que, quando uma situação desta se torna pública em um ambiente de convívio – seja na escola, na empresa ou na ceia de natal da família – para minimizar o dano, é mais eficiente conversar sobre questões de privacidade, moralidade e tabu, que abafar o caso.

14. A vida sexual também depende do emocional

O protagonista entendido da sexualidade, se vê sem soluções diante de um caso e entende que é preciso olhar para a vida emocional das suas clientes, já que nem sempre são motivos físicos que estão atrapalhando o sexo.

Poucas coisas relativas à nossa vida sexual dependem só do nosso corpo. A grande maioria delas envolvem um conjunto complexo de emoções e sensações que às vezes a gente nem imagina.

O que a série não ensina:

Eu adorei a série, mas acho extremamente importante não deixar passar duas coisas importantíssimas que a série não ensina, e que fazem muita falta.

1. Que as coisas não são tão fáceis  e 2. Que as coisa levam tempo

Estes são os dois principais pecados da série. O garoto, conhecendo parte do trabalho da sua mãe, aos 16 anos, já é um expert capaz de aconselhar todos os colegas da escola. As consultas duram 15 minutos e, neste tempo, ele consegue entender o problema do colega e sugerir uma solução prática e precisa.

Vivemos na era do imediatismo. Tudo no mundo é tão veloz que nos sentimos constantemente atrasados, como se falhássemos em acompanhar o passo das evoluções. Corremos mais do que nunca e parece que estamos cada dia mais longe de corresponder às nossas próprias expectativas. A ansiedade nos paralisa e a depressão é a principal doença incapacitante do séc XXI.

Nesse contexto, a lição mais importante para viver o sexo (e qualquer outro aspecto da vida) de maneira mais saudável é trabalhar nossa necessidade de imediatismo. É importante parar e perceber que nossa cabeça, nosso corpo e nossos sentimentos têm seus próprios tempos e que é preciso respeitá-los. Dificuldade de ejacular, vergonha de se masturbar, vaginismo, nada disso se resolve com uma indicação prática obtida depois de 15 minutos de conversa com um estranho.

A maioria das dificuldades que enfrentamos no sexo são multicausais – não acontecem por um motivo específico e sim por uma soma de razões que vão se acumulando ao longo dos anos. Dentro da terapia, pode-se demorar meses para identificar a raiz de um problema ou para que seja possível dar um diagnóstico.

Mesmo quando há um profissional para nos ajudar a trabalhar aquela questão, ele não vai simplesmente entregar um receita mágica. Se somos indivíduos únicos e se cada problema aparece de um jeito, por um conjunto de razões particulares para cada pessoa, cabe a cada um de nós batalhar na linha de frente dos nossos próprios problemas.

Terceirizar a solução, funciona no máximo como medida paliativa. Precisamos de profissionais que nos guiem, mas só com a nossa própria cooperação e disposição, a custo de muito esforço e tempo, conseguiremos  alcançar a raiz da dificuldade e curá-la direto na fonte.

Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro <a href="https://www.amazon.com.br/Amulherar-se-repert%C3%B3rio-constru%C3%A7%C3%A3o-sexualidade-feminina-ebook/dp/B07GBSNST1">Amulherar-se" </a>. Atualmente também sou mestranda da ECA USP