Não sei se você já vontade de ter um bloco para chamar de seu, mas saiba de antemão que a coisa não é só confete. Não é tentativa de brochar ninguém, mas para deixar tudo bem claro: fazer festa dá trabalho. Muito trabalho.

Como praticamente tudo na vida, o Carnaval também tem dois lados. É uma via que vai para a outra vir no sentido contrário, nessa longa estrada da existência. Nesses dias em que as grandes e pequenas cidades brasileiras, capitais e o interior preparam-se para tirar a poeira da fantasia e esticar um tapete vermelho bem largo para a folia, decidimos ir atrás de quem faz a coisa acontecer.

Por mais que sua ideia faça sentido, sem suor na camisa a coisa não vai dar certo. "O conceito é o mais importante para a coisa virar. Precisa haver essa sintonia, esse amor de fazer e isso reverbera. O resto se resolve. Vai ter perrengue, mas vai encontrar meios de formatar tudo", conta o fotógrafo baiano Thiago Borba, 33, um dos criadores do Tarado Ni Você.

A musicista Alessa Camarinha, 33, do Ritaleena, usa a mesmíssima expressão para falar do começo de tudo. "Um amigo nosso está começando um projeto para bloco agora e está sofrendo para caramba e disse para ele apostar nisso. 'Aproveita e curte o perrengue, que você vai sentir falta'”. 

Como fazer o bloco funcionar, sobreviver ao perrengue, mas, sobretudo, como fazer com que o bloco ultrapasse a linha de entretenimento e chegue a ser um movimento inspirador para a cidade e para as pessoas. A receita muda de acordo com os entrevistados, mas ambos veem na festa popular muito mais que apenas desfiles, fantasias, purpurina, glitter e garrafas de catuaba Selvagem quente passadas de mão em mão.

"É preciso uma pitada de ousadia. Nem sempre vão ser legitimados. E gente não pode simplesmente aceitar. Quer fazer, é o sonho, tá pulsando em você, vai e faz. Faz a lista dos riscos, se prepara, mas não deixe de fazer. Se não a gente está entregando de volta liberdade que foi conquistada. A ousadia é essencial para vingar. Quando o público nota isso, eles sintonizam mais uma mais vez", aponta Thiago. "Carnaval tem esse caráter subversivo, que pode ser o homem vestido de mulher, de soltar os bichos que você guarda. É uma época que as pessoas conseguem ocupar os espaços em benefício da cidade. Acho o humor uma coisa muito séria, com um valor muito importante na construção da cidade", completa Alessa.

Nas próximas linhas, seguem as conversas e as preciosas dicas para que seu bloco saia do chão.

E, de quebra, leve o astral e a cidade na garupa. 

1º Bloco: 'São Paulo passou muitos anos presa atrás das portas' ou a arte de hackear proibições

O Centro de São Paulo na perdição caetaneada. (Crédito: Giselle Galvão / Tarado Ni Você)

Fundadores: Thiago Borba, 33, fotógrafo e baiano. Rodrigo Guima, 34, autointitulado social artist e Raphaela Barcalla, 29, empresária artística.
Fundação: 2013

De onde veio a ideia do bloco e como foi o processo para ela virar?

Sou baiano, mas moro em São Paulo há 10 anos. A ideia surgiu pulando o Carnaval no Rio de Janeiro com amigos e puxando músicas do Caetano por lá, mas ninguém se interessava. E isso é uma coisa do Rio, de botar o Caetano dentro do axé music, de não entender muito bem. Estava entre amigos e a gente ficava falando em fundar um bloco para poder cantar Caetano.

Dessa ideia até o bloco virar realidade foram dois anos. Era início do boom do carnaval de São Paulo. Sou fotógrafo, trabalho com isso, e aí tem aquilo: Como fazer? Nessa busca encontrei duas pessoas que se tornaram meus sócios, a Rafa e o Guima. Me faltava o lado de viabilizar, esse lado empresarial, digamos. Botamos uma campanha no Sibite, entre o final de 2013 e 2014. O Guima trabalha com intervenções urbanas e a Rafa empresária de artistas. Juntos, um pensa na planilha, outro na comunicação, outro vai com a parte artística. Nascemos na época do lançamento do “Abraçaço” também, o que acabou ajudando.

E a resposta da galera?

