"Venho namorando há um tempo e estou gostando muito! Sabe, ela que veio e me conquistou… Acho que você entende! Só tem um problema: sou bem idiota algumas vezes.

Exemplo: estamos conversando de boa, e do nada, puxo um assunto que acaba magoando-a, por causa de uns problemas do passado e… brigamos. Mas brigamos mesmo.

Digo a ela para superar e, pelo que vejo, ela superou. Mas fica chato, sabe?

O que me preocupa, Fred, é o fato disso ser constante. Toda conversa é uma briga por motivos idiotas. Isso está me matando! Eu quero parar com isso, mas sempre acontece.

Não quero estragar as coisas, mas do jeito que está, por mais que ela diga que "está tudo bem", não está. Eu me preocupo muito com isso!

Creio que seja minha imaturidade (tenho 17 anos, cara, e é o primeiro namoro ainda por cima)."

Caro estragador de namoro, sua questão é bem comum em qualquer idade, acredite em mim. Parece haver uma dimensão do relacionamento amoroso um pouco ignorada: ele parece servir de latrina para algumas pessoas.

A palavra pode ser pesada, mas na prática é como se as relações humanas e íntimas também tivessem uma função de descarga de primitividade.

Vício em atacar

Na mente humana parecem degladiar-se duas forças complementares: 

  • uma construtiva, que visa algum tipo crescimento e sofisticação emocional e intelectual;
  • e outra desconstrucionista, que se canalizada como um laser altamente letal.

Ambas são poderosas e primam por um equilíbrio sutil da personalidade.

Essa balança pode ficar pendente numa direção, por conta de uma vivência pessoal problemática nos primeiros anos de vida.

Graças a agressões precoces sofridas, uma pessoa pode acumular uma agressividade que se manifeste residualmente nos relacionamentos pessoais de forma bem destrutiva.

Ironias, provocações e pequenas vinganças podem formatar o cardápio agressivo.

É como se o bem-estar não fosse possível para algumas pessoas sem que elas consigam infligir dor no parceiro como manifestação de amor.

O amor é mais estranho do que gostamos de pintar. Ele é carregado de todos os traços humanos virtuosos e deploráveis. Chamar o amor de "puro em si mesmo" é uma ingenuidade que acredita que os sentimentos humanos são descontaminados da personalidade de seus portadores.

Uma pessoa instável ama de um jeito instável e uma pessoa agressiva ama de um jeito hostil.

O problema não se trata de amar ou não amar, mas de quem ama.

Humilhação como forma de dominação

As pequenas alfinetadas que uma pessoa dá na outra, com o tempo se tornam uma mensagem subliminar de dominação. "Eu provoco, pois tenho o poder sobre essa relação".

A pessoa atingida é lembrada a todo o momento quem está "no controle".

Por um tempo isso funciona, afinal, parece haver certa virilidade e proteção implicada no relacionamento, mas o tempo acaba revelando a insatisfação acompanhada de um papel de anulamento progressivo da personalidade dominada.

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A briga, que no começo parecia apimentar a relação ou ser demonstração de intensidade, acaba se tornando um amortecedor de admiração e inevitavelmente um anestesiador da relação. Ambos podem seguir anos como zumbis, sustentando uma relação que parece viva na superfície, mas que já morreu há muito tempo.

Agredir como autossabotagem

Quando você diz que não quer estragar as coisas, talvez seja numa análise racional, pois no campo emocional é exatamente o que pode desejar.

É como se você desse pequenas marteladas num objeto que aprecia até ele quebrar e depois se queixar que tudo quebra na sua mão.

Com isso, vem um pouco de autopiedade, uma autoindulgência que parece passar um pano sobre suas atitudes e "perdoar" a própria conduta a fim de recomeçar o ciclo.

A cada relacionamento estragado vem uma sensação de derrota pessoal e a sensação de "eu mereço ser feliz" até entrar num próximo relacionamento e recomeçar o processo de amor>ataque>término>culpa>remissão.

O caminho para sair dessa bola de neve não é simples, pois é preciso sondar na sua intimidade os motivos pelos quais você prefere chafurdar a serenidade de sua parceira, se existem motivos supostamente pessoais contra ela que não estão claros para você, além de suas questões pessoais com suas figuras paterna e materna.

No final das contas, nós aprendemos a amar da maneira que fomos amados, e se a pedagogia utilizada com você incluía provocações constantes, é possível que você esteja passando adiante um legado do qual você foi um alvo incapaz de reagir.

Agora é sua chance de mudar esse cenário, com novos hábitos, observando com tranquilidade os seus impulsos antes que eles se transformem em ação. É a oportunidade de começar se a controlar, buscar meios de serenar seu desejo de destruir aquilo de que mais gosta.

Quanto mais nutrido emocionalmente você estiver, menor será sua necessidade de agredir.

* * *

Nota: a coluna ID não é terapia (que deve ser buscada em situações mais delicadas). É apenas um apoio, um incentivo, um caminho, uma provocação, um aconselhamento, uma proposta. Não espere precisão cirúrgica e não me condene por generalizações. Sua vida não pode ser resumida em algumas linhas, e minha resposta não abrangerá tudo.

A ideia é que possamos nos comunicar a partir de uma dimensão ampla, de ferocidade saudável. Não enrole ou justifique desnecessariamente, apenas relate sua questão da forma mais honesta possível.

Antes de enviar sua pergunta, leia as outras respostas da coluna ID e veja se sua questão é parecida com a de outra pessoa. Se ainda assim considerar sua dúvida benéfica, envie para id@papodehomem.com.br. A casa agradece.

Frederico Mattos

Sonhador, psicólogo provocador, é autor do <a>Sobre a vida</a> e dos livros <a href="https://amzn.to/39azDR6">Relacionamento para Leigos"</a> e <a href="https://amzn.to/2BbUMhg">"Como se libertar do ex"</a>. Adora contar e ouvir histórias de vida no instagram <a href="https://instagram.com/fredmattos/">@fredmattos</a>. Nas demais horas cultiva a felicidade