Nota de Gustavo Gitti: como as inscrições para o programa Intento acabam domingo agora, fiz o convite para que uma das organizadoras contasse um pouco sobre como estão tentando transformar a realidade brasileira pela formação de líderes mais humanos, éticos, conscientes.

Algumas pessoas têm aquele “click” certeiro na vida. Aquele momento de “A-há! É isso que eu quero fazer da vida!”. Não foi o meu caso. Tive pequenos “clicks”, proporcionados principalmente por meus pais e pela escola, que era focada na formação de cidadãos, não na preparação para o vestibular. Enquanto meus amigos decoravam as capitais dos países, eu visitava um assentamento do MST para entender sua realidade. Na sexta série, a apostila do estudo do meio trazia em sua capa “Como conciliar desenvolvimento e preservação?”. Dei sorte.

Com base nisso e em outras experiências, desenvolvi a crença de que eu deveria honrar as oportunidades que eu tinha tido na minha vida – claramente exceções perante a realidade brasileira. Passei a acreditar que a melhor forma de honrá-las seria dedicando meus talentos para impactar positivamente meu entorno, transformando a realidade brasileira em algo melhor para todos.

Tirinha dos malvados, por André Dahmer
Tirinha dos malvados, pelo genial André Dahmer

Esse ímpeto guiou grande parte das minhas decisões: fiz trabalho voluntário, cursei faculdade de administração pública, fiz parte de uma empresa júnior focada em consultoria para o primeiro e terceiro setores, estagiei em uma empresa de economia mista, comecei dupla graduação com direito, fiz estágio de férias dedicado à responsabilidade social empresarial, participei de pesquisas focadas na gestão do setor público… Mas ainda faltava algo para que eu me encontrasse de fato.

Eu sabia que o que eu desejava fazer teria esses dois elementos: um “o quê” ligado à gestão e um “para quê” ligado a impacto positivo na sociedade. No entanto, isso ainda representava um mundo de possibilidades.

Um encontro improvável

Foi neste contexto que tive uma experiência que me marcou muito, a qual venho compartilhar aqui. Lembram do algo que eu falei que estava sentindo falta? Ao fim desta experiência, ele deixou de existir. A minha inquietação em poder fazer algo que, de fato, tivesse o potencial de transformar o meu país pôde ser canalizada. E foi o encontro desse meio de concretizar um grande sonho que permitiu que conhecesse dois queridos companheiros desta jornada.

Certamente, um encontro improvável. O que uma moça de 24 anos, administradora, tem a ver com uma mulher de 60 anos, psicóloga, e com um cara de 29 anos, formado em comunicação? O que um ex-trainee de empresa privada tem a ver com uma pessoa do mundo de terapias corporais e com uma apaixonada por negócios sociais? Tínhamos exatamente o que precisávamos ter em comum: valores e sonho. O resto virou apenas diversidade para garantir a riqueza e profundidade do processo.

Marcelo Campanér, George Koukis, Patrícia Aguirre e eu
Marcelo Campanér, George Koukis, Patrícia Aguirre e eu

George Koukis e aprendizados no programa A Dream for The World

Nos conhecemos em um curso na Itália, na primeira edição do programa A Dream for the World, em agosto de 2011, com 35 pessoas de 8 países juntas por dois meses. Sem clareza alguma sobre meu direcionamento futuro, entrei no site do curso e a proposta fez brilhar os meus olhos: reestabelecer a integridade e a ética como características centrais de um líder. Havia apenas uma página de descrição na internet quando me inscrevi, mas, quanti li, senti que era exatamente o que precisava para aquele momento. Fiz as malas de novo, mesmo sem saber muito o que esperar dos próximos três meses.

