Afirmar que a monogamia é uma prisão não é uma crítica às pessoas que escolheram viver relacionamentos monogâmicos.

É uma crítica à monogamia enquanto sistema institucional hegemônico quase-compulsório, vendido por nossa sociedade, pelas religiões, pelas famílias e pelas comédias românticas como a única opção possível e concebível para se relacionar e constituir família, tachando de imorais, doentes e antiéticos todo e qualquer arranjo amoroso-sexual não-monogâmico.

Esse sistema nos convence de uma série de “verdades”. Entre elas, que só se pode amar uma pessoa de cada vez; que se amarmos realmente a-pessoa-que-está-conosco, nunca sentiremos tesão por outra; que as pessoas em um casal precisam suprir todas as necessidades afetivas, sexuais, emocionais, etc, uma da outra.

Mas nem todas as pessoas são assim.

Existem pessoas que, de fato, só amam uma pessoa de cada vez (e elas estão muito felizes em seus relacionamentos monogâmicos) mas também existem muitas que amam mais de uma pessoa de cada vez (e essas estarão mais felizes em relacionamentos não-monogâmicos).

Quando as pessoas entram em um relacionamento monogâmico não porque escolheram a monogamia entre um sem-número de possíveis arranjos não-monogâmicos que poderiam ter escolhido, mas simplesmente porque nunca se deram conta de que havia opções possíveis fora da monogamia, então, sim, nesses casos a monogamia pode ser uma prisão.

O objetivo desse texto não é falar contra a monogamia, ou criticar as pessoas que escolheram a monogamia, mas simplesmente mostrar que, ao contrário do que afirma o sistema monogâmico, existem outras maneiras igualmente válidas de organizarmos nossos relacionamentos.

Temos a liberdade de escolher a monogamia (sim, por que não?) mas também precisamos ter a liberdade de escolher qualquer uma das outras infinitas formas de viver, de amar e de transar.

A escolha é nossa.

Não-monogamia: o que é

Relacionamentos não-monogâmicos são quaisquer relacionamentos sexuais, românticos, amorosos ou afetivos consensuais, entre duas ou mais pessoas de quaisquer sexos e gêneros, que vão além da normatividade monogâmica da nossa sociedade e onde não exista a restrição aos envolvimentos com outras pessoas de fora do relacionamento.

Utilizo a expressão ampla “relacionamentos não-monogâmicos” especificamente para evitar outras expressões mais específicas, como poliamor, relações abertas, relações livres, etc. Todas essas, e outras mais, são variantes possíveis de “relacionamentos não-monogâmicos.”

 

Esse texto não é cis heteronormativo. Todos os exemplos e casos se aplicam a relacionamentos entre pessoas de quaisquer identidade, sexo, gênero ou orientação, a não ser quando explicitamente mencionado. (Alguns vão tratar especificamente das canalhices que alguns homens heterossexuais fazem com algumas mulheres heterossexuais.)

Não-monogamia: o que não é

Poligamia, poliandria e poliginia são arranjos não-necessariamente consensuais e que, por isso, muitas vezes se convertem em sistemas de dominação tão potencialmente opressores quanto a monogamia também pode ser.

Já nos relacionamentos não-monogâmicos, como definido aqui, todas as participantes, homens e mulheres, pessoas cis e trans*, pessoas hétero, homo e bissexuais, chegam e permanecem sempre em pé de igualdade: pessoas humanas adultas que podem usar e dispor de seus corpos livremente, consensualmente.

* * *

Swing se refere a uma prática sexual entre casais onde, em uma situação bem específica e bem delimitada, ambas as pessoas de um casal podem transar com outras pessoas de fora do casal.

Por isso, via de regra, o swing acontece em contextos monogâmicos, onde o tesão é justamente aquela “transgressão controlada”.

Pessoas não-monogâmicas também podem frequentar o swing (apesar de provavelmente não desfrutarem do prazer dessa pequena transgressão) e praticantes do swing também podem ser não-monogâmicas, mas uma coisa não tem necessariamente nada a ver com a outra.

* * *

Por fim, relacionamentos não-monogâmicos não são (necessariamente) putaria desenfreada.

Quem quer transar com uma pessoa por noite normalmente prefere uma solteirice desimpedida a relacionamentos, mesmo se não-monogâmicos.

É importante lembrar que um relacionamento não-monogâmico é, antes de tudo, um relacionamento. Um relacionamento com pactos, compromissos, amor, planos — e o que mais as pessoas participantes consensualmente decidirem.

O que não exclui, naturalmente, pactos de putaria desenfreada.

(O preconceito é achar que qualquer coisa que não seja monogamia é necessariamente putaria desenfreada.)

A monogamia é um sistema

Uma amiga uma vez me perguntou se eu não tinha “períodos monogâmicos” na vida e respondi que não, que eu seria completamente incapaz de viver assim.

E ela ficou impressionadíssima, como se eu tivesse dito que transava com uma pessoa diferente por dia, como se rejeitar a monogamia significasse algum tipo de obrigação ou compulsão de sair toda noite procurando alguém para fuder! (É cansativo só de imaginar uma coisa dessas!)

Mas não.

A monogamia não significa simplesmente “transar com apenas uma pessoa”.

Se fosse, a monogamia não seria tão potencialmente nociva, e eu, e a maioria das pessoas não-monogâmicas, de fato teríamos sido monogâmicas por grande parte de nossas vidas.

Mas a monogamia é o sistema. Não é apenas um pacto entre duas pessoas de só poderem se relacionar de forma amorosa, romântica, afetiva ou sexual uma com a outra, mas também um pacto público e socialmente aceito, vigiado e aplicado por toda a nossa civilização cristã-monogâmica, mantido pela família, pelos costumes, pela religião, pelas leis, inclusive pela polícia.

(Até pouco tempo atrás, quebrar o pacto monogâmico era crime tipificado no Código Civil, dava prisão, justificava divórcio, podia levar à perda de pensão alimentícia e guarda das crianças e até mesmo — se o homicida fosse homem, naturalmente — atenuava o homicídio.)

Então, se estou em um relacionamento não-monogâmico e passei um ano inteiro transando “apenas” com a pessoa-com-quem-estou (como se fosse pouco ou insuficiente transar apenas com ela!), isso não quer dizer que passei o ano monogâmico.

Pelo contrário, passei o ano tão livre quanto sempre fui, primata adulto e sexual que sou, flertando, vivendo, namorando, dispondo da minha vida e das minhas vontades ao meu bel-prazer.

Não existe segurança em nenhum relacionamento

Relacionamentos não-monogâmicos são difíceis, trabalhosos, quase impossíveis.

É duro encarar a verdade de que a pessoa-que-está-conosco é tão livre quanto nós. Que estamos sim o tempo todo competindo com todas as outras pessoas do mundo pela atenção e amor e afeto da pessoa-que-está-conosco. Que ela pode sim, a qualquer momento, escolher ser feliz, fazer amizade, confidenciar, se divertir, se apaixonar por outra pessoa e que isso não é errado, não é canalha, não é traição: é nosso direito inerente de primatas livres.

Pode ser enlouquecedor aceitar a completa e inescapável falta de segurança e de estabilidade que define a condição humana, e aceitar com tranquilidade (ou, ao menos, resignação) o fato de que a pessoa-que-está-conosco pode sim ir embora qualquer momento.

 

Mais difícil ainda é aceitar tudo isso ao mesmo tempo em que você ama de verdade essa outra pessoa (ou pessoas) com quem você está em uma relação compromissada, cúmplice, confidente, onde existem sonhos e planos compartilhados.

Todos esses perigos se aplicam igualmente às relações monogâmicas e não-monogâmicas.

