As luzes apagadas não davam pista alguma, mas o balançar do carro denunciava a farra lá dentro. Os vidros embaçaram e, de quando em quando, dava pra ouvir a suspensão estalando.
No interior do veículo, a respiração descontrolada do casal parecia ressoar no planeta todo, como se qualquer um pudesse descobrir as bocas cheias de língua lá dentro, que qualquer um pudesse sentir o cheiro forte lá de dentro. Estavam se vendo secretamente há alguns meses, sempre dentro do carro na garagem da casa dela, sempre depois de os filhos já terem voltado da faculdade ou da rua.
Quando eram casados, tiveram dois garotos, hoje no começo da fase adultas, trabalhadores, estudiosos. Se separaram há 15 anos e ela nunca mais quis tentar outro relacionamento desse porte. Ele se casou novamente e desquitou mais uma vez. Depois de tanto, já não tinham a obrigação de agradar um ao outro e se espantaram ao perceber que essa foi justamente a conclusão que chegaram para sentir graça na presença um do outro.
Em um desses encontros casuais — ele precisava entregar umas coisas do filho na casa dela e a encontrou sozinha por lá — conversaram sobre como estavam se dando bem melhor que em qualquer outro tempo da vida em conjunto e como se viam presos à onipresença do relacionamento quando estavam juntos, em como não conseguiam se desvincilhar do papel de marido ou de mulher e como isso foi danoso até o osso para o que eles tinham. Eles transaram no tapete da sala naquela noite.
Ele não parou de pensar nela, ela achou maluca a súbita vontade de mandar uma mensagem pra ele. Como poderiam ter algo depois de tanto tempo, depois de tanta água passada? Ela arranjou uma desculpa para ele ir buscar algo na casa dela e, novamente, se pegaram com um fervor juvenil de dar gosto. Só que, dessa vez, um dos filhos do casal chegou em casa antes do previsto e quase os pegou nus na sala. À partir daí, deram um tempo na brincadeira, queriam refletir sobre o assunto e a melhor decisão que encontraram foi a de não ter mais nada entre eles. Oito minutos depois e eles começaram a transar de novo dentro do carro dela, na garagem mesmo, para não acordar os meninos em casa.
Motel não tinha graça, ir pra casa dele também poderia ser "perigoso". Levavam algumas noites assim, na surdina, ela fingindo levar o lixo na rua e fumar um cigarro e ele com o carro estacionado na esquina. Ela abria o portão e eles namoravam na garagem. Quando a vontade explodia de vez, entravam no carro para ter mais falta sensação de liberdade. Se sentiam dois moleques, imaginando um dos filhos passando pela garagem voltado da noitada sem perceber os dois no carro. Se atacavam com ímpeto e gargalhavam com as diferenças do sexo de antes e o de hoje, perguntavam um ao outro onde tinham aprendido aquele movimento, aquela cara, aquele xingamento. Ele ia embora na calada da noite, feito ladrãozinho, e ela arrumava os cabelos e se enrolava no roupão felpudo comprado exclusivamente para essas ocasiões, para esconder seus pecados caso algum filho acordasse e estivesse zanzando pela casa.
Ainda não queriam contar nada aos dois, não por receio de eles não entenderem, mas porque os trâmites de se esconder e guardar só pra si e planejar e curtir tudo na urgência do momento lhes era por demais delicioso pra acabar por conta de burocracias, de decoros.
O amor estava bom assim, escondidinhos.
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