Faz só um ano que comecei a trabalhar em tempo integral fora do espaço de uma empresa.
Nesse tempo, me tornei presença regular em todas as cafeterias num raio de 2km, roubei as senhas de wi-fi de cada biblioteca, espaço de co-working, e bar nas bandas ocidentais de Toronto, e numa ocasião dessas passei uma semana toda sem sair do apartamento.
Estas histórias são comuns para quem faz freelance ou trabalha fora do ambiente de trabalho.
A flexibilidade e autonomia de trabalhar quando se quer, onde se quiser, pode ser libertadora e recompensadora, mas também pode ser profundamente solitária e difícil.
Ainda assim, o que todos dizem é que esse é o futuro do trabalho.
Nos últimos anos o número de freelancers e trabalhadores “não tradicionais” nos EUA subiu para 53 milhões, ou 34% da força de trabalho. E é esperado que esse número aumente 40% até 2020.
Cada vez mais fica claro que “trabalho” não é mais um lugar.
Porém, essa mudança em nosso estilo de trabalho produz mais mudanças do que apenas onde se trabalha. A própria estrutura de como trabalharemos no futuro está neste momento se formando. Como freelancer, diretrizes vindas da empresa e quase qualquer tipo de progressão na carreira quase inexistem, e a orientação e a ajuda de mentores, que as gerações anteriores tinham disponível, agora precisamos encontrar sozinhos.
A Time Magazine, prevendo o futuro do trabalho em 2009, profetizou que:
“Veremos um mundo do trabalho mais flexível, com mais freelance, mais colaborativo e com bem menos segurança.”
Liberdade e incerteza sem dúvida andam de mãos juntas.
Então, como lidar com essa nova era do trabalho com eficiência e desenvoltura?
Ao longo do ano passado, passei um tempo angariando recursos e histórias de pessoas que abandonaram a cultura de passar das 9h às 17h no escritório: como se mantém motivados. Como trabalham bem sozinhos, e com o grupo de trabalho. E como encontram equilíbrio e sentido em suas vidas.
Você pode trabalhar onde quiser, mas escolha bem
Os seres humanos prosperam em meio à rotina. Quando não temos um “lugar” para chamar de trabalho, parece fácil cair numa espécie de caos, deixar os ventos de cada dia nos levarem para onde for. Porém, onde se trabalha tem um efeito profundo sobre a qualidade do trabalho, como a escritora, empresária, e trabalhadora “fora da empresa” Belle Beth Cooper descobriu.
Sua personalidade e o tipo de trabalho que faz definirão que tipo de espaço de trabalho funciona melhor para você.
Precisa de períodos longos de concentração profunda? Encontre um lugar silencioso, como um escritório em casa ou uma biblioteca.
Buscando aquela inspiração criativa? Tente trabalhar em algum lugar com mais atmosfera e ação, como um espaço de co-working ou uma cafeteria.
Lutar contra o ambiente só vai tornar seu dia bem mais difícil.
E não esqueça da vantagem do “time de casa”. Um estudo de Harvard em 2006 com cirurgiões cardiologistas mostrou que seu desempenho melhorava drasticamente quando eles trabalhavam em seu próprio hospital e com o grupo de trabalho regular, em comparação com quando precisavam trabalhar em outro hospital com outro grupo de pessoas. Embora a liberdade de trabalhar em qualquer lugar seja ótima, há benefícios em uma rotina estável de escritório.
Grupos de trabalho virtuais trabalham melhor do que grupos de trabalho presencial
Grandes empresas ainda ostentarão novos escritórios ou QGs corporativo, mas cada vez mais os estudos mostram que o futuro será construído por aqueles que trabalham por conta.
Uma pesquisa de 2009 pela Cisco com milhares de trabalhadores com telefonia mostrou que 69% afirmaram ver maior produtividade trabalhando fora do ambiente de trabalho, e 83% afirmaram que sua comunicação com outros membros do grupo não era afetada ou até melhorava com eles não estarem no mesmo lugar.