Foi um momento de profundo autoconhecimento. Tivemos atividades corporais com ferramentas de teatro, aprendemos técnicas de respiração, resolvemos cases de economia, conversamos sobre dilemas éticos e valores, interagimos com empresários europeus, entre outras atividades. De tudo aquilo, acredito que o meu maior aprendizado foi a prática da auto observação. Aprendi a, a cada instante, perceber e refletir acerca de o que estava sentindo, a partir de qual modelo mental estava pensando, os valores que estavam por trás da minha ação, qual o impacto que eu estava tendo e que eu gostaria de ter sobre as pessoas e o ambiente ao meu redor.

Hoje acredito que trazer a consciência para cada ação é o primeiro passo para a mudança e que a auto observação é ferramenta essencial de um líder. Grande parte do mérito desde aprendizado é dos participantes do programa — em especial, os amigos brasileiros que estavam ali para escutar desabafos e me provocar a me desafiar.

Outro grande aprendizado foi acerca de valores. Este é mérito de uma pessoa em especial. Conheci George Koukis, o patrocinador deste programa e até então desconhecido para mim. Logo na primeira vez que o vi, fiquei muito impressionada com a história de vida extraordinária e com a fala sobre valores e integridade. O tema sempre me interessou, mas não tinha conhecido alguém com uma coerência tão grande entre ação e discurso – alguém que de fato personificasse as teorias que havia lido. Sempre tive dificuldade em encontrar “ídolos” ou pessoas para me espelhar, mas posso dizer que depois da convivência nestes anos, minha primeira impressão se confirmou ainda mais.

Link YouTube | George Koukis entrevistado por Guilherme Valadares, fundador do PapodeHomem (ative as legendas em português clicando no pequeno quadrado no canto inferior direito)

George é um selfmade man: teve uma infância extremamente simples na Grécia, com pais analfabetos, conseguiu imigrar para a Austrália e construir uma carreira sólida por lá. Quando teve a primeira filha, perdeu tudo o que tinha na quebra da bolsa de Sidney. Com muito trabalho, ele conseguiu refazer o patrimônio e comprou uma pequena empresa suíça de software para bancos, chamada Temenos, e a transformou na maior do mundo em seu segmento, valendo bilhões na bolsa. Ainda assim, o mais incrível sobre isso não são os fatos em sequência. É ouvir as crenças, os valores, as formas de pensar que permitiram com que fizesse cada uma destas escolhas. Seus questionamentos, sua motivação por um propósito maior que beneficiasse o mundo, e a profundidade sobre qual filosofia gostaria de aplicar por trás de suas ações trouxeram um diferencial claro de qualquer outra história de empresário bem sucedido.

O programa Intento DWF: o Brasil precisa de líderes mais íntegros

Foi inspirada por esta filosofia que, junto com meus amigos brasileiros do programa, Marcelo Campaner e Patricia Aguirre, decidimos trazer esta experiência para o Brasil, mas com propostas de abordagens e metodologias diferentes do que havíamos vivido.

Nosso ímpeto de ação veio de uma mistura de insatisfações e incômodos com a realidade atual brasileira; experiências que tínhamos tido e queríamos oferecer a outras pessoas; oportunidades que não tínhamos tido, mas que gostaríamos que outros tivessem; e um alinhamento de crenças acerca de como tudo isso poderia ser canalizado. Estávamos motivados em servir esse propósito com os maiores aprendizados que tínhamos tido no tema e com uma equipe de facilitadores de peso.

O alinhamento se deu em torno da criação de uma plataforma com o intuito de mudar a realidade brasileira por meio do desenvolvimento de uma nova liderança, por meio de líderes íntegros.

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Desejávamos disseminar e inspirar mais pessoas com a filosofia do George. Também, tínhamos o intuito de estabelecer um espaço de reflexão em que as pessoas pudessem rever crenças, valores e os modelos mentais que estavam seguindo, estabelecendo uma conexão maior consigo mesmas e, a partir do autoconhecimento, pudessem pensar, sentir, expressar e agir de forma alinhada. Muita gente se “perdida” porque não parou para se conectar com o seu propósito ou ainda não teve coragem de investir de verdade no seu sonho. Muita gente não tem uma visão ampla sobre a sociedade, compreendendo sua complexidade e interdependência, e os paradigmas que desejassem mudar e aqueles que desejassem reforçar. Este é o desafio que nos propomos, e criar este ambiente não é fácil.