* * *

A monogamia, entretanto, vende uma falsa segurança: ela diz que, se apenas formos fiéis, as pessoas-com-quem-estamos não vão nos trair nem nos abandonar.

E, apesar de todas conhecermos centenas de histórias de relacionamentos monogâmicos onde isso não aconteceu, nos deixamos levar pela esperança de que conosco será diferente e, em troca dessa aconchegante miragem, abrimos mão de nossa liberdade.

Em minha vida, pelo contrário, prefiro encarar esses riscos: aceito a insegurança inerente a qualquer relacionamento.

Não valeria a pena trocar liberdade por segurança nem se a segurança fosse possível.

Mas não é. Não existe segurança.

Sexo não é um jogo de soma zero

Se estou longe e a pessoa-com-quem-estou transa com alguém… por que isso é um problema?

Se esse tal alguém foi à minha casa e comeu uma maçã, eu de fato fiquei com uma maçã a menos. Se transou com a pessoa-com-quem-estou… fiquei com menos o quê? Sexo não é um jogo de soma zero: essa transa a mais para a pessoa-que-está-comigo não significou uma transa a menos para mim.

Por que seria uma terrível traição a pessoa-que-está-comigo passar a tarde transando com alguém mas não, digamos, jogando tênis ou vendo tevê ou cozinhando com essa mesma pessoa?

A melhor resposta é “porque havia um acordo de não fazer isso” e eu concordo plenamente que os acordos, desde que estabelecidos de forma livre e consensual, devem ser mantidos.

Mas por que esse acordo?

Por que a possibilidade de as pessoas-que-estão-conosco transarem com outras pessoas é um problema tão grande que é necessário um acordo específico para evitar que isso aconteça?

A importância excessiva do sexo na monogamia

Uma objeção comum aos relacionamentos não-monogâmicos:

“Se a pessoa com quem estou puder sair com outras, então aumentam as chances de ela me largar.”

Esse comentário é repetido com tanta frequência que talvez soe até autoevidente para muitas das pessoas leitoras.

Para os meus ouvidos, porém, soa tristíssimo. Tenho vontade de abraçar essa pessoa e dizer:

“Você é menos pior do que se imagina, e a pessoa-com-quem-está é menos leviana do que você pensa.”

* * *

Pois, para fazer esse comentário, uma pessoa precisa presumir duas coisas:

Que ela é pior e menos desejável do que a média da humanidade. Logo, se a pessoa-com-quem-está sair com outras, será provavelmente com gente melhor que ela.

Que a pessoa-com-quem-está é leviana e superficial, pois seria capaz de abandonar o relacionamento (e toda sua cumplicidade conquistada e companheirismo compartilhado) somente por ter encontrado alguém melhor de cama – como se fosse o sexo a única cola a unir o casal.

* * *

Bons relacionamentos, cúmplices, companheiros, carinhosos, são muito difíceis de encontrar.

A lógica monogâmica diz que não podia estar saudável um relacionamento que termina porque uma das pessoas transou fora – pois, se estivesse, não teria havido esse desejo sexual por uma terceira.

Não quero de modo algum atacar a monogamia (o raciocínio acima é perfeitamente válido) mas apenas mostrar que existem outras lógicas de relacionamento, outras maneiras de pensar o afeto, outros jeitos de encarar as mesmas questões amorosas.

A lógica não-monogâmica, por sua vez, diz que não pode estar saudável um relacionamento que termina porque uma das pessoas transou fora – pois, se estivesse, não teria terminado por uma besteira dessas.

* * *

Na mídia, as pessoas não-monogâmicas são geralmente representadas como “libertinas insaciáveis que só se importam com sexo.”

Mas, pelo contrário, são as leis e costumes das sociedades monogâmicas que colocam o sexo no centro dos relacionamentos, que legislam que um casamento pode ser anulado se não houver sexo, que consideram o sexo dito “impróprio” como justificativa válida para separar famílias e até mesmo atenuar homicídios – a famosa “legítima defesa da honra”.

Um relacionamento comprometido é um vasto mecanismo composto por histórias compartilhadas, planos futuros, famílias entreligadas, vivências comuns, etc.

Entre tantas peças constitutivas do mecanismo, por que priorizar e quase sacralizar justamente o sexo?

A importância relativa do sexo na não-monogamia

Como toda atividade que envolve pessoas, o sexo pode ou não ser importante, dependendo da importância que nós, pessoas humanas, damos a ele. A importância não está no ato, mas em nós.

Ir na padaria da esquina pode ser a experiência mais rotineira e desimportante do mundo (como o sexo pode ser rotineiro e desimportante) e também a mais linda e transcendental do mundo, como no dia em que conheci a pessoa-com-quem-estou na fila da padaria e isso mudou nossas vidas (assim como o sexo pode ser incrível e transcendental e mudar nossas vidas).

* * *

Ao atribuir ao sexo uma importância compulsória, o sistema monogâmico acaba estigmatizando tanto as pessoas que praticam relações de sexo mais casual, sem necessariamente envolvimentos amorosos ou sentimentais, quanto as que não sentem atração sexual e levam suas vidas em grande parte sem sexo, as hoje chamadas “assexuais”.

Pois se o sexo é algo importante e mágico por definição, se o sexo é o que define o companheirismo, o afeto, a cumplicidade, então essas pessoas, seus estilos de vida, seus relacionamentos, são todos de segundo escalão.

É como se o sistema monogâmico tivesse arbitrariamente instituído uma quantidade ótima de sexo que cada pessoa deve fazer: quem faz mais é “vadia”, quem faz menos é “loser”, mas o número mágico em si nunca é revelado.

* * *

Afirmar que sexo não é importante por definição não é afirmar que o sexo não é possivelmente perigoso ou fatal.

Dirigir também pode ser perigoso e fatal (assim como o sexo) e, por isso, precisamos de todo um aparato de segurança, como carteira de habilitação e cinto abdominal dianteiro (ou camisinha e testes de HIV), mas isso não quer dizer que dirigir seja “importante” – pelo menos, não do jeito que o sistema monogâmico vende que o sexo é “importante”.

Assim como afirmar que sexo não é importante por definição não quer dizer aprovar que as pessoas usem ou objetifiquem ou desrespeitem umas às outras durante o sexo.

Não é necessário considerar uma atividade “importante” para agir de forma respeitosa com as pessoas que praticam essa atividade conosco.

Toda atividade em que pessoas estejam envolvidas deve ser praticada com cuidado, com respeito, de forma consensual, reconhecendo a humanidade, os limites e a liberdade de escolha das outras pessoas que estão desenvolvendo essa atividade com você, seja abrir uma empresa, jogar vôlei ou fazer uma suruba.

Viver de forma plena a não-monogamia também significa reconhecer que todas as pessoas têm o direito de atribuir ao sexo a importância que desejarem, e que nada disso nos exime da obrigação de tratá-las com respeito.

Os riscos de sermos trocadas

Muitas pessoas monogâmicas me fazem o seguinte comentário:

“Se a pessoa-com-quem-estou transar com outra, aumentam as chances de eu ser trocada, não?”

* * *

Se a pessoa-que-está-comigo sentir interesse, tesão, paixonite por alguém fora do nosso relacionamento e transar com ela dentro das regras do nosso pacto não-monogâmico, existe a possibilidade de ela me trocar por essa pessoa.

Mas se a pessoa-que-está-comigo sentir interesse, tesão, paixonite por alguém fora do nosso relacionamento e não transar com ela por respeito às regras do nosso pacto monogâmico, também existe a possibilidade de ela me trocar por essa pessoa.

A grande maioria das pessoas que escolhe a monogamia parece calcular que as chances de rejeição no primeiro cenário são autoevidentemente muito maiores do que no segundo cenário.

