"Com as plantinhas você não se importa, né?, "mas e de onde você tira as proteínas?", "e quando você engravidar?", "quer dizer que seu filho não vai comer carne?".

Daqui, na linha de partida de um recém-iniciado processo de veganismo, já acumulo um punhado de questionamentos que instantaneamente me fazem pensar que a melhor resposta é um rolling eyes dos bem dados. E não sou ingênua: sei que o terreno social comum em que transitam vegetarianos, veganos e onívoros é hostil para todas as partes envolvidas. Sobram farpas, alfinetadas e indiretas e o que era para ser uma despretensiosa refeição vira campo de batalha entre filosofias alimentares. É bacon, quinoa, biomassa de banana verde e coraçãozinho de galinha arremessados para tudo que é lado.

No time dos onívoros, a tática oscila entre lançar olhares julgadores e perguntas obtusas ou fazer indagações pouco amistosas. Para os vegetarianos e veganos, a conversão à causa é o objetivo principal do entrave: faz-se o que for necessário para evangelizar mais um humano para o lado verde da força.

No cerne da batalha está, nua e crua, a mudança.

 

No começo, a novidade sempre é considerada modernosa, pra frentex, modinha. Até que deixa de ser. E aí, para quem é mais conservador, sair da zona de conforto das crenças é um aviso em letreiro luminoso que diz que ou seu caminho está errado ou, no mínimo, não é o único correto. Acontece que quando em paz com nossas escolhas ou orientações, pouco damos importância se o outro come brócolis ou se casa com pessoas do mesmo sexo ou se decide abdicar de quase tudo que tem e virar entusiasta de um estilo de vida mais minimalista.

Você vê?

Não é preciso aceitar o modo de ser e viver do outro porque não há o que ser aceito. A vida não é sua. É sobre simplesmente respeitar. Se incomoda, talvez seja o caso de olharmos para dentro e questionarmos o porquê dessa inquietude.

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O mesmo olhar empático deve ser praticado por quem decidiu tomar outros rumos. Não comer carne é também um posicionamento político, claramente, mas não podemos bancar os ativistas radicais e nos esquecermos que a alimentação tem um caráter sociocultural fortíssimo.

Os escravos, por exemplo, sentavam-se juntos para comer restos de porcos com feijão e seguimos repetindo o ritual naquele sabadão entre familiares ou juntando os amigos num churrasco de domingo pra ver o pequeno e notável Avaí golear os grandes times da série A do brasileirão. Somos dependentes da cultura e tais vínculos não se rompem facilmente. Se nossa escolha pessoal foi de acabar com o hábito fisiológico e cultural de comer produtos derivados de animais, não podemos cobrar que o outro faça o mesmo.

Da tia que insiste para você provar de novo aquele empadão de frango que já foi seu prato favorito ao colega de trabalho que fica mostrando vídeos de sofrimento animal para convencê-lo; do amigo que, em tom de brincadeira, esfrega o sanduíche de porco na sua cara àquela pessoa que fica torcendo o nariz para o ensopadinho de carne do prato ao lado: o que falta é bom-senso.

Comemos todos os dias e, em muitas das vezes, estamos acompanhados às refeições. Que saibamos, então ser mais tolerantes. A empatia e o respeito são ingredientes fundamentais, baratinhos e cheios de sabor. E o melhor: não têm contraindicações.

Gabrielle Estevans

Gabrielle Estevans é jornalista, editora de conteúdo e coordenadora de projetos com propósito. Certa feita, enamorou-se pela palavra inefável. Desde então, também mantém uma lista de pequenas coisinhas indizíveis.