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Assim nasceu o Intento DFW, contando com o importante apoio do George Koukis. Começamos as atividades no Brasil com o lançamento do livro do George (Um sonho para o mundo: integridade em ação), com palestras em grandes universidades e instituições, formação de uma rede de apoio e, juntamente com uma equipe de facilitadores, pessoas incríveis de várias áreas do conhecimento que dividem a mesma filosofia, passamos boa parte do ano passado desenhando o Programa Intento.

Muitas pessoas dizem que é melhor tirar logo o projeto do papel, arriscar errar e consertar depois, do que ficar eternamente postergando, planejando e aperfeiçoando. Eu concordo plenamente. No nosso caso, o programa saiu do papel depois de um ano e meio que havíamos voltado ao Brasil. Cada passo conquistado era motivo de um sorriso no rosto: alguém que admirávamos que decidia apoiar a iniciativa, o lançamento da primeira edição que contou com quase 400 inscritos interessados de diversas cidades do Brasil, a fila de espera de 200 pessoas que se formou antes de lançarmos a edição de 2014 (um parênteses: poder ser um canal para a transformação, facilitar o desenvolvimento de pessoas, ver sonhos se realizando, são prazeres difíceis de se explicar, mas muito bons de serem sentidos).

Então, em 2013, foram selecionados trinta e dois jovens para a imersão ao longo de dezesseis em um hotel fazenda em Ibiúna. Lá vivemos uma experiência inesquecível junto com um time muito bom de coaches, empreendedores e facilitadores. Para citar algumas palestras especiais que tivemos, José Pacheco contou sua história de vida, Fábio Barbosa teve uma fala incrível sobre valores, Luiz Felipe D’Avila compartilhou os desafios na formação de políticos, Marcella Monteiro de Barros falou de suas utopias e como consegue mobilizar as pessoas em torno de causas, André Gravatá contou o seu giro pelas escolas inovadoras do mundo e, claro, George Koukis inspirou muito falando sobre o que acredita que é preciso para mudar o mundo.

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O Programa Intento é uma experiência de imersão transformadora que prepara pessoas para liderarem de forma íntegra e consciente, alinhadas com seu sonho. Fazem parte da imersão atividades que visam a exploração de valores, crenças, sonhos e talentos; identificação de obstáculos que impedem a ação; painéis sobre economia, política, educação, e ética e filosofia; troca com líderes inspiradores que compartilham seus desafios e dilemas éticos do cotidiano; aplicação das ideias em projetos concretos; e coaching individual.

Assim, oferecemos um ambiente para que o participante possa se desenvolver e se explorar, de modo a que se sinta mais preparado para lidar com as complexas tomadas de decisão que fazem parte da vida de um grande líder.

Além disso, desejamos criar uma rede de apoio forte e unida, de forma a aumentar o potencial de seus integrantes. “Integridade” não se trata de uma linha de chegada, se trata da forma em que se chega lá. A cada decisão que tomamos, podemos estar sendo íntegros ou não. O Programa é aquela semente que é plantada, mas que apenas florescerá com o tempo. Dessa forma, poder contar com uma rede de suporte para lidar com os obstáculos no caminho se faz essencial.

Hoje o Intento DFW não ocupa todo o meu tempo de trabalho. Sou gestora de uma aceleradora de negócios sociais, chamada Instituto Quintessa, onde realizo meu propósito de uma forma sutilmente diferente. Pensando no Intento, tenho certeza que ele tem muito a crescer e merece muita dedicação.

Quantas pessoas estão acomodadas em algum escritório fazendo o que não gostam, apenas movidas por dinheiro? Como cada uma destas pessoas pode explorar e exercer com integridade seus verdadeiros talentos? Como seria nossa realidade caso cada um pudesse de fato explorar ao máximo seus potenciais? Quantos líderes inspiradores temos em nosso país, que sejam exemplo de honestidade e integridade? Queremos manter este sistema de valores que estimula ações regidas por pensamento a curto prazo, pelo sucesso a qualquer custo, com o objetivo apenas de acumular riquezas e ter sucesso?