Quanto a mim, confesso não ter dados para quantificar qual cenário é mais “arriscado”: dependeria das pessoas envolvidas, do momento que estão em suas vidas e em seus relacionamentos, de muitos fatores imponderáveis.

Naturalmente, se não é possível saber quais são as chances de rejeição em cada tipo de relacionamento, também não é possível saber se uma transa fora do relacionamento por parte de uma pessoa aumenta ou diminui as chances da outra pessoa ser rejeitada.

Vivo relacionamentos não-monogâmicos porque, na impossibilidade de determinar qual cenário é mais “arriscado”, prefiro sempre errar em prol de mais liberdade para mim e para as pessoas que escolhem se relacionar comigo.

* * *

Um dos tantos fatores imponderáveis que tornam o cálculo desse risco impossível é como eu me comparo em relação às outras pessoas.

Em certa medida, o medo que sentimos de ser trocadas se a pessoa-que-está-conosco transar fora do relacionamento é inversamente proporcional à nossa autoestima.

Afinal, se me considero “abaixo da média” (o que quer que isso seja!), então, se a pessoa-que-está-comigo transar fora provavelmente será com alguém “melhor” que eu e, portanto, as chances de eu ser trocada são maiores.

Por outro lado, se me considero “acima da média”, posso presumir o oposto: que ao transar com outras pessoas, ela vai dar ainda mais valor a mim, ao nosso relacionamento, a nossa cumplicidade, à nossa história.

* * *

Outro dos fatores imponderáveis é o quão leviana e superficial eu considero a pessoa-que-está-comigo.

Pois, se tenho confiança nela, no nosso relacionamento, em nosso carinho, em nossa história compartilhada e em nossos planos futuros, então também tenho confiança de que não vai jogar fora tudo isso que construímos juntos só por uma foda – por melhor que seja a foda.

* * *

Cabe também problematizar essas noções competitivas de “melhor foda”, “acima da média”, etc.

O que seria isso? Quais seriam os critérios? Existiria uma medição assim tão objetiva?

Muitas vezes, o que faz o sexo ser “melhor” ou “pior” tem pouco a ver com a mecânica em si do ato sexual e tudo a ver com as emoções, as expectativas, o carinho, o afeto, a confiança que trazemos para a cama.

Além disso, um relacionamento é muito, muito mais do que sexo, bom ou ruim, acima ou abaixo da média.

Nada impede a pessoa-que-está-comigo de transar com alguém “melhor de cama” do que eu e, ainda assim, continuar comigo, porque gosta do jeito como leio histórias para ela dormir, porque sente falta do meu toque, porque valoriza toda uma vida de casal que construímos juntos.

Então, ela pode manter o relacionamento comprometido que tem comigo e, ao mesmo tempo, também continuar transando com o tal pessoa “melhor de cama” do que eu, estabelecendo com ela um outro relacionamento ou não. E, quem sabe, também pode sair com outra pessoa, “pior de cama” que todas, mas que faz aquela coisa com a língua que só ela sabe fazer. Ou, para não ficarmos apenas no sexo, também pode sair com uma pessoa com quem ela nem transa, mas com quem adora dormir agarradinha e assistir filme comendo pipoca no sofá. Ou pode não sair com ninguém.

Por que não?

Na verdade, a maior dádiva que os relacionamentos não-monogâmicos nos oferecem é justamente, quando sentimos interesse romântico ou sexual por mais de uma pessoa, a possibilidade de não ter que escolher: podemos nos dar o direito de nos relacionar com ambas.

* * *

Nunca houve um bom relacionamento que terminou. Relacionamentos terminam porque uma ou mais pessoas estão infelizes ou insatisfeitas, e porque falta vontade ou capacidade para resolver essas questões.

Então, se a pessoa-que-está-comigo não quiser mais ficar comigo, seja para ficar com outra pessoa ou para ficar sozinha, essa mudança, apesar de dolorosa, é provavelmente mudança positiva, ou para ela ou para mim, ou para ambos.

Eu me sentiria a pessoa mais egoísta e menos generosa do mundo se quisesse manter ao meu lado alguém que já concluiu que sua vida estaria melhor sozinha ou com outra pessoa.

Nada disso quer dizer que não vou sofrer como um cão, chorando na sarjeta, uivando para a lua. Mas o meu luto é problema meu, não da pessoa-que-esteve-comigo.

Novas pessoas não tiram, só acrescentam

Muitas vezes, nas relações monogâmicas, um sexo quente e clandestino na hora do almoço pode fazer com que uma pessoa recupere o desejo há muito perdido por seu cônjuge.

Pois o sexo e amor, como já foi dito, não são jogos de soma-zero. Quanto mais amamos, mais amor temos para dar. Nada desperta tanto o tesão quanto mais tesão.

* * *

Quando eu ou a pessoa-que-está-comigo voltamos de estar com outras pessoas, além de trazermos novas experiências e novas histórias, talvez um novo jeito de dedar, talvez uma nova perspectiva sobre a vida, também estamos renovadas e cheias de tesão, livres e felizes.

Todas as pessoas com quem as pessoas-com-quem-eu-estava já se relacionaram, longe de me “tomarem” algo ou de me prejudicarem de qualquer maneira, me adicionaram vivências lindas e incríveis. Muitas delas acabaram se tornando algumas das pessoas que mais gosto nessa vida, seja como amigas, amantes ou, por que não?, ambos.

Afinal, já temos um enorme ponto de contato: o bom-gosto da pessoa que nos escolheu.

Como lidar com o ciúme

De vez em quando, algumas pessoas me dizem:

“Adoraria viver relacionamentos não-monogâmicos, só que tenho muito, muito ciúme. Como faço pra me livrar dele?”

Mas não existe nada de errado com o ciúme. É uma emoção como outra qualquer. A questão é o que fazemos com ele.

Vamos lidar com o nosso ciúme nós mesmas, como pessoas adultas e dotadas de autocontrole, ou vamos usá-lo para atormentar, controlar, violentar as pessoas com quem estamos nos relacionando?

E pergunto:

“O que você faz quando sente muita, muita vontade de dar um tapa num colega de trabalho que foi cretino com você?”

“Nada, né?”

“Pois bem. A resposta é essa. Não tem atalho. Não tem simpatia onde você possa dar três pulinhos e a raiva ou o ciúme vão sumir. Se você acha que é errado dar tapas em colegas de trabalho ou submeter a pessoa-que-está-com-você aos seus ataques de ciúmes, a única solução é simplesmente não fazer isso.”

* * *

E cabe nos perguntarmos: de onde veio esse ciúme obsessivo que nos habita? Será que já nascemos pessoas naturalmente ciumentas? Ou será que esse ciúme é construído por toda uma cultura que nos ensina desde crianças a sermos possessivas, acumuladoras, egoístas?

O que construíram dentro de nós também pode ser desconstruído por nós.

As dificuldades do caminho menos trilhado

Quem quer viver uma relação monogâmica tem todo o apoio da moral conservadora, encontros de casais em Cristo, colunas de relacionamento em jornais, livros de autoajuda, conselhos da vovó.

Quem abre um novo caminho não tem esses luxos.

As pessoas não-monogâmicas, quando temos problemas em nossos relacionamentos (e são muitos, a vida na fronteira é dura e complexa), não podemos usufruir da sabedoria acumulada das suas avós, a Bíblia não colabora, as colunas sentimentais e livros de autoajuda sempre presumem a monogamia e até as pessoas do nosso círculo de amizades, quando abrimos coração e expomos nossas vulnerabilidades e inseguranças, fazem comentários insensíveis e indesculpáveis como

“Viu, é por isso que não dá certo! Por que você não faz que nem todo mundo e pronto? Não seria mais fácil?”

