Desfazer vínculos pode ser doloroso. Quando rompemos um dos elos da nossa rede, existem repercussões que nos atingem e atingem os outros. Assim, mesmo em situações difíceis, seremos chamados a lidar com procedimentos que tem o objetivo de amarrar essas pontas soltas, permitindo que as pessoas possam seguir suas jornadas.
O casamento, até bem pouco tempo, era tido como um dos poucos elos inquebráveis. Porém, reconheceu-se que era melhor privilegiar a liberdade das pessoas de se unirem e de se separarem quando conforme entenderem viável ou não a relação.
O casamento, embora tenha origem religiosa, hoje é assunto regulado pelo Direito. E, por mais burocráticos que aspectos relativos ao casamento e ao divórcio possam parecer, não é mera picuinha. Esses mecanismos existem para promover a estabilidade das relações – mesmo no rompimento – e proteger os interesses de pessoas envolvidas naquela unidade familiar, como é o caso quando há filhos menores.
Vou tentar traçar alguns pontos que acho úteis pra navegar pelo caminho da dissolução do casamento, sem cair em juridiquês, sendo bem preciso.
Mas primeiro, uma pergunta:
E se eu mandar o foda-se e simplesmente sumir?
Bem, além disso ser uma bela babaquice, você corre o risco de perder a casa. O art. 1.240-A do Código Civil (acrescentado pela Lei nº. 12.424/2011) estabelece que aquele que residir sozinho, por dois anos ininterruptos, em imóvel urbano de até 250m², utilizado para sua moradia ou de sua família, que costumava dividir com ex-cônjuge ou ex-companheiro(a) que abandonou o lar, vai adquirir a propriedade integral.
Ou seja, a lei pune aquele que abandona o lar, por mais de dois anos, com a perda da propriedade do imóvel. A intenção da lei é privilegiar aquele que permaneceu no convívio familiar, além de presumir que o que abandonou, se assim o fez, não precisa da casa para viver.
Há quem critique essa previsão, dizendo que o medo de perder a parte da casa, mesmo diante de uma difícil convivência, vai acabar levando à continuidade de uniões já desgastadas, e, consequentemente, à mais desgaste psicológico. Como a alteração é recente – o art. 1.240-A é de junho de 2011 – ainda veremos se a experiência foi positiva. De toda forma, é bom que esse exemplo sirva de alerta de que seguir um impulso de fuga pode ser prejudicial também para quem foge.
Então, pode ser que alguém pergunte:
Não casei, mas tenho um relacionamento estável. Preciso me preocupar com isso?
Provavelmente você se refere à união estável, que é aquele relacionamento duradouro, estabelecido de forma pública com o objetivo de constituir família. E, não, duvido que o seu namoro caracterize uma união estável.
União estável requer um envolvimento íntimo de afeto, com o objetivo de criar um núcleo familiar, que a maioria dos namoros simplesmente não possui. É necessário ainda que esse envolvimento tenha repercussão, por exemplo, na aquisição de patrimônio.
É uma situação de fato, então não tem uma cerimônia bonitinha pra marcar o início, o que pode deixar alguns confusos. Se você estiver mesmo com medo de se ver amarrado, pode contatar um advogado picareta pra redigir pra você um contrato de namoro.
Esse caso é mais simples porque a união estável é bem menos regulada do que o casamento. Maiores burocracias somente serão necessárias se houver necessidade de decidir sobre guarda dos filhos ou divisão do patrimônio. Na maioria dos casos, vai bastar cada um seguir o seu rumo.
Casei (ou converti minha união estável em casamento), mas não deu certo. E agora?
Primeiro, agradeça por ter casado depois de 1977. Até então o casamento só se dissolvia com a morte, o que levou ao surgimento de milhares de piadas infames.
Segundo, temos que distinguir duas situações: a separação e o divórcio. Separar extingue a sociedade conjugal – o que desobriga o casal do dever de fidelidade – mas não extingue o vínculo matrimonial. Por isso pessoas separadas podem restabelecer o casamento. Por outro lado, não podem casar com outras pessoas enquanto o vínculo não for dissolvido pelo divórcio.
A partir da introdução do divórcio em 1977, a separação era uma etapa obrigatória de um processo que levava ao divórcio. Em 2010 houve nova alteração do regime, permitindo a dissolução do casamento diretamente pelo divórcio, sem necessidade de prévia separação.
Então, como funciona? Que negócio é esse de separação?
As pessoas continuam podendo se separar, se quiserem. Encare isso como uma etapa preparatória. Com a extinção da sociedade conjugal pela separação, as pessoas não tem mais o dever de fidelidade e coabitação, ganhando assim algum espaço individual para refletirem sobre o rompimento definitivo.
Existem pessoas que simplesmente se separam, passam a viver longe um do outro, sem qualquer formalidade. Esses são os separados de fato. Essa “separação” não altera o vínculo matrimonial nem a sociedade conjugal. Ela possui alguns efeitos, mas não sobre o casamento, que continua valendo.
Já quem quer se separar de direito, tem duas formas: a extrajudicial (administrativa) e a judicial.
Se o casal concordar com a separação e não tiver filhos menores ou incapazes, poderá se separar levando escritura pública a cartório na qual deverá constar como fica a divisão de bens, a pensão alimentícia (se for o caso) e se voltam a usar o nome de solteiro ou se permanecerão com o nome de casado. Não é necessário ajuizar ação, mas vai ser exigida a intervenção de um advogado, que pode ser comum ou de cada um deles.
Porém, se não for o caso, a separação deverá ser feita mediante ação judicial e poderá ser consensual ou litigiosa. Nela, além de se decidir acerca da divisão do patrimônio e da pensão alimentícia, também será decidido como fica a guarda dos filhos menores, se for o caso.
Olha, meu caso é mais grave, quero partir pro divórcio de uma vez
A situação é bem semelhante à de quem quer se separar.
Se não houverem filhos menores ou incapazes, pode-se fazer o divórcio extrajudicialmente, em cartório, com a intervenção de um advogado. Do contrário, vai ser necessário fazer o divórcio pela via judicial, que também pode ser consensual ou litigioso. Em qualquer das hipóteses, serão definidas questões como uso do sobrenome, partilha e uso do nome de solteiro ou de casado.
E o custo disso?
Os procedimentos extrajudiciais e consensuais costumam ser bem mais rápidos e baratos – óbvio – do que o procedimento litigioso. Aliás, quando feitos em cartório, o divórcio e a separação podem sair de graça aos que se declararem pobres.
Pena que se tem notícia de tanta gente disposta a gastar tempo e dinheiro usando o Estado como instrumento de vingança quando dá pra atar as pontas soltas de forma bem simplificada e seguir a vida.
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