E em 2009, um time de pesquisa liderado por Frank Siebdrat avaliou o desempenho de 80 empresas de software por todo o mundo, e descobriu que grupos menos localizados num mesmo ambiente frequentemente superavam os grupos cujos membros trabalhavam mais perto uns dos outros. Porém, trabalhar fora da empresa não melhora automaticamente o desempenho. Siebdrat e seus colegas pesquisadores descobriram que o fator mais importante para o sucesso era ter um processo estabelecido em que cada membro contribui completamente, com acesso adequado à comunicação e à ajuda dos outros.
A confiança se torna seu maior patrimônio
Com uma parcela tão grande de nossas vidas de trabalho indo para meios impessoais como o Skack ou outros chats em grupo, parece impossível conhecer de fato as pessoas com que se trabalha (ou para quem trabalha) e confiar nelas. De fato, alguns biólogos acreditam que somos evolucionariamente dispostos a desconfiar de todos, exceto de nossa própria família. Então que chance tem “aquele cara novo no trabalho cujo nome vez ou outra você vê quando está no canal #música”?
Seu sucesso dependerá, no fim das contas, em quanto você é capaz de confiar nas pessoas com quem trabalha.
Em nosso panorama de mudança no trabalho, o consultor Keith Ferrazzi, escrevendo na Harvard Business Review, explica que consistência, comunicação e sinceridade são as chaves para desenvolver confiança no trabalho fora da empresa. Seja regular e consistente com notificações sobre o que você está fazendo. Seja honesto e aberto quanto a sua vida pessoal, para desenvolver empatia. E não duvide dos outros na mesma proporção em que você espera que eles não duvidem de você.
Seu próximo trabalho não será um papel ou título dentro da empresa. Será um projeto.
No futuro não vamos falar de mudanças em como se trabalha, mas em mudanças na própria noção do que é um trabalho.
E haverá mais mudança do que já se deu. Se a economia de “uma corrida de cada vez” de empresas como o Uber representam um lado do espectro, e um papel de tempo integral numa empresa o outro, vamos começar a cada vez mais ver um aumento do que está no meio disso, o que já foi chamado de “economia de projeto”.
Adam Davidson, ao escrever para The New York Times Magazine explica como “cada vez mais veremos nossa vida de trabalho estruturada em projetos de curto prazo, com grupos de projeto, em vez de trabalhos em longo prazo, sem um final a vista.”
Davidson diz que estamos ao fim de uma era de “100 anos de anormalidade” em que grandes empresas oferecendo basicamente os mesmos produtos dominavam a economia, com a competição focada principalmente na diminuição de custos – tornando a produção mais barata e mais eficiente.
“Cada vez mais veremos nossas vidas de trabalho estruturadas em torno de projetos com grupos de curto prazo, em vez de trabalhos de longo prazo, sem final em vista” Adam Davidson
A revolução da informação mudou tudo isso, e agora, em vez de tentar ganhar o jogo pelo corte de custos e por melhorias no fluxo de produção, as empresas tomam suas tarefas com uma visão mais modular: reúnem as peças de que precisam, só quando precisam delas.
Você e seu trabalho se tornarão cada vez mais a mesma coisa
Enquanto que as gerações passadas buscavam um equilíbrio entre vida e trabalho, o futuro do trabalho está cada vez mais interligado com o futuro da vida. Com a dissolução do esquema das 9h às 17h, o “equilíbrio” não é mais medido em horas, mas em esforço. O trabalho não mais acontece apenas no escritório, e nosso novo equilíbrio é estar “conectado” ou “desconectado” onde quer que estejamos.
E com a dificuldade de discernir quando se está ou não trabalhando, também não há mais distinção entre personalidade de trabalho e qualquer outra. Antes, podíamos agir diferente fora e dentro do trabalho, agora e cada vez mais no futuro, nossa personalidade é parte de nosso trabalho.
Joan Kuhl, que fundou a Porque os Millenials são Relevantes, uma empresa de consultoria que aconselha empregadores como a Goldman Sachs sobre como encontrar e reter recém-formados, explica que:
“Millenials são forçados a criar uma forte marca pessoal de forma a conseguir um trabalho, então pedir a eles que não levem essa marca tão a sério quando estiverem empregados, manda uma mensagem confusa.”
E com os ‘millennials’ — aqueles com entre 18 e 33 anos — tomando os postos da geração passada como o grupo dominante na força de trabalho, a tendência é eles logo se tornarem o status quo.
