A noite foi péssima.

Você acorda e seu celular já está repleto de mensagens.

Como não dá tempo, você tem que correr e então toma café no computador e come enquanto vai se atualizando. Nem começou o dia e você já sabe que não vai dar.

É tanta coisa que, enquanto resolve fazer uma das tarefas, você não pára de pensar nas outras. Você senta, encarando a tela do computador por duas horas e não sai nada. Ao invés disso, procrastina entre um vídeo no Youtube e outro. A sua mente está um caco.

Seu parceiro ou parceira manda mensagem pedindo um favor e você se irrita, é grosso. Será que ele ou ela não percebe que você está ocupado? Toda hora alguma coisa pra te incomodar?

Com o tempo, você não consegue mais cuidar da sua alimentação, não tem forças pra se exercitar e nem tem saco mais pros seus amigos.

Você se torna um fantasma furioso. Tudo é irritante. 

O limite, se é que você tinha algum, já passou há muito tempo. Não dá mais.

Se você se identifica com essas palavras, talvez, isso que você está sentindo tenha um nome.

O que é a Síndrome de Burnout?

Segundo a OMS, A Síndrome de Burnout é "uma síndrome resultante de um estresse crônico no trabalho que não foi administrado com êxito" e que se caracteriza por três elementos: "sensação de esgotamento, cinismo ou sentimentos negativos relacionados a seu trabalho e eficácia profissional reduzida"

Um estudo realizado pelo ISMA-BR (International Stress Management Association no Brasil) em 2018, mostra que 72% da população brasileira sofre alguma sequela do estresse, do leve ao considerado devastador. Entre esses, 32% tem a Síndrome de Burnout.

Desses, 92% declararam que sentem que não tem condições de trabalhar, mas continuam por receio de serem demitidos. E 49% também sofrem com depressão, com tendência a desenvolver a versão crônica da doença. E 90% praticam o presenteísmo – o ato de estar presente fisicamente no ambiente de trabalho, mas emocionalmente ou mentalmente distante.

Falando do que se sente no corpo, o burnout é um tipo de cansaço tão profundo e intenso que você não tem energia pra mais nada, nem pro que você gosta de fazer. É quando não importa mais o final de semana, o feriado ou as férias, porque nem assim você consegue se sentir renovado.

Algumas vezes, é difícil reconhecer o burnout. Algo em nós não quer admitir, por medo de parecer fraco, por que outras pessoas vivem situações muito mais difíceis e não têm a opção de parar, porque tem tanta gente que dá conta e não reclama. Mas, apesar da sua persistência, às vezes o corpo não aguenta mais e precisa parar. 

E ele vai te dando sinais.

Como reconhecer quando o burnout começa a se instaurar?

Cada pessoa vive o burnout de uma maneira particular, mas alguns temas são comuns, como descrito neste livro, cujo título em português seria algo como “A verdade sobre o burnout: como as organizações causam estresse pessoal e o que fazer sobre isso”.

São eles:

Um desgaste no engajamento, que é quando você percebe que o trabalho que antes era importante ou interessante agora não é mais. E, de repente, passa a ser tedioso, difícil e sem sentido.

Desgaste emocional, que é quando a empolgação, dedicação e segurança dentro do trabalho dão lugar à raiva, ansiedade e até depressão.

Desgaste de compatibilidade, que é quando a pessoa vê essa falta de encaixe como algo pessoal, mas na verdade é um problema instaurado na forma como a empresa é gerida em relação ao fluxo de trabalho.

Esses desgastes vão ganhando cada vez mais força à medida que você se sente sobrecarregado, que sente que não tem controle nenhum sobre o trabalho, que não é recompensado pelo que faz, que não se conecta mais com os colegas de trabalho, que não é tratado de maneira justa e que trabalhar com coisas que vão contra os seus princípios.

Link Youtube | Como o burnout nos torna menos criativos. Tem legendas em português, é só ativar. 🙂

Assim, você vai progressivamente caindo em uma posição de cinismo, inefetividade e exaustão.

E os sintomas emocionais começam a se somar aos sintomas físicos, como dores musculares, espasmos, pressão alta, problemas gastrointestinais, dermatites, visão turva, insônia, etc. 

Em casos mais extremos, a violência da rotina de trabalho é tão grande que as consequências podem ser um AVC, um infarto ou até o suicídio.

Burnout: os 12 degraus da exaustão emocional

Há um esquema que mapeia como a exaustão vai se instaurando, passo-a-passo. Essa ferramenta ajuda a entender, de forma bem didática, em qual estágio da exaustão você possa estar e, talvez, procurar ajuda a respeito.

Engana-se quem pensa que o burnout se inicia apenas quando o colapso se manifesta. Nos estágios iniciais, a necessidade de autoafirmação e um eventual sucesso nos esforços fazem com que as condições problemáticas sejam vistas como desafio e causam até um certo prazer. Por isso, é preciso especial atenção, pra não cair nas armadilhas iniciais.

Aqui embaixo detalho um pouco mais sobre cada um desses degraus.

1. Necessidade de autoafirmação: nesse primeiro estágio há um fascínio pela ocupação que se manifesta pela necessidade de se mostrar eficiente, de assumir responsabilidades para se destacar. O perfeccionismo é uma marca. "Vou trabalhar bem e vou fazer a diferença."

2. Trabalhar cada vez mais: Dificuldade em se desconectar do trabalho. A pessoa se esforça cada vez mais. "Vou persistir até conseguir!"