Além de todas as dificuldades do caminho menos trilhado, ainda querem nos puxar de volta para a estrada principal. De onde efugimos conscientemente.

As pessoas não-monogâmicas não temos quem nos diga o que é certo e errado, moral e imoral: precisamos escrever, todo dia, com nossa consciência e nossos atos, o nosso próprio livro de regras. Cada passo tem que ser dado como se o mundo tivesse sido criado ontem. Cada rodinha tem que ser reinventada do zero.

De vez em quando, me acusam de ficar “reafirmando” meu estilo de vida, como se estivesse me gabando, como se fosse inseguro, como se quisesse convencer os outros.

Mas todas as forças do mundo nos impelem a nos conformar, a nos transformar no padrão que exigem de nós, a nos moldar em pais de família trabalhadores, consumidoras monogâmicas, heterossexuais conservadoras.

Ser quem queremos ser é uma luta diária, um exercício constante de batermos o pé, nos recusarmos a sermos coagidas, articularmos quem desejamos ser — e, então, e essa é a parte mais difícil, efetivamente SERMOS essa pessoa.

Quem está sendo o que a sociedade espera que seja não precisa se autoafirmar.

Quem está na contramão precisa.

É necessário articularmos sempre o nosso caminho — justamente para não sair dele.

Relacionamentos que funcionam

Escuto muito: “relação não-monogâmica não funciona.”

Algumas vezes, quem diz isso são pessoas que experimentaram uma ou mais relações não-monogâmicas, tiveram variados problemas e, então, voltaram à monogamia.

Respeito as opiniões e vivências dessas pessoas, mas gosto apenas de acrescentar que não é que “relações não-monogâmicas não funcionam”, e sim que relações não-monogâmicas não funcionaram para elas naquela fase específica de suas vidas.

 

Senão, eu também poderia dizer, bastante convicta, que cursar faculdade de engenharia ou ter filhos também são coisas que não funcionam – somente por eu saber que são coisas que não funcionam para mim, por causa de minhas próprias limitações de temperamento e de experiência de vida.

* * *

Em grande parte das vezes, entretanto, quem diz que “relação não-monogâmica não funciona” são pessoas que nunca tiveram nenhuma vivência desse tipo de relacionamento, nem nas próprias vidas, nem nas vidas de pessoas próximas.

De onde será que vem essa certeza de que um estilo de vida sobre o qual sabem tão pouco “não funciona”?

* * *

Nas vidas das pessoas à minha volta, testemunhei um número literalmente incalculável de relacionamentos monogâmicos desfuncionais, violentos, abusivos e infiéis.

Entretanto, nada disso me permite afirmar que “a monogamia não funciona” e sim que esses relacionamentos, entre essas pessoas, nesses contextos, eram desfuncionais, violentos, abusivos e infiéis.

Quando digo que a “monogamia é uma prisão” não é porque ela funciona ou não funciona, mas porque ela se apresenta como a única opção concebível para organizarmos nossos relacionamentos, relegando todos os outros tipos possíveis de relacionamentos à marginalidade.

* * *

O que significa dizer que um relacionamento, ou um tipo de relacionamento, não funciona?

Um relacionamento que funciona com uma pessoa não funcionaria com outra. Um relacionamento que funciona em uma fase da nossa vida não funcionaria em outra. As variáveis são infinitas.

No fim das contas, porém, eu teria que dar o braço a torcer: sim, relacionamentos não-monogâmicos não dão certo.

Mas os relacionamentos monogâmicos também não dão certo.

Porque fundamentalmente nada dá certo: vivemos vidas repletas de dor e de confusão, eternamente buscando por conexões humanas sempre efêmeras, até que todas morremos, inclusive o sol e as estrelas, que vão se apagar uma a uma.

A questão é outra: no pouco tempo que temos disponível para viver e amar, qual é o tipo de relacionamento que nos parece mais adequado para viver com aquelas pessoas específicas, naquelas situações específicas, naquelas fases específicas de nossas vidas?

Para onde estão indo os relacionamentos

Existe uma pessoa que eu amo.

Essa pessoa é um ser independente, livre para beijar (e jogar bola), transar (e cozinhar), amar (e fazer ioga) com quem ela quiser.

Ela não tem compromisso algum comigo, com exceção dos compromissos fluidos que decorrem da amizade e do afeto compartilhados.

Ela me acompanha em muitos momentos e não em outros.

Quando está comigo, é sempre lindo.

(Pois muito antes de começar a ficar não-lindo, uma de nós já vai para sua própria casa.)

Quando não está, duas coisas acontecem:

Em primeiro lugar, sou feliz de outras maneiras, com outras pessoas, fazendo outras coisas. Embora eu a ame, não preciso dela para ser feliz. E nem ela de mim. Isso é libertador.

Em segundo lugar, confirmo ainda mais que a amo. Sinto falta dos seus ossinhos protuberantes do quadril, do seu jeito de bizarro tomar de limonada com sal, de beijar seus pés até ela dormir, de ser acusado de romantismo quando escrevo textos como esse.

Então, quando ela escolhe voltar para os meus braços, sem que nenhum compromisso ou obrigação nos una, quando poderia estar em qualquer lugar fazendo qualquer coisa com qualquer pessoa, eu me sinto amado, mesmo que ela negue.

(Não acredito no que as pessoas dizem, acredito no que fazem. Se ela diz que não me ama, pois não acredita que exista isso de “amor”, mas se comporta como se me amasse, se preenche todas as minhas expectativas em relação a como deveria se comportar a pessoa-que-está-comigo para que eu me sinta amado, então, na prática, na realidade, do modo mais concreto possível, eu me sinto amado.)

Quando me sinto amando muito, às vezes tenho rompantes de “levar o relacionamento para a próxima etapa”.

Mas essa ânsia não resiste a três segundos de reflexão.

Afinal, de onde vem essa minha certeza tão profunda de que relacionamentos sempre precisam progredir, avançar, evoluir, atingir metas? Progredir, avançar, evoluir… em direção a quê? Atingir metas… quais?

Morar junto, noivar, casar, ter o primeiro filho, comprar uma casa?

Nem eu nem ela queremos nada disso. Nada disso nos parece minimamente desejável.

Confesso que ainda tenho dentro de mim essas vontades súbitas de “ir a algum lugar com o relacionamento”, mas, quando olho pra frente, não existe nenhum lugar para onde eu queira ir.

Já estou no melhor lugar onde poderia estar.

O medo de perder pessoas

Quando publiquei o texto acima pela primeira vez, muitas pessoas me perguntaram:

“Mas, Alex, você não tem medo de perdê-la?”

E respondo que sim. Claro. Muito. Eu me pélo de medo. Todo dia. Todo santo dia. Todo.

Mas e daí? Qual seria a solução?

Se tivéssemos uma relação monogâmica em vez de não-monogâmica, o risco de perdê-la seria o mesmo.

Se fôssemos casadas em vez de solteiras, o risco de perdê-la seria o mesmo.

Se morássemos juntas em vez de em casas separadas, o risco de perdê-la seria o mesmo.

Se ela estivesse presa a mim por um contrato assinado em cartório, por promessas feitas na empolgação do flerte e por todas as convenções românticas da nossa sociedade, ainda assim o risco de perdê-la seria o mesmo.

Quase todos os relacionamentos que conheço prendiam as pessoas umas às outras com todas as algemas ilusórias acima… e quase todos acabaram.

