“Se cuide”.
Tantas vezes vivemos o cuidado com o sexo como se fosse algo individual e pontual: “eu me cuido me protegendo”, “usando camisinha”, “tomando a pílula na hora certa”. São poucas as vezes que paramos para repensar esses cuidados e, quando o fazemos, podemos chegar na velha conclusão: “preciso me cuidar mais”. Aliás, poucas vezes paramos para pensar o que é o cuidado com o sexo. É sobre ter carinho com nosso corpo? É sobre se preocupar com ele? Ou é sobre protegê-lo?
Mais do que nunca, nesse começo de século XXI, atarefado, exaustivo, muito tem se falado sobre a importância do autocuidado, sobre como prestar mais atenção em si e nas suas próprias necessidades é essencial para manter a saúde mental. No entanto, quando falamos sobre cuidar do nosso sexo, além do autocuidado, precisamos repensar o como compartilhamos o zelo, seja no sexo casual ou em uma relação estável.
Como podemos dividir melhor as nossas necessidades, prestando muita atenção e considerando as necessidades do outro?
Podemos começar com um simples toque. Como o parceiro gostaria de ser tocado? Onde e de que jeito é mais gostoso? Aliás, O que incomoda? E avançar até cuidados a longo prazo, como compartilhar a responsabilidade do contraceptivo e dividir a rotina médica.
Apelando pro dicionário, a palavra Cuidar apresenta sete significados e eu vou transformá-los no 7 mandamentos do cuidado compartilhado do sexo:
1. Ter cuidados, realizar ações que protejam e/ou curem o outro;
2. Prestar atenção, observar as reações e sentimento do outro;
3. Considerar os sentimentos do outro;
4. Interessar-se por, estar disposto a compreender os processos, sentimentos e sensações dos parceiros e parceiras;
5. Imaginar, supor, se colocar no lugar do outro, não só para compreender os sentimentos e sensações, mas para antever e propor soluções;
6. Ter precaução; prevenir-se, usar todas as medidas para proteção de ambos;
7. Ter o encargo de; responsabilizar-se para com o parceiro.
Colocando os 7 mandamentos do cuidado na cabeça, poderemos repensar a maneira como agimos em diversas situações.
Como compartilhar mais o cuidado no dia a dia:
Perguntei a algumas pessoas como elas compartilhavam com seus parceiros os cuidados com a saúde sexual na As principais respostas foram:
- "Eu sempre compro e carrego a camisinha comigo";
- Ocasionalmente, o rapaz lembra a parceira de tomar a pílula;
- O rapaz se encarrega de comprar a pílula para a parceira, e também a lembra de tomá-la"
Camisinha e anticoncepcional. Talvez estas sejam as primeira coisas que vêm à cabeça de todo mundo, mas olhando mais a fundo, vemos que há tantas outras formas de se cuidar em conjunto dentro de uma rotina cotidiana. A Tuy e o Biel são um casal há sete anos. Eles têm um canal no Youtube (Sensualise Moi) para falar sobre sexo, amor e relacionamento, e conversaram com a gente para contar como funciona a divisão do cuidado sobre a saúde sexual no relacionamento deles.
Para o Biel é preciso “Transformar esses assuntos que são do dia a dia em assuntos realmente do dia a dia” porque isso torna a relação mais saudável e mais compreensível, já que um sabe e entende o processo do outro.
“Eu me sinto responsável por essas questões e eu acho bacana que eu saiba qual é o absorvente que ela usa, a marca que ela prefere, porque se ela precisar que eu vá comprar – a gente está já 7 anos juntos – eu preciso saber qual ela usa sem precisar perguntar.” Os Youtubers e consultores sexuais contam que se conversam muito e que compartilham o cuidado rotineiro sobre o ciclo menstrual. Segundo a Tuy, “O Biel sempre sabe quando eu estou quando eu estou pra menstruar, até pra gente ter o controle de quando tem que comprar outra cartela de anticoncepcional” e o Biel completa dizendo que presta atenção nas datas para ajudar a companheira: “Eu não passo por isso, mas eu tenho que fazer o máximo pra que esse momento seja mais confortável o suficiente para ela”.
Neste texto, reunimos algumas pessoas para repensar, em tempos de homens possíveis, maneiras de compartilhar o cuidado com o sexo com mais compreensão e carinho.
