Vivemos no que o filósofo Byung-chul Han chamou de Sociedade do Cansaço. Ser produtivo é mais que uma característica, se torna um valor do mundo corrido em que vivemos. Para sobreviver em meio à competitividade e ainda encontrar a felicidade, buscamos constantemente estratégias de aprimoramento.
Nesse contexto surgem várias promessas milagrosas de como ser mais produtivo. Passamos por aquela que dizia que reduzir seu número de escolhas cotidianas aumentava sua capacidade de decisão no trabalho, estão lembrados? E há também aquela de tomar microdoses de LCD.
Agora ouvimos falar numa nova moda: o Jejum de dopamina.
Segundo essa nova onda, fazer Jejum de Dopamina é uma estratégia para acabar a necessidade de buscar pequenos prazeres ao longo do dia e aumentar sua produtividade e capacidade de resolução de problemas.
A dopamina é um neurotransmissor do nosso cérebro envolvido nas sensações de prazer e, segundo alguns dos multiplicadores dessa linha de pensamento, nós estamos hiperestimulados, ou seja, recebendo muita dopamina e, desta forma, ela deixa de produzir a sensação de satisfação.
O jejum então seria uma forma de "desfazer essa tolerância" à dopamina entre outras coisas como:
1) Reduzir os estímulos externos e a busca de pequenos prazeres que nos distraem
2) Usar a abstinência de dopamina para motivar a finalização de uma tarefa
3) Fazer com que a pessoa experimente uma sensação de maior satisfação ao entrar em contato com a dopamina depois da abstinência
Na prática como isso funciona?
O jejum de dopamina foi virando um telefone sem fio e há diversas indicações de como fazer. No geral, vídeos no YouTube e matérias na internet explicam a receita: passar um dia se abstendo de qualquer atividade que possa te trazer prazer instantâneo, como sexo, cigarros, bebidas, comida, atividade física, televisão, música, uso de celular, conversa com amigos e por ai vai.
Segundo dezenas de replicadores dessa moda, você poderia apenas beber água, meditar e manter um caderno de anotações.
De onde veio essa ideia?
Se você nunca ouviu falar disso, fique tranquilo, essa ideia ainda não é muito popular no Brasil! A proposta se popularizou e foi sendo passada a diante entre os trabalhadores do polo tecnológico do vale do Silício.
Acontece que, na ponta do telefone sem fio, quem inventou o termo foi o Dr. Cameron Sepah, que além de médico é um investidor em empresas de tecnologias.
Depois da repercussão ele alega que a sua proposta foi distorcida. Que o Jejum de dopamina não se refere nem mesmo a reduzir a dopamina no corpo, e sim a um exercício para de controlar vícios.
Mesmo com o Dr. Cameron esclarecendo os mal entendidos causado pelo nome (um tanto mal pensado) que ele colocou, nós ficamos interessados em discutir o assunto para pensar sobre como estamos buscando receitas para produzir cada vez mais, a qualquer custo.
Para entender a relação da dopamina com o comportamento, produtividade e felicidade, conversamos com o médico e parceiro do PdH, Antônio Modesto e com o biomédico e pesquisador em neurociência comportamental pela Unifesp, Leonardo Brito.
A dopamina atrapalha a produtividade?
O professor e pesquisador Leonardo Britto esclareceu que a dopamina é um neurotransmissor associado a diversos processos do sistema nervoso, como a cognição a coordenação motora, e não está apenas relacionada com sensações de prazer.
“A cognição está extremamente relacionada a produtividade: evocar lembranças também envolve dopamina, a motricidade também envolve dopamina.”
O biomédico esclarece que não é possível controlar a dopamina, porque ela é produzida até durante o sono e Antônio explica:
"Uma economia de dopamina, onde aquela que 'sobrou' do prazer abandonado é 'usada' em atividade profissional não faz sentido do ponto de vista fisiológico. O organismo regula a dopamina de inúmeras formas para que ela nem falte, nem sobre.
Além disso, outros neurotransmissores também participam da produção de sensação de prazer. Ainda segundo o biomédico a ideia de eliminar estímulos tampouco teria efeito sobre o nível de dopamina no corpo a curto prazo:
“A verdade é que a gente não consegue controlar as flutuações de neurotransmissores. Durante o sono a gente tem produção de dopamina, em algumas atividades cognitivas a gente tem produção de dopamina.”
Excesso de controle
Para o médico Antônio Modesto, essa, assim como outras fórmulas para aumentar a produtividade, estão relacionadas a uma tendência cultural do séc XXI de “controlar” ou “domar o corpo humano” através de fórmulas e de medicamentos.
“A medicina tem convencido as pessoas de que elas podem fazer isso. As drogas de performance, são um exemplo. A medicina está convencendo as pessoas que tem remédios para ela resolver qualquer problema. Hoje uma criança tímida, que há uns anos atrás a gente recomendaria colocar numa aula de dança, de teatro, para aprender a se expressar… Hoje ela é candidata a ser medicada por depressão.”
Os dois especialistas explicam que a dopamina é um elemento funcional ao corpo e que os indivíduos não tem que se preocupar com a controle deste.
