E o pior é que é coisa pequena. Besteirazinha de nada, sabe, mas que, igual parceria da Anitta com o Wesley Safadão, acontece o tempo todo. Mesmo.
Já faz uns dias eu fui tomar café com um amigo. Era algo combinado, ele terminou o namoro tinha umas semanas e ainda queria sentar pra aliviar-se da lástima, desabafar pequenas epifanias, até ser guiado por outros assuntos que lhe tirassem um pouco o peso das costas e o fizesse rir um pouco. Os dois são muito queridos, o cara e a garota, a outra ponta do casal que se separou. E daí ele foi me contando das dificuldades, das últimas conversas dos dois, das tentativas de avançar de modo civilizado e quando descambava para, sei lá, troca de ofensas, uma roupa suja que respingava neles tudinho.
Trocamos um pouco, conselhos ao vento, piadinhas infames, futebol, as mazelas do trabalho, o disco novo do Kamasi Washington. Eles terminaram porque fazia muito tempo e foram se tornando pessoas diferentes das que eram no começo, quando ambos queriam banana e, hoje, ele é de maçã verde e ela de melancia. Tranquilo, era hora de pensar como cada um iria para o seu canto sem gerar mais sofrimento no outro, a partilha, para onde cada um vai, o distanciamento inicial necessário ou, no mínimo, benéfico para o andamento das conversas, da memória muscular que precisaria ser reorientada para outras rotinas à partir do afastamento. É fácil se perder nesse processo, né, meter o pé pelas mãos, falar uma coisa e fazer outra, jurar ajoelhado que não vai, mas ir, que não quer mais, e pedir.
Uma delícia desvairada.
Lá pelas tantas, tarde já caída, comentei sobre uma coisa que tinha achado engraçada no desafogo dele, que vi muita semelhança com umas resoluções que a ex-namorada também estava estruturando. Mencionei que ela lidava de um jeito específico que era interessante pro melhoramento da situação, que se os dois estivessem com a cabeça naquele lugar, seria muito mais interessante quando chegassem ali, que poderiam até seguir com a relação, com uma amizade, afinal, os dois funcionavam muito bem juntos como pessoas próximas, nas conversas, nas graças. Os olhos dele mostraram um estranhamento, a boca ficou meio rígida, como se primeiro brecasse a intenção de dizer o que o cérebro ainda não havia processado. Mas ainda assim, saiu.
Ele ficou puto por conta de eu conversar também com a garota, perguntou quantas vezes a gente tinha saído, ela e eu, não com ciúmes bobo, mas pelo fato de eu confortar alguém que ainda estava lhe fazendo tanto mal. Como poderia, justo eu, me bandear pro lado de lá. Supôs, já levado pelo delírio, que a gente, a ex-namorada dele e eu, deveríamos até confabular contra ele nesse interim. Deixei ele refletir seu próprio silêncio, engolir o que tinha na xícara, pedir mais um expresso. Ponderando, pediu desculpas e me disse que só não achava legal o fato de eu ajudá-lo de um lado da corda e correr pra fazer mesmo do outro lado. Achou incongruente a situação. "Mas muito me admira é você achar ruim alguém ajudar alguém que tava precisando de um socorro do mesmo jeito que você. Se tem alguém nessa conversa que sabe como tá ruim levar é você".
O papo seguiu.
"Mas ela era minha namorada. Vai ajudar justo ela?", ele disse enquanto procurava a razão onde não tinha. "Ela é uma pessoa. Não 'sua' namorada", pontuei antes de me levantar e dar um abraço naquela barba toda, naquela cabeça toda.
É coisa pequena, uma obviedade que quase não vale a pena escrever sobre. Quase. Só que, se a gente pega nossas lembranças e coloca em retrospectiva, acaba achando um zilhão de situações parecidas, de pessoas que veem a outra como posse, de términos que transformam o outro no inimigo, numa bagunça de conceitos que só faz criar angústia e aflição e em uma via de duas mãos. Sofre-se por ver o outro recebendo auxílio quando se está justamente sofrendo.
A conta não fecha. Mas seguimos perpetuando um comportamento infantilizado como se fosse terça-feira, o comum do comum.
O amor é uma babaquice que faz a gente ver lados. Não seja um amigo que vê lados. Não seja um amigo que deixa o amigo ver lados.
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