Pior ainda, muitos dos que não acabaram (teoricamente, os que deram certo) deveriam ter acabado. As falsas algemas serviram não para garantir a felicidade do casal mas para prender um corpo morto a outro, duas pessoas quase estranhas hoje unidas apenas pelo cheiro de carne podre.

Então, sim, tenho medo de perder a pessoa-que-está-comigo.

Mas tenho ainda mais medo de eu me perder dela e ela se perder de mim, e continuarmos juntos… só porque assinamos um papel, só porque temos uma filha, só porque moramos no mesmo apartamento e não temos para onde ir, só porque daria muito trabalho desfazer a empresa que abrimos juntas.

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* * *

Nenhum grande amor merece virar um triste arremedo de si mesmo.

É natural que tudo acabe. Nosso grande amor vai acabar, depois nossas vidas, depois nossas línguas, nossos países, nosso planeta, até nosso sol. (Esse processo não é nem bom nem ruim, nem triste nem feliz, nem desejável nem indesejável. Ele só é. Ele é a definição do que é “natural”.)

É compreensível que tenhamos medo dessa entropia insaciável que, minuto a minuto, nos consome e também consome tudo o que conhecemos e que, finalmente, vai apagar todas as estrelas uma a uma.

O que não é aceitável é nos escravizarmos, nos acorrentarmos, nos enlouquecermos umas às outras para fugir do medo e da entropia, da morte e do fim.

Então, sim, tenho medo de perder a pessoa-que-está-comigo.

Mas isso não muda nada.

Precisar de pessoas

Muito tempo atrás, a pessoa-com-quem-eu-então-estava me perguntou, em tom de desafio:

“Você precisa de mim?”

E dei a única resposta possível:

“Não. Não preciso de você e nem você de mim. Somos duas pessoas adultas e independentes que se sustentam. Eu te amo muito e estou com você por escolha própria. Quando nosso relacionamento fatalmente terminar, seja por iniciativa minha, sua ou mútua, eu vou sofrer e ficar triste (porque te amo e escolhi estar com você, mesmo que tenha depois desescolhido ou sido desescolhido) mas, em breve, a vida vai voltar ao normal, e vou conhecer outra pessoa, e vou dar outro primeiro beijo, e serei feliz novamente. Então, não, meu amor, não preciso de você para nada.”

Ela não gostou da resposta e me acusou de “não ser nada romântico”, como se isso fosse uma falha de caráter.

* * *

A pessoa-que-hoje-está-comigo, uma vira-lata que não acredita no amor, frequentemente me acusa de ser “muito romântico”, como se isso também fosse uma falha de caráter.

Confesso: às vezes, quando dá três da manhã na minha alma e bate uma insegurança avassaladora e constitutiva, eu sinto sim uma vontade louca de que ela de fato precise de mim, de maneira física e visceral, para que nunca, nunca vá embora!

Mas, logo depois, eu me dou conta: como poderia ser saudável um relacionamento baseado em um desejo assim tão violento e doentio?

Não quero que a pessoa-que-está-comigo precise estar comigo: quero que ela queira estar comigo. E, quando não quiser mais, quero que ela esteja onde ela quiser estar, não atrelada a mim porque precisa, porque sofre de algum tipo de carência patológica e paralisante que lhe faz não ver sentido na vida fora do nosso relacionamento.

Hoje, também tomei a decisão de não me envolver com pessoas que precisem de mim: quero a segurança de saber que a pessoa-que-está-comigo está comigo por vontade própria e que se sente livre e capaz de ir embora a qualquer momento.

A ética das relações não-monogâmicas

A possibilidade de se viver abertamente relacionamentos não-monogâmicos é uma das grandes conquistas político-sociais das últimas décadas (especialmente para as mulheres).

 

Entretanto, é importante ficarmos atentas para as pessoas (especialmente homens) que tentarão se utilizar desse discurso para justificar comportamentos desonestos e abusivos.

* * *

O principal fator que separa um relacionamento potencialmente abusivo, desonesto, infiel, etc, de um relacionamento não-monogâmico é um pacto prévio consensual articulado explícito.

O que define que você está em um relacionamento não-monogâmico é JUSTAMENTE esse pacto prévio consensual articulado explícito.

Se uma das pessoas acha ou jura ou afirma que está em um relacionamento não-monogâmico mas a outra não, se essa questão nunca foi explicitamente articulada e decidida, então, não, não estão.

* * *

Se você tem um relacionamento, transa com outras, a pessoa com quem você está descobre e continua no relacionamento, e você continua transando com outras, mas vocês nunca tiveram uma conversa explícita sobre limites, segurança, pactos, etc, então, não, o que vocês têm NÃO é um relacionamento não-monogâmico.

(Por mais que você ache que a outra pessoa aprove — senão, teria ido embora! — você é só uma pessoa que trai a pessoa com quem tem um relacionamento.)

* * *

Se existe qualquer possibilidade de mal-entendido sobre se ambas as pessoas estão em um relacionamento não-monogâmico, então não é.

* * *

A razão disso é simples: os relacionamentos monogâmicos são a norma na nossa sociedade. Por isso, eles não precisam necessariamente ser articulados explicitamente. (Embora é bom que sejam.)

Se duas pessoas se encontram, ficam, transam, transam de novo, transam de novo, começam a sair socialmente e encontrar as pessoas amigas umas das outras, e assim sucessivamente, pode bem ser que nunca articulem de forma explícita “sim, estamos namorando”, pois já terão entrado “naturalmente” nesse estado aos olhos delas mesmas e da sociedade que lhes rodeia.

Pelo mesmo motivo, se uma delas faz tudo isso com a outra (e continua transando com terceiras sem essa primeira pessoa saber) então, sim, é infidelidade.

Mentir não é só uma ação, mas também uma omissão. Eu me comportar de maneira a gerar uma impressão que sei ser errônea em outra pessoa também é mentira.

Em nossa sociedade, tudo no comportamento acima presume que as duas pessoas estão em uma relação monogâmica. Então, é desonesto eu criar na outra pessoa essa “impressão de monogamia”, continuar transando com outras e depois ainda me autojustificar dizendo:

“Ué, nós nunca combinamos que estávamos num relacionamento monogâmico!”

A monogamia, como é o relacionamento default da nossa sociedade, não precisa ser explicitamente articulada.

A não-monogamia precisa.

Por isso, duas (ou mais) pessoas só estarão vivendo um relacionamento não-monogâmico se ambas souberem e afirmarem que estão vivendo esse tipo de relacionamento, se tiverem um pacto prévio consensual articulado explícito regulando os limites de cada uma e se houver uma constante disposição para conversá-lo, negociá-lo, redefini-lo.

* * *

Há mentiras em qualquer tipo de relacionamento, mas a não-monogamia retira grande parte dos incentivos para enganar, trair, se esgueirar.

* * *

Outro dia, um homem me contou que estava acabando de sair de um casamento aberto de dez anos. Tinha tido várias relações fora do matrimônio e imaginava que a mulher também, mas ele não falava sobre os dele e ela não falava sobre os dela, e tinha sempre ficado por isso mesmo.

 

Já no primeiro encontro com a futura esposa, aos dezesseis anos de idade, ele afirmou que nunca toleraria um relacionamento que fosse monogâmico. Segundo ele, a moça pareceu não gostar muito e desconversou (era o primeiro encontro!), eles nunca mais falaram nisso, continuaram saindo, depois namoraram, casaram, ficaram juntos dez anos.

(Tenho sempre alguma prevenção contra esse discurso do “eu sou assim, o mundo que se adapte!” O que poderia ser mais egocêntrico?)

Perguntei, para confirmar:

“Que você saiba ela nunca teve outros relacionamentos?”

“Não.”

“Vocês nunca mais falaram sobre relacionamentos não-monogâmicos depois daquela primeira menção em um primeiro encontro quando ambos tinham dezesseis anos?”