Observe a ascensão dos marqueteiros do estilo de vida — aqueles freelancers, escritores e palestrantes que agora ganham a vida mais falando sobre o trabalho que fazem do que de fato trabalhando.
Ou sobre os artigos constantes no Medium sobre largar seu trabalho para seguir sua paixão ou “ser verdadeiro para consigo mesmo”.
No futuro, sempre haverá mais espaço para você no seu trabalho.
Comunicação em excesso pode acabar com você
Seja no Slack, no HipChat, ou em qualquer outra das incontáveis ferramentas que existem, chat em grupo se tornou onipresente no espaço de trabalho moderno. E com bons motivos. Não só estas ferramentas nos permitem nos afastar da tirania da caixa de entrada, mas elas facilitam uma comunicação mais natural — que pode estabelecer confiança e compreensão entre pessoas que talvez nunca tenham se encontrado.
Mas como muitas pessoas já começam a apontar, esta sensação de “estar sempre disponível” tem efeitos extremamente negativos sobre como trabalhamos. E, na medida em nos entregamos a isso, pode piorar.
O escritor e guru de usabilidade Samuel Hulick, ao canalizar o gênero de literatura rápida nativa do Medium, fez alarde de seu rompimento com o Slack, dizendo que ele é grudento demais, e que pode transformar o dia todo numa enorme “reunião Frakenstein”.
Enquanto isso, o fundador do Basecamp, Jason Fried explicava todas as razões pelas quais o chat em grupo está nos fazendo suar.
O que os dois artigos explicam é que a ferramenta, não importa qual seja, se aproveita de nossa necessidade psicológica de verificar notificações. E estas notificações não são de redes sociais, elas são de trabalho. São para o nosso ganha-pão. Então temos que olhar, não temos?
E sim, todo mundo que usa o chat em grupo regularmente compreende esses problemas. Mas não seriam estas apenas “dores de crescimento”? Ou é um erro grave com relação às mudanças em nossas comunicações?
No futuro, nosso sucesso no trabalho dependerá de como respondemos a essas medidas. E isso por que, por mais que adoremos culpar nossas ferramentas e aplicativos, é o jeito com que as utilizamos que pode ter um efeito negativo.
Você pode ter tudo (se ficar esperto)
E porque não terminar numa tom positivo? Porque sim, há muito a esperar do futuro com relação a como trabalhamos.
Com a liberdade de trabalhar de onde se quiser, e com cada vez mais empresas entendendo que resultados são mais importantes do que estar fisicamente num escritório todos os dias, há mais oportunidade de sair para o mundo, explorar e expandir nossas mentes, ao mesmo tempo fazendo o que precisa ser feito.
Uma de minhas histórias favoritas é a do cofundador da Buffer, Joel Gascoigne, que passou 3 meses viajando para 11 cidades ao redor do mundo, ao mesmo tempo em que comandava um negócio de 60 milhões de dólares. O que Joel aprendeu é que, em vez das férias de 1 ou 2 semanas que um trabalho tradicional fornecem, a liberdade de trabalhar de qualquer lugar nos permite ver o mundo, enquanto mantemos o trabalho acontecendo.
“O que aprendi ao experimentar com visitas de 1-2 semanas ou uma viagem lenta de 3-6 meses, que quando for possível, de agora em diante, eu sempre optarei por ficar num só lugar por alguns meses.
Além dos problemas de produtividade que surgem quando a pessoa está instalada por uma ou duas semanas, também não há tempo suficiente para fazer amizades ou estabelecer relacionamentos. É quase impossível sustentar esse grau de mudança por um longo período, bem como é difícil ter qualquer senso de comunidade.”
Para os que anseiam pelo estilo digital nômade: não se vende mais a ideia de tomar margaritas com o laptop na praia. Diz respeito a ser um cidadão do mundo. Não estar atado a uma localização física. E permitir que o que vivenciamos e aprendemos alimentem nossa criatividade e paixão pela vida.
* * *
O futuro do trabalho não é um lugar. É um estado mental.
Saber trabalhar eficiente e produtivamente onde quer que se esteja, e com quem quer que esteja trabalhando num dado momento, é a maior habilidade que se pode ter para seguir em frente.
* * *
Nota: esse artigo foi originalmente publicado no blog crew.co.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.