Amigo que ganha salário mínimo, essa carta é, antes de qualquer coisa, um pedido de desculpas. Em nome de todos os profissionais envolvidos com educação financeira, eu peço desculpas sinceras por praticamente todos os textos sobre finanças pessoais que circulam na internet (alguns dos quais eu mesmo escrevi).

Os textos – e nós, autores, em grande parte do tempo – são privilegiados, moram em redomas quentinhas e arejadas e possuem um tom sutil e frequentemente arrogante, já que partem do pressuposto de que você, leitor, necessariamente integra o grupinho que pode se dar ao luxo de entrar no cheque especial porque gastou demais em roupa que não precisava, porque paga uma academia que não frequenta, ou porque extravasou no réveillon achando que o 13º daria conta da paulada.

Eu, que ganhei salário mínimo por 10 insignificantes meses de vida (quando tinha 16 anos e era sustentado pela minha mãe), não tenho me dedicado a produzir um material que te atenda. Aliás, eu questiono até se tenho capacidade para isso.

Se eu te ofendi em alguma das inúmeras vezes em que eu recriminei os parcelamentos de supérfluos em 36 vezes sem juros, peço desculpas também. Me falta sensibilidade para entender que esse é, talvez, um dos únicos meios que você encontrou para fazer parte de uma sociedade guiada por consumo. Pratico deliberadamente a empatia, mas tem hora que me falta jeito.

Uma coisa é espremer um salário de R$ 5.000,00 para fazer caber no orçamento a compra de uma TV à vista. Outra coisa é tentar fazer sobrar algo dos R$ 880 que você recebe (se você está lendo essa carta em 2016). Inflação à parte, para os que recebiam o salário mínimo na época em que ele beirava os R$ 100, deus do céu, não sei nem o quê dizer. 

Já estou tão naturalmente dentro do jogo, numa posição tão gostosinha, que tem hora que é difícil descalçar meu sapato e calçar o seu. Neste momento, estou comendo um açaí, que comprei numa barraquinha na porta aqui do prédio. Sempre compro açaí nos dias que trabalho em casa. Dos cinco dias úteis da semana, dois trabalho em casa. Gasto, então, R$ 80 por mês em açaí. Alguém que gasta o equivalente a 10% do seu salário em açaí com banana e granola definitivamente não sabe como é ser você.

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Registro aqui também, toda minha admiração. Por vezes sofro para escolher se compro isso ou se… mentira. Eu raramente preciso escolher entre uma coisa e outra. Não sou dado à ostentação, então meus rendimentos bancam meus gostos com alguma folga.

Não faço ideia de como é precisar escolher um ou dois dias da semana para comer carne. Só o ato de pensar em fazer uma escolha desse calibre já me traz desconforto. Encarar isso toda semana não deve ser fácil.

Ainda sobre este ponto, mesmo sem ter um carro, há tempos não preciso me espremer em transporte público lotado por duas horas até chegar ao trabalho. Imagino sua raiva quando algum consultor financeiro recrimina sua vontade de ter um, mesmo que para isso você precise entrar em um financiamento de 10 anos.

Deixo também meu desejo de um futuro próspero. Torço, de coração, para que de algum modo parem de ficar tentando te enfiar empréstimo goela abaixo, sem critério, dizendo que é a solução para seus problemas e utilizando a foto de algum apresentador de TV narigudo no processo de sedução. Espero que alguém piche os novos cartazes do aeroporto de Guarulhos. Vender cartão com aquela taxa de juros beira o mau caratismo.

Reitero meu compromisso de, daqui pra frente, tentar me colocar na sua posição com mais frequência, ver o mundo com seus olhos e falar sobre inteligência financeira (por favor, não desista dela) de um jeito menos segregador. Não será fácil.

Daqui do alto da minha torre de regalias, me despeço.

Um grande abraço.

Eduardo Amuri

Autor do livro <a>Dinheiro Sem Medo</a>. Se interessa por nossa relação com o dinheiro e busca entender como a inteligência financeira pode ser utilizada para transformar nossas vidas. Além dos projetos relacionados à finanças