Higiene
Um sábio professor meu sempre dizia que “pode parecer óbvio, mas o óbvio tem de ser dito”.
Cuidar da higiene pessoal também é cuidar do parceiro. É considerá-lo e tomar responsabilidade por alguns atos. Quando for usar os dedos para penetrar a parceira ou o parceiro, é importante que as mãos estejam limpas, com unhas curtas e bem lixadas. Isso evita pequenos machucados que desencadeiam infecções e desconfortos. Lavas as mãos antes e depois de urinar, e lavar bem o pênis (ou a vagina) com água e sabão, secá-lo depois do banho e depois de urinar, não são apenas “frescuras”, mas formas de prevenir a proliferação de fungos, bactérias, e cuidar tanto da sua saúde sexual, quanto da saúde da outra pessoa.
Contracepção
Para uso dos homens, o método contraceptivo que está acessível no mercado é a camisinha. O Fotógrafo de 31 anos, Gustavo Paixão, conta que sempre se sentiu responsável pelos gastos com camisinha (ou com a pílula do dia seguinte, quando era necessário).
Sabemos que andar sempre com a camisinha e usá-la é importante, mas é possível repensar com mais cuidado o como usamos. Ter uma postura ativa na hora de colocá-la, usando-a do começo ao fim, sem esperar que a parceira, ou o parceiro, se manifeste e cobre é um jeito de cuidar, de considerar, de ter atenção e de responsabilizar-se. Esperar que a outra pessoa faça a exigência é colocar sobre o outro a carga mental de ter de interromper o ato, exigir o uso sem quebrar o clima e, nos piores casos, dar-lhes o trabalho de justificar o pedido e negociar o uso.
Faz falta que existam outros contraceptivos masculinos, como a “pílula masculina” ou o Vasalgel (injeção que forma uma barreira no vasos de transporte do espermatozóide), no entanto, mesmo que a maioria dos métodos contraceptivos internos sejam direcionados para as mulheres, é possível que os homens dividam mais a responsabilidade sobre eles.
Se nos anos 50, o uso dos anticoncepcionais hormonais representaram uma possibilidade de independência para as mulheres, hoje percebemos que deixar toda a responsabilidade e as consequências dos contraceptivos internos sobre a mulher é uma forma de sobrecarga.
Diversos rapazes me responderam que, ocasionalmente, lembram as companheiras de tomar a pílula, mas, para que a responsabilidade fique ainda mais dividida, a sugestão é que ambos tenham um despertador ajustado no horário certo, que essa lembrança seja responsabilidade diária dos dois (sempre como forma de parceria e não de cobrança).
Outra sugestão, é que o homem tenha uma cartela de pílula da namorada sempre consigo. A Tuy conta que o Biel carrega uma cartela do anticoncepcional dela na mochila dele desde o começo do namoro, para caso ela esqueça.
Além disso, os contraceptivos hormonais tem seus efeitos colaterais – podem causar feridas no colo do útero, alteração no humor e na libido – e, portanto, quem toma precisa realizar consulta de rotina, exame de imagem, diagnóstico, tratamento e retorno para acompanhamento. Além deste processo ter um custo financeiro (consultas, remédios, deslocamento), tem um gasto enorme de tempo – agendar, encaixar na agenda de trabalho, deslocar-se, marcar exames, esperar resultados etc. – e o esforço mental que costuma ficar ao encargo apenas das mulheres. A Tuy e o Biel contaram que, para eles, a contracepção nunca fui um assunto “de mulher”, é um assunto de quem tem relações sexuais, portanto, Biel também se responsabiliza por lembrar a companheira dos exames de rotina.
Injeções hormonais
A Elisa Albuquerque, 26, é casada há três anos, mas está desde dos 17 com o seu companheiro. Ela conta que era seu marido quem a lembrava de retornar ao médico a cada três meses para tomar a outra dose da injeção hormonal e que ele sempre a acompanhava, já que era comum que ela se sentisse mal depois de tomar a injeção.
Sobre a preocupação do marido em acompanhar e participar da contracepção, Elisa conta que é algo que “tira um peso da gente, porque parece que só a gente que tem que se preocupar com isso”.