No primeiro ensaio, em dezembro de 2013, 2 mil pessoas foram nos ver no Minhocão. E ir para a rua foi uma grande surpresa. A gente fez uma feijoada na casa de um amigo, saímos e fomos para o Minhocão. A gente sabia muito bem que música do bloco precisaria ser uma mistura de samba reggae, ijexá, afoxé, que são os ritmos que trazem as pessoas para o Carnaval da Bahia, atrelado à uma referência marítima.

Quais as dicas vocês têm pra dar?

O mais difícil no começo é o conceito, a ideia. A gente sabia o que cantar, mas não sabia como fazer. De forma muito espontânea as coisas surgiram. Mas o conceito é o mais importante. Com o Tarado a gente entendeu muito isso. Todos nós tínhamos projetos, mas faz muito sentido quando tem uma verdade conjunta. As pessoas aderem, fala diretamente com elas. Precisa haver essa sintonia, esse amor de fazer e isso reverbera. O resto se resolve. Vai ter perrengue, mas vai encontrar meios de formatar tudo. Ah, e aí, claro: uma banda boa também. Sou baiano… Carnaval é com banda. Até o segundo ano era na base do amor. Não tinha dinheiro nem patrocínio, as pessoas compraram a ideia. A banda inteira não recebia nada para tocar. Então sempre teve um acordo: Quando tiver show na rua, descobrir os espaços públicos e dar a esse cenário uma experiência, não tinha cachê. Quando fosse evento fechado, estava tudo pago. Hoje temos patrocínio. Temos um master e um apoiador.

O que vocês fizeram que deu extremamente errado?

A escolha do lugar é importantíssimo. De preferência, onde a experiência fale mais alto que qualquer coisa. As pessoas estão buscando experiências: na música, no cinema, na gastronomia… Já tivemos experiências de fazer em espaços públicos e sempre deu muito certo. E as festas fechadas, que usamos para viabilizar o Carnaval, sempre tem uma ansiedade, dá um medo.

Olha o mar de gente. Meio Bahia, meio Caetano, totalmente São Paulo. (Crédito: Giselle Galvão / Tarado Ni Você)

E, assim, tem a coisa de festa, de empreender, de ver a coisa virar. Mas tem um outro lado. É possível fazer um bloco de Carnaval para tornar a cidade um lugar melhor?

Com certeza! No começo casou com um movimento de mudança de gestão da cidade. Começamos quando o [ex-prefeito] Fernando Haddad e com o ex-secretário [de Cultura] Juca Ferreira começaram a validar o Carnaval de rua. Um ano antes, quem botasse um bloco na rua poderia acabar preso. E foi todo um movimento daquele momento, com o nascimento dos coletivos de festas nas ruas, que a Voodoohop iniciou anos antes. Existia aí um movimento de as pessoas se encontrarem sem divisões. São Paulo passou muitos anos presa atrás das portas. Foram anos de governo pensando a cidade para carros, não para as pessoas. E dá nisso: São Paulo é uma cidade que gera amor e ódio. Falta autoestima. As pessoas falam: “São Paulo não tem cartão postal… Não tem Carnaval…” As pessoas não tem autoestima. Mostrar a cidade para as pessoas proporciona rotina diferentes. Fizemos uma festa na Lapa, na Praça Cornélia, em frente à uma igreja bucólica, que parecia uma cidade do interior. As pessoas não veem a cidade e chegam lá e se deparam com isso tudo. Isso tudo muda a experiência de cidade. Tenho amigos que não moram aqui e voltam para o Tarado porque é fora da rotina do “trabalho, trabalho, trabalho”. Carnaval é movimento de união de gente no meio do concreto.

E como deve ser a relação com a cidade?

É preciso uma pitada de ousadia. Nem sempre os blocos vão ser legitimados. E gente não pode simplesmente aceitar. A gente tem que hackear o sistema. Quer fazer, é o sonho, tá pulsando em você, vai e faz. Faz a lista dos riscos, se prepara, mas não deixe de fazer. Se não a gente está entregando de volta liberdade que foi conquistada. A ousadia é essencial para vingar. Quando o público nota isso, eles sintonizam mais uma mais vez. Não é causar, trazer transtornos para a cidade, mas entender onde hackear. Pessoas proponentes de entretenimento conseguem entregar uma boa experiência sem autorização ou legitimação e sem atrapalhar a cidade. Fizemos um evento para do Tarado para 5 mil pessoas sem autorização no túnel da Paulista e no final tivemos a liberação da CET para um show de três horas. Já era um lugar desocupado, mas não tivemos a autorização. Aí pensamos: Acatamos ou mostramos que dá para fazer com consciência? Temos um novo governo que ainda não mexeu no que foi conquistado, mas não sabemos o que vai vir por aí…

Carnaval também é proporcionar uma experiência coletiva maneira ainda maior que a tradicional "pegação"?