“Não, ué. Precisava? Eu já tinha dito que pra mim a monogamia era intolerável.”

E fui obrigado a dizer:

“Olha, o que você viveu não tem nada a ver com um relacionamento não-monogâmico. Você simplesmente passou dez anos traindo e mentindo para sua esposa. Aliás, como tantos homens.”

 * * *

Os homens sempre tiveram o direito de pular a cerca à vontade e, quando são descobertos, a sociedade ainda cai de pau… nas mulheres!, dizendo que têm que perdoar, pelo “bem da família”, porque “homem é assim mesmo”, etc.

Já as mulheres, quando transam fora do relacionamento, viram sinônimo de perversidade e, até pouco tempo atrás, podiam inclusive ser legalmente mortas, e isso tinha até nome, “legítima defesa da honra”, como se a honra do homem residisse no órgão sexual da mulher.

Por isso, um dos objetivos da instituição “relacionamento não-monogâmico”, como foi concebida e estabelecida no século XX e praticada até hoje, é justamente virar esse jogo:

1. As mulheres ganham o direito de também fazer aquilo que os homens sempre fizeram.

2. Os homens continuam fazendo o que sempre fizeram, mas agora dentro do contexto de um pacto prévio consensual articulado explícito que reconhece a mulher como parceira igualitária e com poder de veto.

* * *

Para viver relacionamentos não-monogâmicos, é preciso muita empatia e muita alteridade, sempre se colocar no lugar do Outro, sempre articular nossas fraquezas e nossos limites, sempre acolher as fraquezas e os limites das pessoas-que-estão-conosco.

Ou seja, é preciso pensar e agir de forma ética do começo ao fim.

* * *

Uma situação tristemente comum: duas pessoas estão na paquera e uma delas revela:

“Olha, preciso te dizer que sou casada.”

E a outra diz:

“Não tem problema, não sou ciumento, hehe.”

“Ok, ótimo. Deixa então eu ligar pro meu companheiro e avisar que estou indo pro motel com você.”

“Opa, como assim? ele sabe? ih, tô fora, ficou estranho!”

É impressionante quantas pessoas estão dispostas a cornear “otários” ao mesmo tempo em que querem distância de relacionamentos não-monogâmicos consensuais e às claras.

* * *

Para os homens, é muito fácil articular o discurso “relacionamentos não-monogâmicos” só para “sair pegando geral”.

Uma moça solteira me contou ter terminado recentemente um relacionamento frustrante com um artista plástico inteligente, pretensamente pró-feminista, descolado, sensível, de esquerda, etc etc… e casado.

Na hora de seduzi-la à distância, o assunto “monogamia” surgiu bastante. Que ele vivia um casamento aberto avançadinho, que ela era careta, que precisava se abrir, como podia uma mulher tão interessante ter ideias tão antiquadas, esse papinho.

As barreiras da minha amiga foram caindo e ela se dispôs a ir visitá-lo em sua cidade. Naturalmente, estava esperando um pouco de atenção, que ele mostrasse a cidade, que passeasse com ela, essas coisas.

Mas o moço ó-tão-importante, do alto de sua movimentada agenda, podia conceder a ela somente uma audiência de cinco horas no motel.

O resto do tempo, infelizmente, estava tomado por trabalho ou pela família.

(Quando ela perguntou se iriam poder passear juntos no domingo, ele quase riu. Quando ela pediu para falar com a mulher dele, ele negou.)

Depois de gastar mais de três mil reais pelo que foi, de fato, uma ida de cinco horas a um motel e um fim-de-semana de solidão em uma cidade estranha, minha amiga voltou pra casa frustrada mas ainda apaixonadinha. Demorou algumas semanas para se dar conta de que tinha caído em um golpe tristemente comum.

Quando enfim terminou com o “grande artista”, ele ficou enraivecido e disse que ela era uma mulher coxinha e moralista que não tinha cacife para estar com um homem livre e arrojado como ele.

Tá.

* * *

Homem casado dizendo que seu casamento é aberto só para “pegar geral” já se tornou uma coisa tão comum que eu recomendo cautela para todas as pessoas querendo começar relacionamentos com homens que dizem isso.

Naturalmente, todos os homens que de fato estão em relacionamentos não-monogâmicos também falam isso e não é o caso de jogar todo mundo no mesmo saco.

Entretanto, como essa mentira em particular já está disseminada, é caso de acreditar-desacreditando e discretamente levantar a ficha do casal:

Já escreveram ou se manifestaram publicamente falando de não-monogamia? Fazem parte de grupos ou associações de não-monogamia? Etc.

No Brasil de hoje, onde a canalhice é muito mais comum que a não-monogamia, se um homem que diz que está em relacionamento não-monogâmico não puder, de alguma maneira, comprovar que está de fato em um relacionamento não-monogâmico, eu diria que o mais provável é que esteja mentindo.

* * *

Houve época em que eu me envolvia com pessoas em relacionamentos monogâmicos, e ainda racionalizava:

“Minha relação é com ela, não sou responsável pelo seu compromisso com uma terceira.”

* * *

Namorei uma pessoa casada, linda e inteligente, que mentia e inventava, se virava do avesso e fazia muitos sacrifícios… para poder transar comigo. Como não me sentir lisonjeado? Afinal, ela deveria gostar muito de mim, não? Meu ó-tão carente ego só faltava ronronar de prazer quando ela entrava pela porta, estalando seus saltos altos.

Mas a verdade é que ela dormia todas as noites com outra pessoa. Mentia para a pessoa-que-estava-com-ela de forma perversa e descarada, mas, ainda assim, era com ela que sonhava sonhos, subia serra, assistia séries. E o meu ó-tão carente ego passava as noites uivando para a lua, triste e apaixonado, querendo falar com ela mas proibido de telefonar fora do horário comercial.

Por fim, depois de muitos e muitos anos, apesar de ainda amá-la demais, apesar de ainda amá-la hoje, fiz o que tantos amantes na história fizeram: terminei eu mesmo o relacionamento. Porque percebi que nunca poderíamos construir nada.

Eu jamais conseguiria confiar em alguém capaz de passar vários anos mentindo para a pessoa mais próxima a ela.

Que aliás, tristemente, não era nem nunca fui eu.

* * *

Decidi que queria viver sem mentiras – e sem pessoas mentirosas.

Hoje, as pessoas que caminham ao meu lado são donas dos seus desejos, capazes de assumi-los e articulá-los, livres para se colocarem publicamente no mundo como minhas companheiras.

Paradoxalmente, depois dessa decisão, fui ameaçado de morte, acionei polícia e advogados, e tive até sair da cidade por uns tempos porque me relacionei com uma pessoa que disse que era solteira, mas na verdade tinha um relacionamento monogâmico com uma outra pessoa.

Escaldado por esse caso, eu confio em todo mundo a priori, mas, para pular na cama com alguém, mesmo eu sendo homem, preciso antes dar uma excelente levantada na ficha da pessoa.

* * *

Um homem em um namoro aberto estava se relacionando com uma mulher em um casamento aberto. Saindo do cinema, ele quis andar de mãos dadas, mas ela se recusou: mesmo estando em um cinema quase vazio, num dia de semana, do outro lado da cidade, tinha medo de ser vista, de ser falada.

 

O homem me contou essa história indignado, achando que eu validaria sua indignação:

“Por que essas mulheres são tão reprimidas, Alex? De que adianta sermos os dois seres humanos livres, em um relacionamento não-monogâmico consensual, ambos em relacionamentos com outras pessoas que sabiam de tudo, se não podemos nem dar as mãos?! Não é um pedido justo a se fazer? Dar as mãos?”

