"Meus amigos que só gastam com besteira. Eu sou disciplinado com dinheiro. Quase não gasto com bens materiais. Só com viagem. E isso não é gasto. É investimento."
Passei os últimos três anos conversando sobre dinheiro com grupos e eu não consigo lembrar de uma só roda de papo em que uma frase muito similar à frase acima não tenha sido falada com muito orgulho. Assim que alguém solta a pérola, mais da metade dos ouvintes concordam com a cabeça.
Em tempos de "viva seu propósito" e "a vida é muito curta para nascer e morrer em um lugar só", criamos uma ocupação paralela: além de engenheiros, carteiros, médicos, jornalistas, professores, vendedores e enfermeiros, somos sommeliers do gasto alheio.
Recriminamos quem gasta em restaurantes caros e enaltecemos quem gasta montando uma estante de livros. Criamos uma listinha do que pode e do que não pode. Televisão e carro não pode, é muito fútil. Viagem e livro pode, porque é maneiro, porque é descolado e porque "pessoas interessantes tem mais livros que sapatos".
Não nos importamos se os livros foram lidos, ou se as viagens foram, de fato, aproveitadas (para além dos compartilhamentos nas redes sociais). Basta que seja cool.
Além de possuir utilidade questionável, nosso julgamento é raso. Não consideramos o fato de que, talvez, para uns, seja realmente muito importante se vestir bem, ou ainda que, para outros, assistir um filme em uma TV imensa com seis caixas de som configure uma sexta-feira ótima.
Daqui, do alto do meu morrinho de privilégios, a impressão que dá é que dançamos por entre modelos, sem conseguir entender, de fato, que a graça está na inexistência de fórmula.
Antes sucesso era ter cargo de diretor e morar em mansão. Hoje é ter passaporte carimbado e trabalhar de bermuda. Não abolimos a propaganda de margarina, só criamos uma propaganda de margarina diferente – que nos aprisiona tanto quanto a outra.
A gente sente repulsa pelo gasto dos outros porque, lá no fundo, acha um absurdo que o outro não queira perseguir o que a gente persegue. Daí sofremos. Tendo isso em mente, fica fácil entender porque é despropositada a existência do sommelier (que pode ser você ou eu).
Comprar carro, comprar gato persa, comprar TV, viajar, comprar livro, pagar pós-graduação, pagar curso de culinária italiana, comprar cristaleira, reformar o quintal, construir churrasqueira. Tudo igualmente válido.
Se não existe regra para tocar uma vida boa – e se o dinheiro é um apoio para tal –, por que haveria de existir regra para gastar?
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