3. Desleixo com as próprias necessidades: alimenta-se mal, dorme menos, ignora o cansaço e socializa cada vez menos. "Não vejo as horas passarem. Nem sei quando foi a última vez que dormi direito."

4. Distanciamento dos conflitos e da ansiedade crescente: nota-se que há dificuldades, mas não enfrenta-se a questão real. É quando começam a manifestar-se problemas físicos como insônias, dores, mal-estar, cansaço, perda de memória e da capacidade de raciocínio e concentração. A pessoa não associa esses problemas ao trabalho. "Ah, a vida é assim mesmo. Tem que aguentar."

5. Repriorização dos valores: ocorre um distanciamento dos próprios valores, que pode incluir também afastamento da família, amigos e de outras relações outrora importantes. A vida é vivida em função do trabalho e esta se torna a única medida da autoestima. "Meu trabalho é minha vida, não posso perder tempo com bobagem."

6. Negação de problemas emergentes: começa a sentir que todos os dias são ruins e a frustração se agrava. Torna-se excessivamente crítico de todos, dos colegas aos chefes. Os contatos sociais se tornam mais cínicos e agressivos. "Aff, ninguém faz nada direito aqui, eu tenho que resolver tudo!"

7. Isolamento: passa a recusar encontros e reuniões presenciais, isola-se e dá prioridade aos contatos virtuais. "Aff, chega! Agora vou ficar quieto, entrar mudo e sair calado."

8. Mudanças comportamentais preocupantes: perde o bom humor e tem dificuldade em aceitar brincadeiras, está bastante irritável. Chegou ao limite e começa a sentir. "Sai daqui, eu não tô pra brincadeira hoje."

9. Despersonalização: torna-se cada vez mais frio e despersonalizado, as pessoas ao redor não o reconhecem. "Não vou fazer mais do que a obrigação mínima."

10. Vazio interior: sente-se desmotivado, não vê significado no trabalho e tem a sensação de que tudo é complicado e desgastante. "Estou cansado, não tenho mais forças pra isso."

11. Depressão intensifica: o desânimo se intensifica, a vida profissional perde o sentido e há consequências na vida pessoal. Chances de aprofundamento de vício em álcool, drogas, sexo, pornografia, etc. "Não tem jeito, não sei o que fazer."

12. Síndrome de exaustão emocional (burnout): há uma percepção de derrota que pode incluir o colapso físico e mental completo. Pode ser necessária intervenção médica especializada.

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Como podemos ver, os sintomas muitas vezes parecem situações corriqueiras e até naturais do ambiente de trabalho e vão se aprofundando até virarem problemas mais sérios. Claro que você vai querer evitar os mais graves, mas é importante ficar atento aos sinais mais sutis e não vê-los como uma parte normal da vida profissional.

Burnout é mais do que uma questão individual

Falando assim, até parece que a situação é culpa de uma pessoa que não tem autorrespeito e não sabe dar limites, mas olhar de forma descolada de um contexto político, econômico e cultural é deixar escapar o problema.

Nós vivemos em uma cultura na qual o trabalho excessivo é glorificado.

A busca constante pelo aumento da produtividade e dos lucros acaba forçando uma rotina de trabalho que está o tempo inteiro no limite das forças do trabalhador.

É comum ouvirmos que, se você não está dando 100% pelo seu trabalho, então, você é um preguiçoso, um fracassado. Você tem que vestir a camisa da empresa!

O mundo está repleto de empresas que impõem metas inatingíveis e disseminam a competição entre seus funcionários. Ou que posam como divertidas mas impõem cargas de trabalho abusivas sem pagamento de hora extra.

Link Youtube | Como derrotar a sociedade do burnout? Também é só ativar as legendas em português. 🙂

A solução não é simples. Ainda que se tire um tempo para se cuidar e que se procure a ajuda profissional que vai ser capaz de te tirar do estado de burnout, de nada adianta voltar ao cenário que te levou a colapsar. 

Precisamos fazer o que estiver ao nosso alcance pra encontrar um equilíbrio e isso inclui tomar melhores decisões como evitar levar trabalho pra casa, ter um horário pra parar, evitar responder mensagens, enfim, fazer menos, relaxar, dar o espaço que a mente precisa pra respirar. 

É um privilégio, com certeza, poder escolher não trabalhar tanto. Mas ao mesmo tempo, é importante encontrar um equilíbrio, lutar por ele.

Além disso, é essencial saber que essa não é uma responsabilidade apenas do trabalhador. É necessário agirmos direto na cultura corporativa, criar condições para que essas decisões não sejam punidas e lembrar aos donos de empresas que somos humanos e não apenas recursos a serem explorados. 

Precisamos lutar por leis e pela criação de instituições reguladoras que intervenham e ajudem a evitar abusos.

Mas, enquanto as condições de trabalho ainda estão aquém do ideal, não enfrente isso sozinho. Procure ajuda terapêutica. Aceite ajuda. Cuide de si. 

Fale com os outros sobre seus problemas. Compartilhe o que está sentindo com os colegas, amigos, família. Reconheça o burnout.

Quem sabe assim você pode plantar uma sementinha que algum dia pode culminar em uma vida profissional menos penosa, menos abusiva, com mais sentido.

Algumas referências para aprofundamento:

Livros sobre o burnout:

Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no <a>Youtube</a>