Lembro de quando eu era apenas um moleque magrelo, de mais ou menos uns 10 anos, morando com a minha mãe.

Nós vivíamos em um bairro distante, puramente residencial, de Belém. O lugar era bastante tranquilo, apesar das lendas urbanas que volta e meia surgiam assustando professores e obrigando-os a falar para tomar cuidado no caminho da escola pra casa. Isso nem era tão ruim, mas os domingos pela manhã eram infernais.

Belém tem o que chamamos de “aparelhagem”, sistemas de som que variam desde uma parede inteira até caminhões de caixas de som. Tom Zé, quando esteve na cidade, descreveu a sensação causada pela aparelhagem dessa forma:

“Estou como criança viajando no carro de Papai Noel. Parece incrível, toda a vida sonhei com uma coisa dessas, que o som por si só fosse uma palavra, uma vibração, uma ordem. E agora tenho ouvidos no peito, nas pernas, nos braços, no traseiro, em todo lugar.”

Esse vizinho tinha um brinquedo desses, que fazia questão de testar todo domingo de manhã. Tom Zé pode ter achado o máximo participar da festa e sentir a imersão sonora da forma que apenas volumes tão escandalosos conseguem gerar. Porém, anos assim geraram diversas tensões, não só entre minha família e nosso parceiro de cerca, mas também com várias outras das redondezas.

Anos depois, já como um rapazinho crescido, no auge da empolgação juvenil e do fervilhar dos hormônios, me mudei para um apartamento cujo condomínio era povoado por famílias, senhores e senhoras de idade, cachorros e uma síndica furiosa. Nesse período, eu fui o agente causador de incômodos, recebendo visitas, ouvindo e tocando música alta, enfim, sendo um idiota.

Claro que isso não só tornou a vida dos vizinhos como a minha própria em um inferno. Ninguém gosta de viver em uma vizinhança repleta de inimigos.

Depois de ver a felicidade que eles manifestaram quando chegou o dia de carregar o caminhão com minhas coisas e levá-las para outra residência, comecei a me preocupar mais com a relação de vizinhança.

Esteja pronto para ajudar (e não deixe de aceitar ajuda)

Esse velho vai te dar nada mais que trabalho, ferramentas e esporros. E vai ser o melhor amigo que você poderia ter na vida
Esse velho vai te dar nada mais que trabalho, ferramentas e esporros. E vai ser o melhor amigo que você poderia ter na vida

No texto “Como fazer amigos em uma nova cidade”, falei sobre como oferecer as próprias habilidades é uma forma bastante efetiva de criar conexões e amizades. No contexto de vizinhança, isso talvez seja até mais importante, afinal, a pessoa com quem você está tratando, literalmente, vive ao seu lado.

Apesar de ser bastante fácil passarmos anos sem saber o nome do vizinho, uma relação mais próxima pode trazer muitos benefícios.

É importante ficar atento ao que seus vizinhos podem estar precisando e oferecer ajudas pontuais, sempre que possível. Pequenas atitudes como ajudar com o lixo, abrir portas, carregar compras, oferecer carona, etc, podem fazer toda diferença. Ainda que muitas vezes a gente pode ter um certo receio de parecer maluco e a própria ajuda se tornar um inconveniente, é importante tentar.

As chances são grandes de que, cedo ou tarde, seu vizinho acabe querendo retribuir. Ou o contrário, que ele tome a iniciativa antes mesmo de você pensar no assunto. Se isso acontecer, não negue. Aceitar ajuda também é um gesto de generosidade.

Não invadir o espaço alheio (e aprender a tolerar quando o seu for invadido)

Festa junina: a tradição de invadir espaços e se deixar invadir
Festa junina: a tradição de invadir espaços e se deixar invadir

Com o fato de ter estado nos dois lados da moeda da vizinhança, percebi que a gente dificilmente acha que está invadindo o espaço do outro. É sempre o vizinho que é mala, que não quer colaborar, mesmo quando somos nós os causadores da bagunça. Lembro claramente de reclamar da síndica quando ela me abordava, comentando a respeito de alguma regra que nós tínhamos infringido. Eu estava errado, mas achava que ela era a chata.

