É coisa que não menciono com frequência, mas quase morri em um acidente quando era mais jovem. Foi próximo ao Natal, então sempre me lembro da história nessa época do ano.
Quando abri os olhos, deitado no asfalto, vi um trecho do céu emoldurado por um círculo de curiosos, enquanto um PM apavorado rogava que eu não me mexesse. Havia algo úmido atrás da minha cabeça, que presumi ser sangue. Senti que estava perdendo a consciência, e considerei a possibilidade de que tudo acabasse ali.
Foi quando lamentei que, se viesse a morrer, não voltaria a dizer “te amo” para minha mãe, meus irmãos e minha namorada. Porém, pouco antes de ficar inconsciente, um segundo pensamento surgiu, esse bem mais difícil. Percebi que partiria sem nunca ter deixado claro o quanto amava aqueles que foram os meus grandes companheiros durante minha travessia nesta vida: os meus amigos.
Porque, como sabemos, nós amamos nossos amigos.
Mas tive sorte naquele Natal. Sobrevivi ao acidente sem um osso quebrado. Horas depois, eu já estava em casa, reafirmando a meus familiares e a minha namorada, uma vez mais, o meu imenso amor por eles.
Porém, nos dias seguintes, não transmiti aos meus amigos o quanto os amava. Fiquei intimidado pelo preconceito, constrangido diante da eventual incompreensão, incapaz de olhar nos olhos de um outro cara e, sem voz hesitante, dizer algo que realmente é natural, que é até fundamental sentirmos por nossas verdadeiras amizades.
Afinal, aos poucos, fui cedendo novamente à ilusão de que poderia adiar um tarefa importante, porque eu era “eterno”.
A verdade é que isso foi em uma época anterior às redes sociais surgirem na Internet. Hoje, qualquer um pode transmitir essa mensagem aos amigos com facilidade e sem constrangimentos. Afinal, não precisamos mais olhar nos olhos deles e tampouco falar com nossa própria voz o quanto sua amizade é uma de nossas maiores alegrias neste mundo. Basta publicar no Facebook que amamos as centenas, talvez os milhares de amigos que estão adicionados em nosso perfil, e daí é só aguardar todas as curtidas que virão.
Mas também podemos utilizar apenas 32 caracteres e escrever, no Twitter, algo como “Eu amo todos vocês, meus amigos!”, e esperar os retuítes de todos os que nos seguem. Os mais criativos podem até segurar cartazes em fotos publicadas no Instagram ou no Tumblr.
Agradeçamos às redes sociais. Graças a elas, teremos um arrependimento a menos quando formos dessa para uma melhor.
Ou talvez não. E, nesse caso, o arrependimento pode ser ainda maior.
Porque utilizarmos as redes sociais desse modo talvez seja uma maneira de nos afastarmos ainda mais de nossos amigos. Afinal, um dos subterfúgios para não expressarmos um sentimento é expressá-lo pelos meios errados.
Além disso, ninguém tem cinco mil amigos, sequer cinquenta. Temos cinco ou quatro amigos do peito, nossos verdadeiros irmãos camaradas. E eles estão lá, perdidos, misturados com outras centenas ou milhares de pessoas adicionadas em nossas redes sociais, como se as fibras de nosso coração estivessem diluídas em um oceano virtual de contatos, a grande maioria composta de pessoa que conhecemos apenas superficialmente.
Cutuca daí que eu compartilho daqui; curte isso que eu reblogueio aquilo; retuita assim que eu hashtagueio assado: não se tratam de ferramentas que mediocrizam as relações, mas sim de ferramentas que instrumentalizam as relações medíocres que já existem em um cotidiano no qual não encontramos muito tempo para confraternizar com nossos grandes e verdadeiros amigos.
Em meio ao limite máximo de cinco mil amigos que podemos adicionar no Facebook, estamos ficando cada vez mais sozinhos mas, pelo menos, “curtimos” nosso isolamento em grupo.
