“Amuri,
Sou arquiteta e me convidaram para fazer um job que, a princípio, era pequeno. Não havia valor acordado e, logo depois de contarem muito superficialmente do que se tratava, me pediram uma proposta de valor-hora. Foi a primeira vez que me vi nessa situação, geralmente cobro por projeto.
Pesquisei com alguns amigos que costumam trabalhar dessa forma e fiquei bastante desanimada: 15 reais/hora. Pensei em descartar, logo de cara, mas como era algo pequeno, resolvi aumentar 20% desse valor de mercado e aceitar. Fechamos em suados 18 reais/hora. É um dinheiro bem-vindo, claro, mas não ficaria no cheque especial se ele não entrasse.
Quando fui começar, acabei percebendo que o job é muito maior do que eu havia estimado. Vai comprometer uma parte muito significativa do meu mês. Pensei em tentar negociar (novamente), mas estou em dúvida sobre quais fatores levar em consideração, qual abordagem utilizar, etc.
Tem alguma sugestão? Qual seria a melhor maneira?
Beijo e obrigada.
Lara.”
* * *
“Me faz uma proposta”
Quem está contratando muitas vezes se vê numa posição bem confortável, já que dispõe de uma série de opções, especialmente quando se trata de um serviço não tão especializado, como é o caso da Lara, que trabalha com arquitetura. “Se ela não quiser, tem outro que vai querer”.
Já quem está no mercado, buscando trabalho, na maioria das vezes não possui muita experiência no mundo freelancer, não tem muito traquejo em prospecção de novos clientes e nem um fluxo de caixa razoavelmente organizado. Ou seja, está sempre precisando fechar negócio.
Isso faz com que a negociação se dê de maneira bem torta e possibilita o “me faz uma proposta aí”, que, no geral, prejudica quem é pego de surpresa – quase sempre o contratado.
Sem entender detalhes do projeto, dificilmente a gente consegue precificar de maneira coerente. Por mais que o ritmo do mercado seja frenético, no geral, pedir todos os pormenores e avaliar os riscos antes de começar a falar sobre preço é algo bom para as duas partes.
Talvez um negócio ou outro seja perdido por conta disso, mas assumindo uma visão menos imediatista, é só vantagem.
Nesse processo de entender melhor o pedido, a Lara provavelmente perceberia que o projeto é mais longo, e teria levado isso em conta na hora de determinar o valor.
O problema do valor-hora
O processo de valoração da hora do freelancer é muito delicado, especialmente se ele trabalha com projetos esporádicos (e não com clientes recorrentes, como é o caso dos psicólogos, fonoaudiólogos, personal trainers, etc).
Buscar a opinião do mercado, como a Lara fez, é um começo, mas não pode ser a única fonte, já que estamos experimentando um capitalismo-crescementismo-selvagem, que privilegia, de maneira drástica e bem cruel, quem tem a grana. A chance do mercado inteiro estar trabalhando a preço injusto é enorme.
Utilizar como critério de valoração o salário de um empregado formal (CLT) é outra abordagem bem comum:
Salário de arquiteto: R$ 3500,00
Horas trabalhadas: 168
Valor-hora: ~R$ 20
Essa estratégia, se utilizada sozinha, também não é boa coisa, já que o CLT conta com os benefícios trabalhistas e, mais importante que isso, conta com a certeza do salário e da continuidade do vínculo. Elaborar proposta financeira sendo freelancer é difícil porque torna-se necessário precificar a dúvida.
Uma boa precificação cruza todos os critérios, além de envolver feeling e sensibilidade para se posicionar da melhor maneira (e isso já começa bem antes de falar de preço). De todo modo, mesmo seguindo mil dicas e planilhas e guias, a missão é difícil.
Preço cobrado e valor entregue
Sempre que possível, é interessante tentar enxergar por outro prisma, mais sutil e menos “quadrado” do que a cobrança por hora (que, intrinsicamente, não tem nada de errado, mas que joga pra baixo do tapete algumas questões).
Vou dar um exemplo de um amigo que trabalha com tecnologia, e se especializou em um produto bem específico, não muito difundido no Brasil. Ele trabalha como consultor independente e presta serviço para empresas gigantes (Globo, TIM, Embratel, Oi, Claro, etc.). O valor-hora base dele é R$ 200,00 e pouca gente faz o que ele faz.
Ele foi contratado para revisar todo o plano técnico do lançamento de um produto imenso, de alcance nacional. Animado com a oportunidade e sabendo que a empresa contratante tinha dinheiro, ele ficou confortável para aumentar o passe. Pediu R$ 250/hora, e estimou que levaria 5 dias para fechar tudo, 8 horas por dia. Seriam 5 dias que renderiam R$ 10000.
É uma bela grana, ele ficou feliz, mas tempos depois começou a questionar a maneira com que estava cobrando. Explico: ele percebeu que era peça chave de um projeto imenso, um portal de internet que demorou 1 ano para ser implementado, por uma equipe de 9 pessoas.
Sem a participação competente dele, que revisou todo o plano que foi executado pelos outros 9, é muito provável que a empresa que o contratou jogasse um rio de dinheiro no ralo. Entre salários, infra-estutura e marketing, esse portal custou mais de R$ 2.000.000. E ele, que foi peça chave, recebeu R$ 10000. É muita grana? É, isso é fato. Mas passa muito longe do valor que ele entregou naquela transação.
Cobrar por hora faz muito mais sentido quando estamos falando de tarefas mais genéricas (ou braçais), o que não é o caso do amigo citado acima, nem o da Lara, que apesar de estar em começo de carreira, por não ter uma necessidade latente, pode se dar ao luxo de se posicionar com mais calma.
Negociações não são tão rígidas quanto pensamos
A gente superestima um acordo verbal, um e-mail trocado ou um aperto de mão e atribui à situação menos maleabilidade do que ela realmente possui. A Lara já tinha fechado o preço, é verdade, mas não sabia detalhes do projeto.
Não é questão de faltar com a palavra ou agir de má fé, mas, dado que era uma negociação informal e preliminar, não há problema nenhum em abrir o desconforto com o contratante. Quem contrata um freela sabe que corre esse risco.
Muitas vezes algo simples resolve: “Olha, vou ser transparente, errei na hora de definir o preço. Subestimei o trabalho e o quanto ele me consumiria. Tenho vontade de fazê-lo, mas dessa forma o acordo ficou inviável. Podemos renegociar esse valor?”.
É melhor do que bancar o experiente bem resolvido e amargar horas e mais horas de trabalho mal pago.
“Vou fazer por esse preço, só dessa vez”
É um perigo.
Em certas ocasiões é necessário – montar um portfólio, talvez, ganhar mercado –, mas no geral acaba sendo um tiro no pé. Se realmente não for possível renegociar e se a Lara não suportar ficar sem o job, uma possibilidade é, além de entregar o melhor resultado possível, deixar bem claro que o que está sendo feito está abaixo do preço justo, e que, para os próximos trabalhos o valor será diferente.
Além de ser ruim para o bolso, é bem provável que isso afete a disposição e o zelo com que o trabalho será feito. Todo mundo perde.
Para seguirmos a conversa
Para finalizar, seguem dois textos que dialogam bastante com esse e que talvez sejam interessantes para continuarmos o papo nos comentários:
E por último, deixo a pergunta: o que você faria no lugar da Lara?
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