Recentemente conduzi uma roda de papo com alunos do ensino médio (molecada de 15 anos), aqui em São Paulo. A ideia era falar sobre planejamento e finanças, em cima do projeto que eles estavam desenvolvendo.

A ideia deles é ótima: criar uma pequena escola da vida, que organize e produza aulas sobre a vida real, para adolescentes. Seriam, à princípio, 5 grandes pilares: mobilidade, política, alimentação, cidadania e finanças.

Nas finanças (área em que eu poderia contribuir mais), eles sugeriram coisas do tipo: como o banco funciona? como se paga uma conta? o que é um cartão de crédito? como alugar uma casa? como abre uma poupança? o que é uma conta corrente? o que é um financiamento? o que são juros? o que é TAC? por que a gente paga imposto? por que o imposto de renda existe? o que é inflação? por que as coisas são caras? por que os preços mudam?

Um deles, bem perspicaz, disse que não tem muita noção de “como essas coisas de dinheiro funcionam”, que sente que não sabe nada. Disse pra ele ficar tranquilo, porque, na verdade, nós, os adultos, também não sabemos muito bem.

Do zero ao cem

A gente vai crescendo e, de um jeito ou de outro, é catapultado pra dentro de um sistema financeiro bem maluco (a catapulta de uns é mais macia, mais gostosinha, tem paraquedas pra não se esborrachar no chão, e a de outros está mais pra arma russa, com cadeira de pregos enferrujados e soco no estômago, mas isso não vem ao caso).

A verdade é que, de uma hora pra outra, a gente se vê obrigado a lidar com dinheiro, a entender como as coisas funcionam, a se inserir nesse universo, e na enorme maioria dos casos, a gente dá com a cabeça na parede muitas vezes, sofre um bocado e chega no auge da vida adulta (ou da velhice) sem entender muito bem como tudo isso opera.

Nessa caminhada, por conta da ignorância financeira, noites em claro são perdidas, casamentos terminam, pessoas levam vidas miseráveis (ou se matam), projetos incríveis fecham as portas.

Faria todo sentido atacar essa questão na base.

O que existe de melhor por ai

Talvez a iniciativa mais significante, mais consolidada, esteja nos Estados Unidos. A vida prática é introduzida na escola, através de uma disciplina bem genial, ministrada tanto no ensino médio quanto em algumas universidades.

Chama-se “Home economics”, e vai um pouco nessa linha da escola da vida. Um dos pontos estudados é a gestão financeira. 

De acordo com o Wikipedia, em tradução livre, seria algo assim:

Economia doméstica, também conhecido por ciências do consumo e da família, é a profissão e campo de estudo que lida com a economia e gerenciamento do lar da comunidade. Essa área do conhecimento investiga a relação entre indivíduos, famílias e comunidades no ambiente em que vivem.

O campo envolve muitas disciplinas, incluindo ciências do consumo, nutrição, preparação de alimentos, parentalidade, educação infantil, economia familiar,desenvolvimento humano, design de interiores, têxteis, design de vestuário, além de outras disciplinas correlatas. 

Quão incrível seria antever alguns dilemas da vida adulta? 

Saber pelo menos a cor dos obstáculos que vão surgir?

No Brasil

Existem grupos (profissionais e acadêmicos) que tentam atacar essa questão, criando políticas públicas que viabilizem a educação financeira para crianças e jovens, dentro das escolas. Não é nada simples, porém.

O trabalho de inserir uma matéria “não tradicional” no currículo é extremamente moroso e burocrático, mesmo contando com profissionais absurdamente competentes e dedicados (vale conferir o trabalho da Vera Rita de Mello Ferreira, por exemplo, referência em psicologia econômica no Brasil, e uma das melhores professoras que eu já tive).

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Existe, por aqui, o Programa de Educação Financeira nas Escolas, concebido dentro do ENEF (Estratégia Nacional de Educação Financeira). O plano é bem bonito, o material é, no mínimo, razoável, e pode ser baixado gratuitamente nos links acima. O programa é explicado neste vídeo.

Já no setor privado, tem muita gente fazendo um trabalho incrível, abrindo espaço para que o ambiente escolar seja rico, que exploda possibilidades e que não se atenha, apenas, a ensinar a fórmula de Bhaskara. Mas falta darmos foco, também, à questão financeira.

Chega a ser trágico tentarmos fomentar o empreendedorismo, por exemplo, sem que tenhamos ideia de como podemos gerir nossa própria carteira. Nos falta base.

Mais um motivo para nos dedicarmos à questão

É fato que nossa relação com o dinheiro é um reflexo da cultura que estamos produzindo e vivendo, mas acredito, de coração, que é possível nos aproveitarmos dessa relação inevitável para aprendermos a lidar melhor com os verdadeiros problemas: ansiedade, frustração de expectativa, tédio, enfim, mesmo nas primeiras fases da vida.

Atacar essa questão faz sentido porque chega a ser cômica a maneira com que nossos problemas com o dinheiro poderiam ser facilmente evitados com um mínimo de alfabetização financeira. A vida correria muito mais fácil, e isso, pela minha experiência, vale para o rico e para pobre.

Abaixo, registro de um bate-papo sobre grana que, pra mim, foi bem marcante, com os funcionários da fábrica da Saint-Gobain, no interior da Bahia.

 

Abaixo, registro do curso Pó Mágico, sobre dinheiro, oferecido pelo o lugar:

 

E abaixo, o excelente forró no Largo da Batata.

 

Selecione duas pessoas, aleatoriamente, de qualquer uma das fotos acima, elas terão questões financeiras parecidíssimas.

Estamos todos no mesmo barco.

Como podemos seguir

Meu voto é pelas beiradas, um pouco por acreditar na iniciativa privada, outro pouco por ser mimado e sem paciência de esperar anos pra ver a coisa começar a surgir. Acredito bastante no método iterativo: a gente começa, mesmo que meio torto, meio sem jeito, e com o tempo e com o feedback, vai arredondando, acertando aqui e ali. Tendo isso em vista, pensei em abrir um convite por aqui, sem muito planejamento ou pretensão.

Possuo alguma experiência, adquirida nos últimos anos, trabalhando com consultoria financeira, escrevendo sobre o assunto, organizando rodas de papo e palestras por aí, e tenho bastante vontade de abrir o assunto nas escolas. Vejo como uma oportunidade de bater na raiz da questão.

Se você trabalha com educação, ou tem bons contatos, e enxerga alguma possibilidade, eu ficaria imensamente feliz em participar (mesmo que você não disponha de nenhuma verba).

E se você trabalha ou tem envolvimento com escolas públicas e já tentou implementar algo relacionado ao programa público, e puder me contar como foi, seria ótimo. É fácil? É demorado? O professor, de fato, tem condições de ministrar o conteúdo detalhado no material?

Fique à vontade para contar como imagina que isso pode acontecer, nos comentários, assim todo mundo pode dar pitaco. E se quiser conversar diretamente comigo, fique à vontade também. Meu e-mail é eduardo@amuri.com.br.

Vamos?

Eduardo Amuri

Autor do livro <a>Dinheiro Sem Medo</a>. Se interessa por nossa relação com o dinheiro e busca entender como a inteligência financeira pode ser utilizada para transformar nossas vidas. Além dos projetos relacionados à finanças