Não, não vamos listar sugestões de compra, até porque não daria mais tempo.

Vamos falar da supervalorização da família, criticar o mito do amor incondicional materno, lembrar dos adultescentes e sugerir um presente perfeito para qualquer mãe (e mulher).

Os adultecentes

Há um tempo vi uma reportagem na TV sobre homens de 30 e 40 anos que ainda moram com suas mães. São chamados de adultescentes. Em uma das cenas, a mãe contava que todo dia fazia questão de tirar o sapato do filho assim que ele chegava em casa, fora o jantar que lhe esperava à mesa.

Desde então, abri esse olho e observei muitos casos de caras que têm muita grana, mas preferem ficar sob os cuidados maternos a se arriscar vida afora.

Link YouTube | Lembram quando a mãe do George o flagrou se masturbando?

O mito do amor incondicional e a supervalorização da família

Muitas de nossas aflições na vida surgem da supervalorização da família – traço do cristianismo, mas que não existe em outras culturas na quais outros laços são mais importantes. De fato, é esse foco exagerado na família que nos impede de começar a olhar todas as crianças como filhas da comunidade, da sociedade, não de duas pessoas.

Acreditamos também que o amor materno é incondicional, puro, perfeito. E depois transferimos a esperança e a responsabilidade de prolongar essa sensação para nossas namoradas e esposas. Ou seja, pedimos para nos frustrar e sofrer.

Junto com o mito do amor incondicional, vem a ideia de que os pais são confiáveis e de que saberiam o que é melhor para nós. Ora, justamente por nos acompanhar desde bebês, eles são os seres que mais tem visões condicionadas de nós.

– Filho, come esse pudim que você tanto adora!
– Faz anos que não como pudim, mãe.

São pessoas que nos congelam de alguns modos e que dificilmente conseguiriam nos dar nascimento elevado, reconhecendo habilidades, estimulando potenciais. Resumo: eles são como qualquer outra pessoa, não há nenhum privilégio, nenhum conhecimento superior. A tristeza é ver o quanto os filhos acreditam quando os pais lhes dizem quem eles são e o tamanho da destruição que isso pode causar numa vida.

Além disso, há sempre uma necessidade sutil de aprovação materna ou paterna e uma busca por outra pessoa que cuide de nós assim como nossa mãe. De fato, tenho um amigo que nunca admitiu que xingássemos sua mãe e que sempre a coloca num pedestal acima de todas as outras mulheres. Imagine como será complicado para ele construir uma relação longa com uma mulher…

Link YouTube | Charlie vendo sua mulher virando sua mãe… 😉

Viver como se nossos pais estivessem mortos

Em um dos primeiros artigos da Cabana PdH, escrevi a seguinte sugestão (expandindo uma ideia de David Deida): “Viva como se os seus pais estivessem mortos”. Cito:

“Agir como se nossa mãe estivesse morta significa não precisar de acolhimento, mimo, cuidado ou atenção especial, estar livre para se relacionar com qualquer tipo de mulher, não precisar da aprovação de ninguém, não ser carente, não esperar roupas passadas e pratos lavados, não exigir postura materna de nossas parceiras.”

É claro que isso não significa cortar relações, apagar do mapa ou ignorar o fato de que ela é sua mãe. Nada disso! Fazendo isso, cortamos um referencial sutil e nos abrimos para nos relacionarmos de modo muito mais saudável com nossa mãe, reconhecendo que, antes de ser nossa mãe, ela é uma mulher como qualquer outra. Fazendo isso, nos apresentamos  a ela como um homem, muito antes de ser seu filho.

Nossa liberdade sempre vai frustrar padrões condicionados

Imaginemos, pela força do argumento, que um cara receba uma proposta de estudar de modo intensivo, sem férias, por 20 anos, em um país distante, numa faculdade em que sempre sonhou estudar, num mundo em que não há correios, internet nem telefones, ou seja, em que viajar por muito tempo é uma quase morte.