Intervenção no meio da cidade (imagine se nossos políticos e empresários fossem treinados na arte da escuta?)
Intervenção que aconteceu durante nossa primeira imersão (imagine se nossos políticos e empresários fossem treinados na arte da escuta?)

Essa filosofia deve ser disseminada entre os mais jovens, entre os adolescentes, no período de formação de personalidade, entre os jovens, no momento de direcionar suas carreiras, entre os adultos, que estão à frente de organizações sem muitas vezes aproveitar todo o potencial de seus talentos.

Sinto que, apesar de ser apenas um começo, estamos no caminho certo e me motivo por ver os resultados da experiência do ano passado. Alguns dos participantes estão empreendendo projetos incríveis para o Brasil e ouvi-los dedicar suas conquistas à experiência que tiveram no Programa Intento de 2013 é algo que realmente aquece o coração.

O Intento existe para dar suporte no “como” agir e ajudar a reforçar a conexão com o “para quê” agir. Existe para ajudar no questionamento, na prática da reflexão. Por mais que possamos ser inspirados pelo externo, a melhor decisão sempre será aquela que vem de dentro e está alinhada com nossos valores, crenças e sonhos. Para isso, é preciso aprender a se fazer perguntas o tempo todo. É da profundidade que surge a qualidade – e a posterior satisfação com as decisões tomadas.

Quanto ao “o quê”, o Intento existe para dar suporte aos mais variados intuitos: aqueles que desejam entrar na política e serem prefeitos, aos que desejam ser presidentes de bancos e geri-los com base na ética, aos que desejam empreender um negócio social, entre muitos outros exemplos.

Nossa realidade é profundamente marcada pela desigualdade social, concentração de renda, destruição ambiental e falta de acesso a serviços e bens básicos por grande parte da população. Não precisamos de mais pessoas que pensem apenas em ganhar dinheiro para, talvez, depois de uma crise, buscarem um significado para sua vida e um destino para aqueles recursos. Precisamos de mais pessoas que tragam soluções para questões complexas, seja do seu bairro, cidade, país, continente, mundo. Precisamos de pessoas dispostas a “servir” algo maior que seu benefício próprio. Precisamos de utópicos pragmáticos, realizadores de sonhos, filósofos de ação. Precisamos de pessoas ousadas em sonhar grande e comprometidas em fazer com que esse sonho aconteça.

Participantes do Intento 2013
Participantes do Intento 2013

Quer participar do próximo Intento?

Em 2014, o Programa Intento acontecerá de 11 a 19 de outubro, sendo uma imersão contínua em um local próximo à cidade de São Paulo. Além disso, haverá três finais de semana de acompanhamento ao longo dos seis meses após a imersão, somando quinze dias de programa.

Convido aqueles que sejam questionadores e determinados, com potencial para promover transformações relevantes na sociedade; aqueles que sonhem com um mundo diferente e se sintam compelidas a protagonizar essas mudanças desde agora; aqueles que estejam dispostos a colocar seus talentos a serviço de um benefício coletivo para participarem do Programa Intento.

As inscrições para a edição de 2014 vão até este domingo, dia 20 de julho. Para participar, comece por aqui.

Mais informações sobre a atuação do Intento DFW podem também ser encontradas no site www.intento.me. Será um prazer contar com mais pessoas para transformarmos nosso país a partir de lideranças íntegras e conscientes, que inspirem as novas e antigas gerações a aflorarem o melhor de si.

A gente segue o papo nos comentários aqui.

* Escrito a convite de Gustavo Gitti, com colaboração de Marcelo Campanér

Anna de Souza Aranha

Gestora do Instituto Quintessa, dedica-se à aceleração e desenvolvimento de negócios sociais. É cofundadora da <a>Intento DFW</a>