Talvez você seja rico, talvez você seja pobre, talvez você goste e leia sobre economia por aí, talvez nem queira passar perto. Em qualquer desses cenários, é muitíssimo provável que, em algum momento, você tenha que interagir com o gerente da sua conta bancária. Então, esse assunto te interessa.
O email abaixo é real, não alterei nenhuma informação.
Vamos destrinchar, pedacinho por pedacinho.
"Estou com uma carta de crédito para aumento de patrimônio"
Começamos com uma tríplice clássica: CRÉDITO, AUMENTO e PATRIMÔNIO. É um jeito de abarcar muita gente. Quem não quer aumentar o próprio patrimônio?
"destinada para clientes com perfil investidor"
Seguimos com um elogio. Ninguém quer ser do "grupo endividado", mas todos querem pertencer ao "grupo investidor". Este meu cliente, no caso, não está em nenhum desses grupos, é só uma pessoa comum, sem dívidas e sem grandes investimentos, porém este pequeno elogio é fundamental. Clientes envaidecidos são mais fáceis de convencer.
Entra aqui o primeiro gatilho de escassez. Em outras palavras, o que a gerente quer dizer é: "Este presentinho é só para quem é desse grupinho especial! Parabéns por pertencer!".
"Essas cartas tinham esgotado e hoje voltaram 2 cotas"
O segundo gatilho está aqui, e este é mais forte que o primeiro. As chances da informação ser verdadeira são mínimas, porém é fundamental que o objeto da venda seja posicionado como algo especial, que tem pouco, que já tinha acabado e que, "por sorte", está disponível de novo.
"temos grande procura devido o valor baixo das parcelas"
Nossa mente, enviesada, suscetível, rapidamente se aguça. Traduzimos "a grande procura" por "vai acabar logo!" e entramos em estado de alerta. "Preciso aproveitar! Preciso aproveitar! Preciso aproveitar!"
"Devido ao seu perfil fiz uma reserva da carta no valor de R$ 110mil no prazo de 192 meses com parcelas de R$ 793,68"
Profissionais de venda sabem que pequenos empecilhos podem arruinar todo o processo, por isso é fundamental deixar claro que é tudo muito fluido, sem burocracia. "Já está tudo reservado, vai ser bem rápido".
"Posso confirmar?"
Aqui o gran finale. Ao invés de um "Você está interessado?", a vendedora utiliza o "Posso confirmar?" para que, caso você esteja em dúvida sobre o seu próprio interesse no produto ofertado, você receba esse empurrãozinho final. Na mente de um indeciso sem muito conhecimento, o "posso confirmar?" soa como "putz, ela já até reservou pra mim, é só confirmar, deve ser bom".
Subestimamos o poder que pressões sutis exercem sobre nosso sistema cognitivo. O processo de decisão, por si, já é exaustivo, e torna-se ainda mais penoso em um contexto de desequilíbrio, afinal, "ela entende muito mais do que eu, ela é a gerente, ela trabalha com isso o dia inteiro, ela deve saber o que está falando".
Alguns pontos da tabela que valem ser comentados e que, obviamente, não foram destacados na proposta:
1) Ela ressalta o valor da parcela, porém não deixa claro o valor total. É fácil de calcular: 192 parcelas de, aproximadamente, R$ 793 resultam em assustadores R$ 152.200,00. Estamos comprando uma carta de crédito de R$ 110.000,00, porém estamos pagando R$ 152.200,00.
São R$ 42.000,00 em juros, sem contar o reajuste explicado abaixo;
2) As demais taxas atreladas ao crédito não estão detalhadas. Por exemplo, ela "esqueceu" de mencionar que as parcelas serão corrigidas anualmente pelo INCC (que é o Índice Nacional de Custo da Construção). Se considerarmos um INCC médio de 5%, no décimo sexto ano (192 meses equivalem a 16 anos) a parcela será de aproximadamente R$ 1728,00. Não errei a conta, nem a digitação, são mil setecentos e vinte e oito reais mesmo.
3) A taxa de administração está listada, mas vale ressaltar por aqui: 25% do plano total! Na prática, isso quer dizer que, a cada 4 reais que você paga, 1 real fica com o banco;
4) Todo o plano será instalado em débito automático, para reduzir a possibilidade de inadimplência e tornar o processo de contratação ainda mais suave. É só dar o ok e pronto, todo dia 15 as parcelas serão debitadas.
Resumindo, é um péssimo negócio.
O nome do banco, infelizmente, é irrelevante, já que esse tipo de oferta está em todo o lugar: bancos vermelhos, laranjas, azuis, roxos, corretoras, fintechs.
Não tem jeito, a solução não vai vir do governo, não vai vir da instituição XYZ, não vai vir da boca de grande guru. Ou a gente se empodera da nossa vida financeira, busca informação e passa a encarar inteligência financeira como algo primordial, a ser cultivado todos os dias, ou seguiremos reféns, tomando rasteira e engolindo consórcio ruim e título de capitalização todos os dias.
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Nota do Editor: Eduardo Amuri é velho conhecido da casa, consultor financeiro dos bons. Vale acompanhar o trabalho dele e, em especial, conferir o curso Finanças para Autônomos, no qual ele ensina todos os truques para ter uma vida financeira mais inteligente.
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