E respondi:

“Se você é um homem que nunca se colocou na pele de uma mulher nem por um minuto e está somente vendo o seu próprio lado, sim, é um pedido justíssimo. Infelizmente, se calha de alguém ver vocês de mãos dadas no cinema, duas pessoas que estão em outros relacionamentos públicos, você vai receber high-fives na copa da empresa, por estar “pegando uma gatinha num cinema de subúrbio”. Já ela, provavelmente, vai ficar marcada para sempre como a “puta da contabilidade”. Daí o fato de ela estar um pouquinho mais preocupada com isso do que você…”

* * *

Vivemos em uma sociedade profundamente machista, onde os direitos e os deveres de homens e mulheres são profundamente assimétricos. Um homem que queira se relacionar de forma ética e igualitária com mulheres precisa ter isso sempre em mente para não virar (nem que por descuido) um babaca.

A assimetria está em tudo, inclusive na própria língua que todas falamos.

Quase todos os xingamentos para homens são questionamentos de que não transam o suficiente com mulheres — provavelmente por serem homossexuais; por outro lado, quase todos os xingamentos para mulheres são questionamentos de que transam demais.

O “aventureiro” é o homem audaz que vive aventuras. A “aventureira” é a puta.

“Pistoleiro” é um homem que atira com pistolas. “Pistoleira” é puta.

“Vagabundo” ou “vadio” é um homem que não trabalha. A “vagabunda” ou “vadia” é uma puta.

“Cachorro”, “galo”, “touro” são alguns dos animais mais importantes na história da humanidade. “Cachorra”, “galinha”, “vaca”? Puta, puta, puta.

Por fim, “puto” é um homem indignado, irritado.

Já “puta” é puta.

Todas as pessoas que querem se envolver em relacionamentos não-monogâmicos precisam ter sempre esses exemplos em mente.

Porque, na nossa sociedade machista, quando se revela que um homem está em um relacionamento não-monogâmico, dependendo do grupo, ele pode ficar com fama de garanhão ou, em alguns casos, de corno.

A mulher sempre fica com a mesma fama.

De puta.

(Aliás, nada errado em trabalhar com sexo. “Puta” ser o xingamento último só prova a misoginia da nossa sociedade.)

Então, por um lado, é importante revelarmos nossos relacionamentos não-monogâmicos e sermos ativistas por uma maior desprivatização das relações humanas. Afinal, a questão não é só pessoal, é política.

Mas, por outro lado, é fundamental lembrarmos que, em termos de danos à reputação social e possíveis sanções profissionais e familiares, o preço mais alto será sempre pago pela mulher.

Por isso, em minha opinião, a decisão de sair em público como estando em um relacionamento não-monogâmico deve sempre ser da mulher.

* * *

Às vezes, quando falo sobre essa importância do diálogo, alguém comenta:

“Meu Deus, quem aguenta tanta falação? Assim fica inviável ter um relacionamento!”

E eu respondo:

“Ninguém disse que era fácil ter uma vida sexual e agir de forma ética ao mesmo tempo. Ainda mais quando se está querendo ir contra o padrão da sociedade. Se você quer só sair “pegando geral”, é mais fácil e mais eficiente ser solteiro. Mas, se está em um relacionamento (e um relacionamento não-monogâmico é, antes de tudo, um relacionamento) é preciso sempre pensar, agir, falar de forma ética em relação às necessidades, fraquezas, limites, desejos das pessoas que estão com você. Aliás, mesmo sendo solteiro, é bom agir do mesmo jeito com as pessoas com quem você transa, né?”

* * *

Quando me perguntam qual é o “segredo” para relações não-monogâmicas “darem certo”, eu digo o seguinte:

Des-estigmatizar a DR. (DR=Discutir a Relação)

O pacto monogâmico é pret-a-porter. É um software fechado da Apple. Já vem prontinho, apoiado por milênios de bíblias, tias chatas, padres metidos e manuais sobre como “blindar seu casamento”. Não pode abrir, não pode olhar lá dentro, não pode mudar a programação.

Por isso, é natural que a DR seja encarada com terror. Se o pacto está dado como fechado e indiscutível, qualquer tentativa de discuti-lo já indica, por definição, necessariamente, uma crise.

Os relacionamentos não-monogâmicos, entretanto, com sua infinidade de pactos e arranjos possíveis, são um software livre por definição. Eles PRECISAM e ESPERAM a nossa interferência. Eles só funcionam se forem criados e recriados por cada pessoa todos os dias, sempre em parceria com as outras pessoas com quem estão se relacionando.

* * *

Uma vez, uma pessoa me disse que tinha virado adepta de relacionamentos não-monogâmicos porque achava que assim tinha menos chances de perder a pessoa-que-estava-com-ela.

Eu respondi que respeitava essa razão, mas que achava meio difícil de comparar esses riscos.

Não existe nenhuma segurança nesse mundo. A qualquer instante, podemos morrer, a esposa nos deixar, a chefa nos demitir, um meteoro bater na terra.

Meu problema com a monogamia é que ela nos vende uma falsa segurança (de que se formos fiéis, se mantivermos o sexo apimentado, se fizermos tudo direitinho, nunca vamos perder a pessoa com quem estamos) enquanto os relacionamentos não-monogâmicos nos forçam a encarar de frente, abraçar, acolher, vivenciar essa falta de segurança primordial que define a condição humana.

Por causa disso, mais ainda, é necessário muita DR.

É preciso que tudo esteja muito bem acordado e comunicado. É preciso que não existam mal-entendidos. É preciso que ninguém saia da cama se sentindo uma vítima.

É preciso estarmos abertas para conversar sobre o relacionamento sempre.

É preciso conseguirmos articular nossas fraquezas e limitações.

É preciso, muito mais difícil, conseguirmos acolher as fraquezas e limitações das pessoas-com-quem-estamos.

Constituindo família em contextos não-monogâmicos

A escolha de ter ou não ter crianças e a escolha de viver ou não relações monogâmicas são duas esferas bem diferentes e têm pouco ou nada a ver uma com a outra.

* * *

As crianças não precisam saber, e geralmente não sabem, qualquer coisa da vida amorosa e sexual de pai e mãe. (Ou de pai e pai, e mãe e mãe, ou quaisquer outros arranjos afetivos.)

Assim como as crianças em geral não sabem quando o pai e a mãe transam um com o outro, elas também não precisam saber quando o pai e a mãe vão transar com outras pessoas. Ou, digamos, se o pai e a mãe, na privacidade do quarto, estão se chicoteando, fazendo sexo anal ou praticando qualquer fetiche.

Assim como o papai e a mamãe muitas vezes saem com pessoas do seu círculo de amizades, para passear, jantar ou viajar, também poderiam estar saindo com essas mesmas pessoas para namorar ou transar, fazer swing ou suruba, e as crianças não teriam como saber e, aliás, não teriam nada a ver com isso.

Muitos e muitos casais vivem e viveram longas e frutíferas vidas não-monogâmicas, ao mesmo tempo em que tiveram crianças e constituíram família, sempre cuidando tanto para suas relações amorosas e sexuais não interferissem na sua esfera familiar, mas também cuidando para que sua família não interferisse em suas relações amorosas e sexuais.

Afinal, papai e mamãe também precisam de privacidade para viver suas vidas de pessoas adultas livres e sexuais.

* * *

Além disso, não tem problema algum crianças saberem que seus pais e mães vivem relacionamentos não-monogâmicos.

As crianças vêm ao mundo livres de preconceitos e somos nós, as pessoas adultas, que enchemos suas cabeças com o lixo dos séculos.