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Isso me levou a uma reflexão a respeito da noção de espaço e como dividir o meu desejo por liberdade com a necessidade de bem estar e tranquilidade dos vizinhos.

Eventualmente você também não vai conseguir ser o vizinho perfeito e vai fazer algo que pode incomodar. Nesse caso, se der uma festa que vá gerar incômodos, avise com alguma antecedência. Pergunte após o evento, se você extrapolou os limites, seja atencioso e demonstre sua motivação de não ser um problema.

Claro que também é preciso entender que, às vezes, humanos fazem suas coisas. Seu vizinho, volta e meia também vai querer ter a vez dele. Tolerância é parte essencial da convivência.

A vizinhança é um lugar que a gente cria

As cores da favela no morro Santa Marta, no Rio de Janeiro
As cores da favela no morro Santa Marta, no Rio de Janeiro

Condomínios fechados, muros altos, cercas elétricas, complexos sistemas de segurança. Queremos nos proteger em relação à violência que presenciamos e é alardeada em jornais, mas ao mesmo tempo, acabamos isolados. Perdemos a simplicidade que fazia nossos avós estenderem a mão aos vizinhos e oferecerem ajudinhas pontuais.

Claro, muitas dessas questões parecem grandes demais, totalmente fora do nosso alcance e capacidade de ação, mas a verdade é que, pelo menos em algum nível, nós podemos retomar as rédeas dos espaços em que vivemos.

Aqui mesmo, perto do QG, tem um homem que planta e cuida de flores nos canteiros das árvores que ficam nas calçadas. Perto da minha casa tem uma horta comunitária, onde as pessoas se reunem aos domingos para tomar café da manhã juntas. O Alê, amigo nosso, organiza eventos periódicos em frente à sua casa, com música, comida e bebida. Minha mãe fazia as festas de fim de ano junto com todos os vizinhos, colocando a ceia em uma mesa na calçada (e até o vizinho barulhento citado lá em cima participava). Já ouvi falar até de uma síndica monja que organizava seções semanais de meditação no prédio onde vivia.

Essas são só algumas ideias, mas dá para ir bem além do mero convívio e realizar mudanças mais significativas.

Enquanto a gente espera o governo interferir e facilitar o nosso convívio, criando espaços de encontro (Minhocão, estou olhando pra você), podemos fazer nossa parte. O High Line, em Nova Iorque, por exemplo, foi um espaço completamente reapropriado em um movimento que ganhou força pela ação de dois moradores da região. No Brasil, em São Paulo mesmo, a revitalização da Praça Roosevelt aconteceu com participação ativa de moradores, grupos de teatro, moradores de rua e vários outros frequentadores.

Você pode convidar seus vizinhos, agendar uma reunião em casa, oferecer um jantar. Fazer pequenas limpezas, mesmo que não sejam sua responsabilidade. Foque no bem estar geral.

Não precisa ser nada complexo, mas a boa intenção conta bastante e pode ser o estopim para mudar o clima da vizinhança transformando os elevadores, áreas comuns dos prédios, ruas e calçadas próximas à sua casa em verdadeiros espaços de encontro.

Para ler um pouco mais:

Mecenas: Nivea Men

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Todos os dias, ao acordarem, homens fazem o que precisa ser feito. A insatisfação existe, é verdade, mas  aprendemos, trabalhamos, caímos e nos levantamos. Suamos a camisa, em contínuo aperfeiçoamento.

Neste canal especial do PapodeHomem, teremos diálogos e debates sobre diversas questões do homem. A conversa também acontece no Facebook oficial de Nivea Men, eles tem dito coisas bem interessantes por lá.

Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no <a>Youtube</a>