Alertar uma pessoa que pode estar vivendo em um relacionamento abusivo não é fácil. Apesar de vários sinais, muitas pessoas parecem ser incapazes de perceberem o abuso até que a situação fique insustentável. Para muita gente, aquele controle exagerado, mesmo incômodo, dolorido, é entendido como uma forma de cuidado ou proteção. 

A maior parte dos comportamentos abusivos não são tão evidentes como uma agressão física. Muitos passam despercebidos, principalmente no início dos relacionamentos. 

O começo é sempre sutil. Se logo de início algum tipo de violência física ocorre, o relacionamento não continua. No entanto, vários pequenos abusos ou agressões psicológicas podem acontecer sem que prestemos atenção. É sobre esses abusos sutis que tratarei neste ensaio.

Se não é fácil para quem sofre o abuso perceber o problema, imagina para quem o exerce. Como diria minha avó, “quem bate, esquece”. Uma grande parte dos abusadores acredita que tudo que eles fazem tem motivo. Um exercício de autocrítica nunca é simples, mas sempre necessário.

É difícil identificar um relacionamento abusivo, pois vários comportamentos de controle são ainda compreendidos como acontecimentos “normais” entre pessoas que se amam. Muito debate tem se levantado sobre o tema, mas nem sempre é fácil saber o que ultrapassa limites aceitáveis de cobrança no relacionamento.

Felizmente, muito mais gente tem se preocupado em tentar não produzir comportamentos abusivos em seus relacionamentos. É possível fazer diferente! 

O começo para isso é um processo, sincero, de revisão e responsabilização sobre as próprias atitudes. Por isso, listei alguns sinais de que você pode estar sendo abusivo no seu relacionamento.

1. Você controla as decisões que ela toma

Qual é o grau de liberdade acordado entre você e sua parceira? Você é capaz de aceitar que ela tome suas próprias decisões, mesmo que algumas delas contrariem suas expectativas?

Todo relacionamento exige algum grau de negociação entre o casal e nem tudo acaba sendo "permitido" dentro do relacionamento, mas se você tenta controlar a maior parte das atitudes da sua parceira, você está sendo abusivo.

Não importa se você acredita que todo o controle que você exerce sobre ela é para protegê-la ou algo assim. As pessoas devem ter direito sobre suas próprias atitudes, mesmo que elas, aparentemente, não sejam as melhores decisões.

Tomar as decisões sobre a vida da outra pessoa, mesmo que você faça isso com as melhores intenções, não é cuidado… é controle!

2. Você monitora todas as relações e comunicações dela por ciúme

Quanto você confia na sua parceira? Você aceita que ela tenha uma vida além do relacionamento entre vocês? Preserva a privacidade dela ou tenta vigiar todos seus passos?

É normal sentir algum tipo de insegurança, mas quando o ciúme é exagerado, tudo se transforma num jogo de dominação e vigilância.

Se você não é capaz de confiar na sua namorada, tem o direito de avaliar se dá conta ou não de ficar nesse relacionamento, mas isso não pode ser permissão para vigiá-la constantemente, afastá-la de amigos ou proibí-la de ir em qualquer evento sem a sua presença. 

3. Você a manipula para fazer a sua vontade (ou explode quando ela foge às suas expectativas)

Como você age quando quer alguma coisa no seu relacionamento? Você conversa com a outra pessoa de forma clara e expõe seu desejo ou tenta manipular a pessoa para que ela realize a sua vontade? E quando essa pessoa frustra suas expectativas, você dá conta de aceitar sem chantagens?

A manipulação é um dos comportamentos mais difíceis de se perceber e, por isso, um dos mais perigosos. O manipulador pode acreditar piamente que é ele a vítima da situação enquanto dá um jeito de obrigar a outra pessoa a seguir todos os seus desejos.

A manipulação geralmente acontece quando a parceira não aceita a exigência colocada pelo abusador e ele usa alguma estratégia indireta para obrigá-la a ceder.

Nesses casos, são comuns as chantagens diretas em que, por exemplo, se pressiona a parceira com ameaças de suicídio ou comportamentos passivo-agressivos em que se externaliza a raiva e as atitudes punitivas de forma indireta.

Nesse segundo caso, podemos dar o exemplo de “tratamentos de silêncio” em que se pára de falar com a pessoa até que ela realize o seu desejo.

