Embora a "verdade" tenha sido eleita a ideia que mais apanhou em 2016, vide a notoriedade da expressão "pós-verdade", uma injustiça foi cometida ao esquecerem de outro conceito que vem sofrendo um bullying violento: a bolha.

Quantas vezes você ouviu e leu no ano passado o problemão que é as pessoas estarem vivendo isoladas da vida real graças a muros de opiniões e notícias digitais feitos de suas próprias visões de mundo? A bolha é assim: ela nos isola, nos ilude, distorce o que vemos na Internet, mas tudo a partir das nossas próprias preferências. Ou, pra ser mais exato, como colocou Eli Pariser no livro The Filter Bubble, tudo a partir dos nossos hábitos de navegação na rede.

Link YouTube | a famosa palestra do Eli Pariser no Ted

Mas, embora eu concorde que é saudável dar uma variada na navegação, nas fontes digitais, nos amigos de redes sociais e, sobretudo, na vida, também acho que a bolha já apanhou o suficiente e que talvez seja hora de resgatar alguma de suas qualidades e até mesmo sua necessidade em um momento de turbulência nacional e global.

Como gancho, lembro de um debate no festival de cultura digital YouPix em 2014, num palco curado pelo finado site OEsquema, no qual o jornalista Alex Antunes contou como costumava manter seu perfil do Facebook limpo de opositores mais inflamados para poder escrever textos especulativos e contar com um debate de ideias frutífero nos comentários. A partir desse ambiente controlado, ele fermentava suas ideias para depois desenvolvê-las com mais propriedade em seu blog.

A bolha do Alex era uma bolha necessária porque ambientes inflamados podem mover corações, mas dificilmente são uma boa base para reflexões.

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É claro que esse tipo de funcionamento, a criação de uma bolha artificial para permitir a reflexão, não garante por si pensamentos mais claros ou uma rede mais diversa. Mas, para pessoas que tem uma natureza mais aberta, cujas antenas já captam de alguma forma o contraditório mas que se perdem no ruído, talvez essa fórmula traga benefícios para si e para os outros ao seu redor.

Se houve o momento de expansão, de colocar-se para fora, de pronunciar-se ativamente, quem sabe um pouco de retração seja necessário para reorganizar os pensamentos e as alianças. A criação de algumas bolhas para garantir uma temperatura mais baixa, um ar mais respirável e uma circulação mais produtiva de ideias não é crime algum. Pelo contrário, tem o predicado de quem sabe evitar alguns tapas e xingamentos absolutamente dispensáveis.

A ameaça de viver numa bolha, cercado apenas do eco de nossas própria opiniões, nunca dependeu da Internet. Pessoas de todas as classes sociais e orientações políticas moram em bolhas, trabalham em bolhas, divertem-se em bolhas. Além do mais, há bolhas benéficas – bibliotecas, alguns templos, rodas de samba, uma clínica de reabilitação, certas férias, são alguns exemplos.

A questão não é evitar toda e qualquer bolha, mas saber que elas existem, navegar através e entre elas. Aceitar as bolhas é um ato de humildade: lidar com o caos da vida o tempo todo não é para qualquer um. Precisamos de descanso, de respiro, de espaço. Ao menos por enquanto, precisamos de vez em quando de algum tipo de bolha. Que seja do tipo reflexiva, humana, ampla, criativa, questionadora, pacífica e construtiva.

Feliz Bolha Nova.

Gustavo Mini

Gustavo Mini é publicitário e músico.