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Ainda que a mãe ficasse relativamente mais feliz se o filho rejeitasse a proposta, ela se sentiria um lixo a longo prazo por ter sido um impedimento na vida do filho. Ou seja, ela não ficaria feliz. Se o filho aceitasse a proposta, ela ficaria mal por um tempo, mas 20 anos depois (ou durante, se for mais sábia) a felicidade do filho seria inseparável de sua felicidade como mãe.

Quando há um evento marcante como esse, fica nítido que os pais podem ser um impedimento. O problema é que nossa vida é cheia de pequenos eventos desse tipo, nos quais eles não percebem que estão se posicionando como obstáculos. Um grande exemplo é o fenômeno da adultescência. Ora, se a mãe realmente amasse seu filho, o expulsaria de casa! Mas a carência é maior, o medo do abandono é maior. É por isso que hoje os pais começam a mimar seus filhos desde o começo.

Já os filhos, muitas vezes eles não percebem que estão evitando um caminho de liberdade apenas por medo de não retribuir seus pais. É como se um filho dissesse: “Poxa, eles cuidaram de mim por 20 anos e agora eu largo tudo e não retribuo em nada?”. Tal medo de cortar, frustrar, magoar, decepcionar é exatamente o mesmo medo que os homens tem de fazer isso em suas relações amorosas.

Assim como temem frustrar a mãe, evitam decepcionar e magoar suas parceiras, num tipo de respeito excessivo que só prejudica a relação, pois às vezes é necessário frustrar as pessoas, especialmente quando elas estão motivadas por emoções perturbadoras que fazem mal pra elas mesmas, como ciúme, apego e carência. Na verdade, ao agir com liberdade, frustramos a carência e apostamos na liberdade do outro de se reestruturar livre daquele padrão, mesmo que durante o processo haja muita dor, confusão, birra e choro.

O maior presente para nossas mães e mulheres

Portanto, o maior presente que podemos oferecer a nossas mães (e mulheres em geral) é liberdade e felicidade. Não exatamente “nossa liberdade” porque quando agimos de modo livre ativamos a liberdade do outro. Não exatamente “nossa felicidade” pois a felicidade nunca é pessoal, ela é como o céu, disponível a todos.

Se você puder seguir seu caminho na vida sem esperar um OK de sua mãe, sem esperar um olhar de entendimento, sem esperar que ela o acolha nos momentos mais difíceis, você não vai projetar essa necessidade na sua mulher, não vai esperar isso de ninguém! Você vai seguir com seu direcionamento autônomo, sabendo que aquilo faz sentido, sabendo que aquilo move sua energia. E então você vai oferecer o resultado (não necessariamente o caminho) aos outros.

Ora, minha mãe sequer sabe o que é TaKeTiNa, mas ela sabe bem observar como minha vida avança. No fundo, ainda que ela me cobre ligações e explicações (que nada mais é do que a voz da carência), ela deseja minha felicidade e sabe que eu nunca poderei retribuir a quantidade de horas que ela passou cuidando de mim. Na verdade, ainda que superficialmente ela espere por isso, há uma dimensão livre nela que não mantém essa exigência, que se alegrou durante o processo, apenas pelo fato de ter sido generosa. É essa dimensão que ativamos em nossa mãe quando agimos com liberdade, sem dar satisfações e sem responder às tentativas de mimos (minha mãe oferece que eu volte para sua casa até hoje…).

Mais ainda, quando reconhecemos esse amor livre de retribuições, passamos a oferecê-lo também. Caso contrário, vamos agir igualzinho nossas mães. Lembro bem do dia em que percebi que estava cobrando retribuição de minha ex-namorada, ao fim da relação. Eu estava listando mentalmente o tempo perdido e o quanto eu não havia sido retribuído…

Bom dia das mães para todos! Desejo que esse dia não sirva para solidificarmos ainda mais as ilusões que apontei acima. Agora vou correr pois estou bem atrasado para o almoço da família… 😉

Gustavo Gitti

Professor de <a>TaKeTiNa</a>