Pergunta: "Minha namorada quer fazer um ménage feminino (e não é por curiosidade, por que ela é bi e já transou com várias mulheres).
Seria um sonho para qualquer homem, mas o fato é que eu não sinto vontade. Eu me sinto realizado tendo a ela e isso nunca foi uma fantasia minha, fora o fato de que eu não consigo me relacionar sexualmente sem afeto.
Me sinto mal, pois mesmo deixando claro pra ela que não quero, esse assunto volta vez ou outra. Tenho medo que isso esfrie a relação, pois parece muito uma necessidade pra ela.
Não menos importante, vem o fato de que cedo muito às vontades dela, em detrimento da minha. Sinto que estou drenando a minha autoestima, pois estou perdendo a minha individualidade, meu poder de decisão, fazendo contas.
Não consigo ter um tempo livre e também é muito difícil de dizer um não para ela ou dizer qualquer coisa que a incomode. Se digo ela faz drama, chora, diz que eu estou fazendo com que ela se sinta culpada.
Quando ela aceita que me chateou, me enche de agrados, compra comida cara, posta declarações em redes sociais e eu fico me sentindo culpado pela situação. E agora essa do ménage.
Não quero ceder porque sinto que seria como jogar minha dignidade no lixo.
Esse é basicamente um resumo da situação.
Poderia me ajudar?”
— Anônimo
Caro amigo anti-ménage,
Vamos por partes.
Você está falando de 3 coisas aqui no texto: desejos incompatíveis, negociação de vontades e jogo emocional.
Vou tentar atacar cada coisa em seu devido lugar. Vamos lá.
Desejos incompatíveis (ela quer, eu não quero)
Para a maior parte dos caras você é um sortudo.
Mas quem está de fora e nunca passou por algo semelhante pode ter uma percepção não raciocinada.
Relacionar-se com uma pessoa bissexual não é tão simples assim. Não é que são seres alienígenas, mas uma relação assim implica questionamentos atípicos em quem não compartiha da mesma orientação sexual.
Será que os desejos para a outra orientação sexual ficam adormecidos uma vez que ela está comigo? Meu corpo e minha vida bastam? Necessariamente o outro desejo deveria ser contemplado para que a minha parte da cama fique ok?
Essas são perguntas sem respostas universais.
Para algumas pessoas bissexuais, a fidelidade do desejo suplanta os desejos diversos. Para outras, não, e a diversidade do desejo é igualmente onipresente e necessária. Também não se trata de haver alguma falha na sua performance como homem, são coisas distintas, vividas em dimensões que não se tocam.
E, ao contrário do que se possa pensar, só pelo de fato de um ménage ser uma fantasia coletiva, isso não significa que você é obrigado a tê-la. Não fazer parte desse time não é nenhum problema.
Se quer sexo com afeto, então, essa é sua condição pessoal. Você tem o direito de mantê-la, se quiser.
O que não quer dizer que a outra pessoa vá aceitar ou permanecer na relação sob essa condição. Mas aí é outra história.
Negociação de vontades
Ceder ou não ceder? Eis a questão.
Nos relacionamentos existe um tipo de "conta bancária emocional". Podemos até não admitir isso em voz alta, mas estamos sempre depositando e sacando créditos.
Algumas pessoas não se importam em depositar mais do que sacam, outras só querem sacar e depositam pouco. Quando há uma complementariedade e aceitação sobre quem faz mais o quê, tudo certo. Mas quando ambos querem ser contemplados em suas vontades e os créditos vão se esgotando, é aí que surge o conflito.
Toda vez que alguém cede num relacionamento, antes precisa pensar em como vai se sentir depois da concessão. Aquilo se alinha com os seus valores? Você ainda se sente respeitado?
No seu caso, você está dizendo que é algo que o deixaria com a "dignidade no lixo", então, creio que não faz muito sentido embarcar nisso.
Acredito que, na sua situação, caiba a ela decidir que rumo vai tomar diante de um parceiro que não atende aos próprios anseios.
Jogo emocional
Ela mexe com sua cabeça né? Parece ter um tipo de magnetismo sobre você e é nisso que ela mexe para fazer suas convicções se abalarem. Se alguém não está pronto para perder algo que ama, pode ficar refém da pior faceta dessa pessoa.
A submissão cega de alguém pode despertar o pior de personalidades fascinadas por jogar com as emoções alheias.
Para não cair em chantagens é preciso estar confortável em cima do seu não, que é um sim para aquilo que apoia a sua felicidade.
Se em última instância a relação cria um tipo de sacrifício insuperável entre vocês, pode ser bem prudente repensar se segue fazendo sentido fragmentar a vida de vocês em nome do amor.
No amor pode caber grandes renúncias, desde que estejamos conscientes para suportar as ambiguidades que elas criam.
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Daqui a 15 dias, o próximo tema vai ser: "Gosto de mulher trans".
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Nota da edição: a coluna ID não é terapia (que deve ser buscada em situações mais delicadas). É apenas um apoio, um incentivo, um caminho, uma provocação, um aconselhamento, uma proposta. Não espere precisão cirúrgica e não condene por generalizações. Sua vida não pode ser resumida em algumas linhas, e minha resposta não abrangerá tudo.
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