4. Você invalida os sentimentos dela (especialmente quando a queixa é você) 

Você é capaz de ouvir as queixas da sua parceira e aceitá-las como válidas? E quando essas queixas são sobre você e seus comportamentos?

Não é fácil ouvir críticas, principalmente de alguém que convive tão perto como uma namorada ou esposa. Rapidamente levantamos nossas defesas e tentamos nos justificar, invalidando a queixa antes mesmo de qualquer reflexão.

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Pode ser que você não concorde com tudo que ela se queixa ou aponta, mas ela tem seus motivos para ver as coisas como vê e seu ponto vista é válido. Desqualificar os sentimentos alheios é uma forma de abuso, pois, com o tempo, mina a autoconfiança da pessoa e faz com que ela se sinta incapaz de analisar situações com segurança.

É importante aceitar que sua parceira tenha discordâncias. Dialogar sobre esses desacordos e buscar trabalhá-los é saudável… deslegitimar o que ela apresenta, tratando como meras bobagens, não!

5. Você destrói a autoestima dela para garantir sua dominância

Você consegue suportar o sucesso da sua parceira? E quando ela está feliz e o motivo não é você? Como você lida?

O equilíbrio entre duas pessoas num relacionamento amoroso, muitas vezes, é algo delicado. O crescimento individual de um dos dois pode provocar insegurança ou, até mesmo, inveja.

Quando você precisa fazer o outro se sentir fraco para se sentir bem e seguro dentro do relacionamento, existe algo de errado. Se a sua insegurança é muito grande, a ponto de não conseguir ficar feliz pelas conquistas individuais da sua namorada, você começa a sabotá-la como forma de controle.

Observe se você a critica em tudo que ela faz ou tenta fazer. Perceba qual é a sua capacidade em apoiá-la em seus projetos individuais. Tudo bem que você sinta uma pontinha de insegurança ou inveja quando percebe o crescimento dela, afinal, somos humanos. Mas se a felicidade alheia te incomoda muito, esse é um indício de que você não aceita a realização pessoal da sua parceira e ataca sua autoestima para se garantir dominante sobre ela.

6. Você justifica comportamentos abusivos com uso de drogas

Como você age quando está sob efeito de álcool ou outras drogas? Você fica muito ciumento, implicante ou agressivo com a sua parceira?

Muitos comportamentos abusivos em relacionamento não são conscientes. Em alguns casos, a pessoa só demonstra essas tendências quando está sob efeito de alguma substância psicoativa e isso se transforma num ciclo repetitivo de comportamentos abusivos seguidos de pedidos de desculpa e promessas de melhora que nunca se realizam.

Não é necessário que você seja dependente químico para praticar atitudes abusivas sob efeito de drogas. Você pode se justificar dizendo que perdeu o controle e não se lembra do que fez, mas o comportamento se repete a cada vez que vocês bebe um pouco. Caso você tenha um histórico de brigas com a sua parceira sempre que usa alguma substância entorpecente, você precisa de ajuda e deve aprender a lidar com esses comportamentos internos mal resolvidos.

Identifiquei alguns desses comportamentos em mim. O que fazer?

É importante entender que comportamentos como esses não surgem da noite para o dia e possuem raízes profundas na cultura e nas histórias que você viveu. É complicado sair deles sozinho, pela simples força de vontade. O processo de transformação pode ser longo e doloroso, por isso é muito importante responsabilizar-se e procurar ajuda.

A psicoterapia é um dos processos mais indicados para trabalhar esses comportamentos, mas não é o único. Hoje, estão surgindo grupos de homens que buscam discutir e transformar o lugar masculino interna e externamente. Você pode procurar um deles ou, mesmo, montar um desses grupos para reflexão.

O PapodeHomem lançou um documentário em parceria com Natura e Reserva que pode ajudar a lançar alguma luz sobre essas questões emocionais que, às vezes, acabam tornando-se pseudo-justificativas para comportamentos abusivos. Recomendo, de coração, que assista “O silêncio dos homens”. Pode ser que ajude a iniciar um processo de transformação.

Mas, independente do caminho que escolher, o principal é que você se abra a um processo de revisão profundo e se esforce para não ser condescendente com as atitudes abusivas que encontrou em si mesmo. Mesmo que você identifique motivos na sua história para agir assim, nada justifica ‘descontar’ seus traumas e inseguranças sobre a pessoa com quem você relaciona.

Marcelo Marchiori

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