Então é tudo balela?
"Se abster de certos comportamentos, para controlar a produção de um neurotransmissor – a dopamina – e achar que isso gera maior produtividade ou satisfação’, é balela.
Mas a ideia defendida por Cameron, de se abster de excesso de estímulos e de vícios para melhorar a concentração (apesar de não ser novidade) pode sim ter efeitos positivos.
Antônio explica “Evitar certos hábitos danosos em nome de uma vida melhor é coisa que se fala há milênios, na medicina chinesa, ayurvédica, por exemplo. Se você deixa de fumar tabaco, você respira melhor, tem mais disposição e, frequentemente, uma melhor forma física."
E Leonardo completa: “A gente sabe que hábitos mais saudáveis melhoram a produtividade, ao passo que coisas que podem dispersar a nossa atenção podem prejudicar a produtividade.”
Eliminar os prazeres melhora a qualidade de vida e a produtividade?
Okay, sabemos que controlar a dopamina não funciona. Mas controlar os estímulos de prazer como: sexo, bebidas e distrações seria uma forma efetiva de melhorar a produtividade e a sensação de satisfação depois do dever cumprido?
O pesquisador de neurociência comportamental explica que momentos de prazer favorecem não só a sensação de bem-estar como o sentimento de motivação, que está diretamente relacionado à produtividade e à capacidade de resolver problemas.
“Se eu gosto de futebol e assisto meu futebol na quarta a noite e isso me faz bem, no dia seguinte eu vou trabalhar motivado, animado. De maneira nenhuma faz sentido que se eu me privar de ver o futebol para trabalhar melhor no outro dia."
O que pode atrapalhar é se essa partida de futebol te privar de horas de sono, ou te causar outro desgaste. Sendo algo apenas relaxante, isso não vai gerar prejuízos.
Neste outro texto falamos sobre os efeitos da busca incessante por produtividade.
E quanto as distrações que realmente atrapalham?
Sabemos que este tipo de teoria surge de uma característica e de uma necessidade muito presente no nosso cotidiano: a quantidade de estímulos a que somos expostos e dificuldade de concentração.
No vídeo abaixo, o Tim Urbam explica a lógica da procrastinação.
E, em resumo, é o seguinte: em função de evitar ou de prorrogar uma tarefa que não nos traz uma sensação de prazer ou que vai demorar a nos trazer essas sensação, buscamos gratificações instantâneas: olhar uma mensagem, fazer uma tarefa rápida mas não necessária, assistir a um vídeo, checar a timeline…
Algum nível de procrastinação é normal e não necessariamente é algo que precisa ser combatido.
Acontece que, nos dias de hoje, tem muita coisa concorrendo pela nossa atenção: mensagens, músicas, twitter, notificações de promoção, memes, notícias, obrigações… Há uma sensação de urgência, de ter de prestar atenção em tudo, de ficar alternando de telas e atividades freneticamente sem parar para digerir o conteúdo consumido.
Este cenário favorece não só a falta de concentração, como a ansiedade, atrapalhando tanto sua produtividade, quanto a sensação de bem-estar.
Repensar as suas pequenas de gratificações instantâneas e eliminar estímulos que te distraiam, automatismos, ruídos e excessos é um exercício muito potente para conseguir então priorizar o que realmente é importante para você.
Aqui falamos sobre uma pequena estratégia para diminuir a distração do celular:
A busca milenar pelo equilíbrio
Tudo no corpo funciona bem quando está em equilíbrio. A dopamina é um exemplo disso e as sensações de prazer também.
"A gente tem estruturas importantes do corpo que trabalham para que a gente tenha sensações de prazer, motivação. Se a gente não tem esses momentos de prazer a gente vai ter um desequilíbrio.
A depressão por exemplo está muito relacionada a experiências negativas na vida do indivíduo que, sem estímulos prazerosos, vai levando este indivíduo a uma menor estimulação do sistema límbico, principalmente do hipocampo (o que prejudica nossas respostas emocionais e de memória).
A origem da depressão e de ansiedades vem de experiências negativas. Se você pensar nessas pessoas que vivem em função do trabalho, se isolando, a longo prazo vai passar a faltar dopamina e serotonina.
Dopamina demais vai ser prejudicial? Vai. Mas quando a dopamina é encontrada no corpo em quantidade exagerada? Com o uso de drogas.
A busca por prazer tem que ser equilibrada. Não dá para buscar prazer em todas as atividades que se faz. Mas eu acredito que se privar de prazer é extremamente prejudicial, e isso pode afetar negativamente sua produtividade.
Então você tem que ter o equilíbrio. Você pode pensar: Eu não estou me privando de prazer, eu estou me privando do caos da vida”.
Sobre este jejum em específico e sobre outras estratégias de aumentar a produtividade Antônio faz uma importante reflexão.
"Parece uma combinação de medicalização social, disciplina dos corpos e aumento da exploração do trabalhador. Já não interessa só o que você faz durante sua jornada, mas sim quantas vezes você transa e quantas vezes sai com seus amigos – esquecendo que esses mesmos hábitos são importantes para a saúde mental e, consequentemente, para a própria produtividade."
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.