DIU
O Diu, por exemplo, é um método a longo prazo, dura em média 5 anos. Aparentemente é só colocar e pronto, não teria muito como dividir ou compartilhar. No entanto, a colocação pode ser complicada e também é preciso fazer exames de imagem periodicamente para garantir que ele não saia do lugar. Nesse caso, o parceiro pode ajudar acompanhando, estando por perto e a disposição, já que a colocação pode causar queda de pressão ou tontura. As cólicas que vêm com o procedimento também podem ser fortes e vão pedir por alguém que leve remédio, chá, comidinha.
Como o PapodeHomem publicou recentemente, se ser pai de menina e acompanhar de perto as filhas ajuda os homens a terem uma perspectiva mais igualitária de gênero, podemos dizer que participar mais de perto da contracepção de suas parceiras também ajuda os homens a terem uma compreensão mais profunda das questões reprodutivas e das dificuldades que afetam as mulheres.
Compartilhar a escolha também, por que não?
“Eu acho interessante que o Biel dê palpite sobre o método que a gente vai usar”, conta a Tuy que tem pensado em parar de tomar a pílula.
Diante dos efeitos dos contraceptivos, três anos atrás, Elisa quis parar de usar métodos hormonais. Ela tomou essa decisão junto do marido, porque sabia que isso afetaria a vida do casal, ao reinserir a camisinha na relação. Elisa ressalta como foi positivo ter não só o apoio verbal do marido, mas ver que ele realmente se preocupava em se responsabilizar e garantir que não houvesse riscos nas relações.
Prevenção
Gustavo diz que, apesar de se preocupar com a prevenção usando sempre camisinha, nunca foi ao médico com as suas parceiras nem para exames de rotina, nem para exames de prevenção.
“Eu não me atentava a isso”, diz ele sobre a necessidade de fazer exames de prevenção ou testes de ISTs junto de uma companheira. “Eu achava que eu não precisava me preocupar com isso [testes de prevenção], só quando eu tinha relações com quem eu não conhecia”. Sobre a acompanhar a parceira em exames ginecológicos de rotina, ele conta que “ficava mais uma responsabilidade dela do que minha. Acho que até por elas, naquela época ainda existia uma certa vergonha de levar o parceiro numa consulta”.
O Gustavo conta que passou a entender a importância dos exames de prevenção para o cuidado da vida sexual a dois depois que passou a participar de um grupo de Facebook que discute questões sobre a vida sexual.
A Tuy conta que, no caso dela, é o Biel que sempre cobra que ela faça os exames ginecológicos de rotina e que pelo menos uma vez por ano os dois vão juntos fazer exames de ISTs e HIV/AIDS. Inclusive, quando o fazem, os dois Youtubers também costumam incentivar as pessoas que o acompanham nas redes sociais a fazerem o mesmo e a entenderem a importância da prevenção.
Compartilhando os cuidados na gravidez
Hoje, a Elisa está grávida de sete meses e conta que todo o processo de compartilhar a contracepção de uma maneira mais participativa fez muita diferença no relacionamento do casal. “Como isso foi muito dividido, com ele se importando muito, hoje ele sabe que ele também faz parte dessa gravidez. Além de demonstrar muito a questão do respeito, mostra muito mais que ele tá entendendo qual é nosso papel na relação.”
Elisa conta que um elemento foi essencial para esta relação. Quando tem uma situação e eu tô passando mal, ou não estou me sentindo bem, ou o meu psicológico está mais abalado por causa dos hormônios, tem duas frases que faz toda a diferença, ele sempre me pergunta “Como eu posso te ajudar? Como nós podemos resolver isso juntos?”. Ele consegue entender o que eu estou sentido e entender as minhas necessidades.
No fim, a fala da Elisa nos ensina uma coisa: podemos dar várias sugestões sobre compartilhar os cuidados aqui neste texto, mas jamais vai existir uma fórmula que se aplique a todos os casais. O convite que fazemos com esse textão todo, é que a gente se dedique sempre a repensar nossas relações e encontrar maneiras, a dois, de compartilhar melhor nosso sexo. E para melhorar a base do diálogo sobre isso, fica a dica dos 7 mandamentos do cuidado: agir com cuidado, ter atenção, considerar o outro, ter interesse verdadeiro, se colocar no lugar do outro, tomar precauções e ter responsabilidade.
Se você já teve um momento em que repensou o cuidado compartilhado com o sexo, ou se ainda vai ter, conte pra gente: O que mudou? Com o que você passou a se preocupar? Como foi o diálogo sobre o tema?
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