Quando pessoas conservadoras perguntam, preocupadas,

“mas, se homem puder casar com homem, como vou explicar isso para minha filhinha?”

o que as preocupa é justamente sua incapacidade de transmitir às crianças o seu próprio horror e preconceito.

Para uma criança, antes de ser educada nos preconceitos vigentes na nossa sociedade outrofóbica, nada poderia ser mais simples e fácil de entender do que o fato de que o tio Pedro e o tio João são tão casados quanto o tio Jaime e a tia Renata.

Ou que o papai e mamãe se amam e constituíram família, mas que o papai também ama e namora a tia Clarice, assim como mamãe também ama e namora o tio Abraão, que é muito legal e me leva no estádio de futebol no domingo, porque ele gosta, e mamãe gosta, mas papai odeia, então papai aproveita o domingo pra sair com a tia Clarice!

Se a situação descrita acima te parece horrível, doente, complexa, talvez seja apenas porque você não é mais criança.

Para o bem ou para o mal, as crianças sempre naturalizam o mundo que recebem.

* * *

As crianças precisam de paz, segurança, estabilidade, amor, carinho.

Nenhuma criança será mais feliz do que aquela criada por pais e mães felizes, satisfeitos, cúmplices, amorosos entre si e com outras pessoas, em uma atmosfera de tranquilidade e confiança.

O que traumatiza as crianças não é saber que a mamãe é capaz de amar duas pessoas diferentes (pois elas ainda nem aprenderam que “só se pode amar uma pessoa de cada vez”), mas sim testemunhar gritaria, ciumeira, violência, acusações.

Muitos e muitos casais vivem e viveram longas e frutíferas vidas não-monogâmicas enquanto educavam crianças que sempre souberam disso e encararam com naturalidade a não-monogamia, crianças que foram criadas para terem a maturidade emocional de não se deixar levar pelo ciúme e pela possessividade.

Na verdade, em muitos casos, as parceiras amorosas e sexuais dos pais e das mães também acabaram criando ligações emocionais profundas com as crianças, e formando-se extensas redes familiares de relacionamentos.

O que querem as pessoas não-monogâmicas

Nós, pessoas não-monogâmicas, não queremos “converter” as monogâmicas ao nosso estilo de vida.

Queremos somente que não nos digam como viver.

Que não minimizem e invalidem, marginalizem e invisibilizem nosso estilo de vida.

Que não digam que nosso amor não é amor, que nosso compromisso não é compromisso.

Que tenhamos o direito de escolher um outro tipo de vida, um outro tipo de relacionamento.

Não somos anti-monogamia. Queremos apenas que a monogamia deixe de ser anti-nós.

A monogamia é uma escolha

Minha crítica ao fato de o sistema monogâmico não abrir espaço nem dar visibilidade a outros projetos alternativos de relacionamento não é de modo algum uma crítica às pessoas individuais que, usando de sua liberdade e autonomia de humanas adultas, escolheram viver relações monogâmicas.

Escrevo sobre estilos de vida alternativos não para convencer as pessoas que estão satisfeitas com sua opção perfeitamente válida pela escolha da maioria, mas para mostrar às pessoas insatisfeitas que a escolha da maioria é somente isso: uma ESCOLHA.

Que elas não precisam escolher aquilo que todo mundo escolheu. Que existem outras possiblidades, outros caminhos, outras opções. Que não estão sozinhas. Que não são as únicas que pensam assim. Que não são loucas por rejeitar o caminho mais trilhado. Que são livres. Livres.

Recomendações de leitura

Artigos como “Iconic ‘nuclear’ family is a work of fiction” (“A família nuclear icônica é uma ficção“) ou livros como “O mito da monogamia“, traçam as origens culturais da monogamia pelas sociedades humanas e por outras espécies e primatas, e demonstram não que a monogamia está errada, mas sim que ela nunca foi nem unanimidade social nem biologicamente natural na nossa espécie. A monogamia não é a norma, e nem o normal: ela é um arranjo possível entre vários outros. Um arranjo basicamente patriarcal e capitalista, trazendo para a esfera dos relacionamentos afetivos uma lógica mercantil e acumulativa, onde quase sempre o homem é o acumulador e a mulher, o bem a ser acumulado.

Recomendo também dois livros de Roberto Freire, “Sem tesão não há solução” (1987) e “Ame e dê vexame” (1990). Ninguém escreveu sobre sexo e liberdade, amor e alegria, no Brasil como Roberto Freire. Ele é um dos meus mestres e um do grandes inspiradores da minha série de textos, “As Prisões”. Clique aqui para ler os melhores trechos de ambos os livros, selecionados por mim.

Para aquelas pessoas que não gostam de ler, peço que assistam o curta-metragem, “Poliamor“, de José Agripino, sobre pessoas que fizeram a opção de viver um amor diferente.

Talvez você perceba que são pessoas como você e eu.

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A Prisão Monogamia foi originalmente publicada em novembro de 2012. Em fevereiro de 2015, ela foi significativamente reescrita e republicada.

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Três avisos importantes sobre meus textos

Eles falam sempre sobre e para as pessoas privilegiadas, justamente para tentar fazê-las ter consciência de seus enormes privilégios (Leia também Carta aberta às pessoas privilegiadas & Ação de graças pelos privilégios recebidos);

Buscam sempre usar uma linguagem de gênero neutra (Para mais detalhes, confira meu mini-manual pessoal para uso não sexista da língua);

E são sempre todos rigorosamente ficcionais(Ou não: Alex Castro não existesó o texto importa. Em caso de dúvidas, consulte minha biografia do meu site pessoal.)

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O encontro “As Prisões”

Há doze anos, escrevo sobre as bolas de ferro mentais e emocionais que arrastamos pela vida: as ideias pré-concebidas, as tradições mal-explicadas, os costumes sem-sentido.

Agora, estou promovendo o encontro ”As Prisões” por todo Brasil. O público-alvo são ovelhas negras em busca de interlocutores. O encontro oferece a oportunidade de passarmos o dia inteiro trocando histórias, compartilhando vidas, debatendo perplexidades. Ao final, nós, todas as pessoas, estamos exaustas, gastas, esvaziadas. Confusas, atarantadas, chacoalhadas.

O encontro “As Prisões“ é independente por ideologia. Não possui vínculo institucional algum. É divulgado pela internet de forma alternativa e realizado em praias, parques, quintais, praças. Oferece frutas e castanhas para comermos ao longo do dia e tem um intervalo para almoço. Começa sempre às nove da manhã de sábado ou de domingo e termina na hora que terminar. Muitas vezes, a química é tanta que não queremos ir embora: o encontro mais longo durou 15 horas.

O encontro é pago. Mas negar uma pessoa só porque ela não pode pagar seria dar importância demais a essa convenção arbitrária que chamamos dinheiro. Portanto, algumas pessoas pagam, outras pagam menos, outras não pagam. Na prática, as que pagam me possibilitam fazer o encontro para as que não pagam. Nada poderia ser mais solidário do que isso. (Para saber mais, consulte a política de gratuidades.)

Não é auto-ajuda, terapia, coaching. Não é palestra, aula, exposição de conteúdo. Não tem apostila, powerpoint, frases de efeito pra anotar no moleskine. Não oferece respostas, soluções, remédios. Não promete uma vida mais calma, mais centrada, mais bem-sucedida.

Não ajuda em nada. Pelo contrário, só atrapalha. Às vezes, nos transforma em pessoas ainda mais confusas, desajustadas, perdidas. Afinal, ser bem-sucedida e bem-ajustada em um mundo canalha pode bem ser indicativo de nossa própria canalhice.

Para mais detalhes, vídeos, depoimentos, calendário completo, tudo isso, veja aqui.

 

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu