Nos últimos textos desenhamos alguns caminhos para conseguir fazer todas aquelas coisas que nos propomos. Conversamos sobre gerenciamento do tempo e os critérios na escolha de objetivos. Iniciar nossas atividades é, sem dúvida o passo mais importante, só que existe algo que atrasa todos os prazos, destrói projetos e impede muita gente de concluir seus planos.

O perfeccionismo é uma daquelas mentiras contadas mil vezes, e que se tornam verdades virtuais. Perfeccionismo é um processo perigoso e extremamente prejudicial para quem busca atender prazos e construir seus planos.

Para entender melhor a relação entre a busca pelo perfeccionismo e o risco para produtividade, apresento alguns exemplos.

Quando eu quis agradar todo mundo

Ano passado tive a ideia de automatizar algumas respostas que eu precisava dar com muita frequência. Por estar envolvido no meio do Parkour, muitos iniciantes me procuravam para perguntar como deveriam começar. Para isso resolvi criar um site, bem simples com 10 textos básicos para qualquer iniciante ser capaz de dar os primeiros passos e descobrir seu caminho na atividade.

Quando estava criando o visual do Parkour Lab, enviei o primeiro visual para várias pessoas, muitas gostaram e outras apontaram coisas que precisavam ser modificadas.

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Nisso, comecei uma busca de quase 3 meses desenhando, mudando o layout, refazendo partes até tentar agradar todo mundo. Gastei centenas de horas tentando tornar o site perfeito e isso nunca aconteceu. O projeto só estava ficando de lado. Quando me dei conta disso, voltei para o primeiro modelo que havia escolhido e construí todo conteúdo em cima dele. Em menos de 5 dias estava no ar, com milhares de acessos diários.

Eu gastei muito tempo me preocupando com algo que, se fosse bom, seria perfeito, mas não era o foco do meu produto. Eu não precisava ter um site dinâmico, com visual arrojado e experiência de leitura única. Eu precisava passar a mensagem que as pessoas estavam procurando. O conteúdo precisava trazer a informação necessária, o visual era apenas apoio.

Recebendo o feedback dos usuários, nenhum deles se queixou de dificuldades relacionadas ao design ou leitura. Todos aprovaram o conteúdo.

Foco no objetivo

É muito fácil começar a observar pontos que não estão na forma mais perfeita quando estamos dentro do processo e conhecemos os menores detalhes de tudo. O importante quando enrolamos demais polindo arestas de algum trabalho ou projeto, é nos perguntar se a mensagem central está sendo entregue com clareza. Se meu plano é transmitir textos sobre como iniciar no Parkour, a estética da página se torna secundária, desde que ela também não atrapalhe o resultado da comunicação. Obviamente, se eu conseguir montar tudo num super design, é bem melhor, mas se não é um critério essencial do projeto, não há motivo para atrasar o prazo. Pode ficar pra depois.

Durante as divulgações do Cern sobre o progresso na busca pelo Bóson de Higgs no Large Hadron Collider, considerado o maior projeto da história da humanidade, pude observar que os cientistas apresentaram os resultados utilizando fundos em cores gritantes e fontes horrorosas. Resolvi então questionar meu amigo cientista, Dr. Rodrigo Vargas, sobre o motivo dos pesquisadores não darem uma atenção maior na apresentação dos resultados, praticamente jogando as informações de qualquer jeito na tela.

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Este slide foi feito para mudar a história da humanidade

“O senso estético dos cientistas é bem diferente do pessoal de fora, eles nem sabem porque não deveriam usar determinada fonte. Normalmente os slides são bem antigos e os modelos reaproveitados, o que importa mesmo é transmitir os resultados com eficiência.”

Isso não significa que visual não seja importante, longe disso. Ao iniciar um projeto, entretanto, precisamos determinar quais são os critérios de aceitação, e nos prender a eles. Se design for um dos itens cruciais, que seja usado o esforço necessário para apresentar o melhor resultado.

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O que não podemos fazer, é gastar mais tempo trabalhando em itens não essenciais do que forjando o núcleo principal. Muitas vezes gastamos tempo demais nos preocupando com coisas que nosso público nem vai perceber.

Perfeição é um processo

Também não prego que devemos fazer tudo de qualquer jeito. Sou partidário de fazer tudo da melhor forma possível, desde que isso não atrapalhe os prazos e, caso não exista uma data limite, essa busca não acabe congelando o projeto. Isso é crucial principalmente para aqueles que possuem projetos pessoais paralelos, onde para algo acontecer só depende da aprovação deles mesmos.

Praticamente todo tipo de trabalho é passível de revisão e melhoria. A entrega inicial raramente representa um estado estático de qualidade. A primeira versão do iPhone, por exemplo, era longe de ser perfeita. Fazia o básico proposto com altíssima qualidade, era lindo como é padrão da Apple, mas faltavam vários outros recursos bem comuns em aparelhos lançados na mesma época.

Foi preferível eliminar funções como 3G e o mais básico, envio de imagens por SMS, para priorizar e entregar o que era realmente importante para a empresa no momento: a mensagem de um novo aparelho de alta tecnologia com tela controlada por toque. As melhorias foram feitas ao longo do tempo, com atualizações no sistema operacional do aparelho. Hoje, já na sexta versão, o iPhone ainda está longe de ser perfeito, mas avançou absurdamente desde sua primeira versão.

Recentemente decidi que faria um vlog para falar dos esportes, lutas e treinos que gosto. Passei um bom tempo tomando coragem para expor meu rosto numa câmera e lançar o video no Youtube. O medo de ficar ruim, de ser ridicularizado e não estar num padrão de qualidade aceitável me seguraram a ponto de fazer dezenas de testes e nunca levar pra frente.

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Destravei quando eu aceitei o fato de que o projeto não precisa iniciar perfeitamente. A qualidade do áudio não vai ser a melhor, alguns erros vão acontecer e vai demorar uns 20 episódios até conseguir criar desenvoltura o suficiente para me soltar na câmera.

Depois do episódio piloto, ouvi todas as críticas apontando alguns problemas, mas sei que, se eu não tivesse seguido adiante e aceitado cada uma das imperfeições, meu projeto nunca teria saído do papel, o que seria muito pior pra mim.

O perfeito não existe

Com o passar do tempo, me envolvendo com cada vez mais atividades, pude perceber que não existe coisa como a tal perfeição. Essa vontade de alcançar e criar algo que possa ser chamado de perfeito, é uma projeção do nosso ego, aplicada nas coisas que fazemos. Queremos ser invejados e elogiados, queremos que as pessoas olhem e não consigam criticar, mesmo que o ponto em julgamento seja algo extremamente subjetivo.

Aplicamos este mesmo critério de julgamento em nós mesmos e nas pessoas que nos relacionamos, tentando encontrar algo raro, livre de falhas.

Assim como nos trabalhos, a paranoia da perfeição também nos leva para o fracasso nas relações pessoais. Por isso, em ambos os casos, o caminho mais prudente é se focar no que realmente importa e trabalhar as pequenas falhas aos poucos, uma a uma, mas sempre entendendo que as vezes, a imperfeição é apenas um adorno para a perfeição.

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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.