Acredito que sim. Principalmente se tem um conceito na coisa. Que pode ser até a pegação. Mas o conceito do bloco imprime uma atmosfera nos frequentadores do bloco. Cair na pegação pode ser um caso de transe que o bloco te coloca, por exemplo. É uma consequência. Ele não nasce daquilo. O termo “pegação” é até pejorativo. Mas Carnaval é esse momento que as pessoas se libertam. Que fazem coisas que não fazem durante o ano. Ou que ao menos não fazem para que os outros saibam. As pessoas ficam mais abertas e isso esbarra no beijo, no se amar. E aí é mais legal quando não é um “gueto”, sabe? Não é uma pegação de gays. É uma coisa mais livre, que tenha de tudo. Gay, hétero, a tiazinha que estava passando por ali… Aí é ótimo. Se todos fazem o que quiser, está ótimo.

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Além do Tarado, o que mais você indica?

O “Explode Coração”, com canções da Maria Bethânia. Assim, todas as músicas de cortar os pulsos, rs. Mas elas viram orações em ritmo de Carnaval. É o primeiro ano deles, mas nasceu com essência maravilhosa. Tem também o "Batekool", que é uma festa negra que tem um baita conceito. As pessoas que vivem na bolha do Centro não tem um acesso, mas é uma experiência maravilhosa.

2º Bloco: 'É hora de começar a pensar na experiência do seu bloco'

Solta a voz, Alessa! Rita Lee na versão brasileira puro sangue. (Crédito: Fábio Stamato)

Fundadoras: Alessa Camarinha, 33, musicista e Yumi Sakate, 35, figurinista e diretora de arte.
Fundação: 2014

Conta rapidinho a história do Ritaleena para nós?

Era um grupo de amigas muito unidas que viajávamos direto para o Rio por conta dos bloquinhos de lá e dessa relação que o carioca tem com o Carnaval. Não só lá, mas também em Salvador, por exemplo, em como cantam as ladeiras. E a gente morria de vontade de cantar o Carnaval paulista, que não fosse uma coisa de bandeiras, apenas para divertir mesmo. A ideia inicial não era de ser um grupo de protesto feminista nem nada disso. E o personagem da Rita Lee veio para catalizar tudo, na verdade. Ela é São Paulo, é mulher, é imensa e é uma voz feminina que veio gritando empoderamento e liberdade sexual pela carreira toda. É uma coisa muito passada meio de mãe para as filhas e tem um simbolismo todo muito forte. Depois de surgir o nome da Rita, começamos a fazer o brainstorm para o nome e só surgia coisa brega… Do tipo “Doce Vampiro”. Numa dessas, o namorado de uma amiga, o Bruno Magrini, quem deu a ideia do Ritaleena, essa coisa de misturar com o nome do remédio. Adoramos e ficou.

E para viabilizar a coisa?

Daí foi meio que a faca e o queijo. Eu sou musicista e a Yumi é figurinista. Saí feito louca atrás das músicas, olhei todos os discos, passando por todos as fases da Rita. E a gente sabia que tinha muita expectativa envolvida na coisa. No primeiro ano foi período para arranjo, montamos a banda. O baterista do Ritaleena me ajudou nas percussões todas. É aquilo: Se é hit tem que estar no Carnaval, então rolava sempre uma versão. Agora estamos indo para o terceiro desfile.

E tinha alguém esperto no marketing? Veio de onde o dinheiro?

Fizemos uma campanha de financiamento coletivo que deu para pagar as contas. No segundo ano tivemos patrocínio da Skol. A gente tem se mantido do patrocínio e das festas. Mas foram as empresas que vieram atrás. Para este ano nos organizamos para o plano de marketing. Foram várias empresas que não são os patrocinadores comuns da festa, as marcas de cerveja, quem nos procuraram. Mas tem uma dificuldade deles entenderem o Cidade Limpa, algumas restrições. Querem dar brinde, mas a lei não permite. Outros pedem o logo maior do que é permitido.

Qual dica você daria para facilitar a vida de quem quer botar um bloco na rua?