Como disse o bom e velho Zygmunt Bauman, o que torna as redes sociais atraentes não é a facilidade de nos conectarmos aos outros, mas sim a facilidade de nos desconectarmos de qualquer um com apenas um clique. Terminar de um laço afetivo é difícil no mundo real, mas acabar com uma “amizade” no Facebook é fácil demais, e isso mina os laços humanos, já que a perda de um amigo é contabilizada como pouca coisa – afinal, no dia seguinte, adicionamos outros cem no Facebook.
Nada contra as redes sociais em si mesmas. Eu próprio já construí amizades fortes e duradouras com pessoas que adicionei no Facebook sem sequer conhecer, apenas por termos algum interesse ou amigo em comum. Outras grandes amizades surgiram através de visitantes que comentavam em meu blog. A verdade é que nunca sabemos de onde pode surgir uma verdadeiro amigo.
O que não podemos fazer é permitir que as grandes amizades que surgem em nosso destino, mesmo que por meio do Facebook, acabem se perdendo na multidão de contatos que estabelecemos nas redes sociais. Essas amizades são nossa maior riqueza, ao lado de nossa mulher e de nossos familiares: são para essas pessoas que você devotará seus últimos pensamentos, isso eu garanto.
É ao lado desses amigos que sempre nos sentimos, não importa a idade, moleques junto a outros moleques, como se fôssemos um grupo de eternos meninos, cheios de entusiasmo perante a vida, explorando o mundo com olhos admirados e compartilhando cada descoberta. São eles que seguram nossa barra quando caímos, que celebram nossas vitórias como se fossem suas, e que nos dão a real quando ninguém tem coragem de nos dizer a verdade.
E é por esses amigos que você sentirá arrependimento quando passar dessa para uma melhor, se não houver deixado claro para eles o quanto os ama. Asseguro você não se lembrará de seus bens materiais, tampouco de seus compromissos pessoais, e muito menos dos problemas que deixou pendentes. Você apenas pensará naqueles que ama, mesmo que não tenha coragem de dizer isso a eles.
Claro, talvez até nem precisemos dizer com palavras que amamos nossos amigos, até porque os homens tem um jeito próprio de demonstrar o que sentem, preferindo muito mais os gestos duradouros às frases prontas. O que é fundamental é expressarmos tal sentimento de um modo que esteja a altura de nossa amizade.
Há quanto tempo você não encontra seus amigos? Da últimas vez que os encontrou, você realmente ouviu o que eles tinham a dizer, as histórias que tinham para contar? Ouvi falarem de suas dúvidas, conquistas e problemas? Você realmente estava ali, presente, ao lado deles, ou estava pensando em futuros compromissos ou em preocupações cotidianas?
Quem escreve este texto é alguém que já passou pela situação e sabe: se você não for cuidadoso, poderá um dia lastimar não ter aproveitado o tempo em que esteve ao lado de seus amigos para, com um aperto de mão, um abraço, uma gargalhada em comum ou mesmo um brinde, comemorar a grande amizade que os une feito irmãos.
Por isso, sugiro que você seja esperto e, ao invés de ver deixar que suas grandes amizades se diluam nas redes sociais, utilize as redes sociais para potencializar suas grandes amizades.
Então não perca mais tempo lendo esse texto, e vá ao Facebook ou ao Twitter convidar seus amigos para uma confraternização na vida real, em um bar, em um parque, enfim em qualquer lugar no qual vocês possam, do seu jeito, celebrar essa fortuna que é ter caras fantásticos ao seu lado durante a jornada de contínuas descobertas que é a vida.
E faça isso como um homem deve fazer: faça agora, sem desculpas. Porque você não é eterno.
Mecenas: Chivas
Podemos não ser eternos, mas as grandes histórias que vivemos, são.
Imortalize uma grande história que você viveu com um amigo. Entre no blog de Chivas e conte para eles algo que você viveu com um amigo e ficou marcado na sua vida.
Conte como essa história mostra o caráter do seu amigo e como ela foi inspiradora para você.
Se ela for escolhida, será transformada em um filme, assim outras pessoas vão poder se inspirar por ela também.
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