Vejo muito bloco encampar nicho. Mas é Carnaval, gente. O bloco precisa ser legal, engraçado, divertido. Se não tiver diversão e a coisa não for bem feita, a pessoa vai, mas não se diverte. Bem, sou musicista, então prefiro que o trabalho seja com banda, que tenha qualidade musical. Mas se não tiver legal o som, opte pelo DJ. Porque com o tempo começa uma espécie de seleção natural dos blocos. Aquela coisa muitas vezes de confiar nos amigos pode ser ruim também. Porque na hora de entregar não entregam. O Carnaval é em São Paulo e as pessoas daqui são muito exigentes. Nesse novo momento que está começando agora vamos começar a pensar na experiência do bloco: se tem banheiro, lugar para comer, uma estrutura mínima. Não é um trabalho nosso, mas entendemos que os blocos vão se profissionalizar e tem muita concorrência. Tem muita gente disposta a fazer bem feito.

O que é certeza de fazer e errar?

Não sei, viu… Carnaval é lugar para errar também. É hora de errar, sem problemas. E até agora não achamos o modelo perfeito, estamos apagando incêndio direto. Mas, por exemplo, já fizemos o maior auê para algumas apresentações que não deram tanto resultado e outras que você não faz nada demais dão tudo certo, te surpreendem. Nosso bloco está indo para o terceiro ano e parece que existe há muito mais tempo. Se tem uma ideia e está com ela na cabeça, vai lá e faz. Um amigo nosso está começando um projeto para bloco agora e está sofrendo para caramba e disse para ele apostar nisso. “Aproveita e curte o perrengue, que você vai sentir falta”.

E a relação com a cidade. Como é para vocês?

Carnaval tem esse caráter subversivo, que pode ser o homem vestido de mulher, de soltar os bichos que você guarda. É uma época que as pessoas conseguem ocupar os espaços em benefício da cidade. Acho o humor uma coisa muito séria, com um valor muito importante na construção da cidade. É sempre bom ter bom senso com a vizinhança. A cidade não é um parque de diversões para os blocos nem para o Carnaval. Não é brecha para zonear sem limites. É época de festa, de aumentar os limites, mas com respeito entre as partes sempre. Você é obrigado a dialogar com a CET, com os moradores. Carnaval é o momento que os atores do espaço público se ajudam e são parceiros numa loucura coletiva.

Uma das milhares de Rita Lee que você verá neste Carnaval. (Crédito: Raphaele Palaro / O Carnaval de São Paulo)

E a dona da festa? Vai aparecer algum dia?

A Rita sabe de tudo. Mas como ela está nessa fase de ficar na dela, não causamos com ela. Mandamos sempre as camisetas, ela acompanha. Os filhos, o empresário estão sempre ligados, sempre rolou uma comunicação muito boa. A gente acabou citado agora na biografia dela até. Foi demais!

O que vai ser do Carnaval de São Paulo?

São Paulo passou por um processo da conquista da rua nesses últimos anos e o Carnaval veio nessa onda. É uma resposta de que não vamos ficar presos no ar condicionado, no carro, uma coisa que foi muito viva durante muito tempo. Dá para ver uma mudança de pensamento. O que vem disso, vamos precisar viver. O Carnaval constrói muito. Mas como vai ser em São Paulo? As pessoas falavam se iríamos importar do Rio de Janeiro, pegar coisas de Salvador… A verdade é que São Paulo pega referência de todos os lugares. Vai ter bloco nos Jardins, mas tem um montão de blocos da periferia. São Paulo tem tudo, tem para todos os gostos. O Carnaval vai fazer esse sopão de todos os lados e aí a gente vê no que vai dar.

E o  blocos? Onde a Ritaleena vai dançar?

Olha, estou precisando aproveitar mais para conhecer. Ficam sempre tantas coisas para resolver que é difícil achar tempo para curtir. Gosto muito do “Minhoqueens”, do “Trupica, Mas não Cai”, que está cheio das marchinhas, mas tem também o “Passaram a mão na Pompeia”, o “Agora vai” e “Bloco Bastardo”. Acho que são esses, né?

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E aí? Bora botar esse bloco na rua?

De homem pra homem: como não passar vergonha nesse carnaval

Catuaba, suadeira, bate-tambor, marchinhas, beijo na boca e alegria pra todo lado. O carnaval é essa data maravilhosa na qual as pessoas põem pra fora suas fantasias e colorem as ruas com tudo o que há de melhor na vida.

Essa é a nossa série especial mensal de conteúdo, versão carnavalesca. São 4 textos ensinando como tirar o melhor do carnaval, da pegação à montagem de blocos para participar do rolê sob outra perspectiva.

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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.