Nota do editor: esse é um artigo em duas partes. A primeira, você está lendo agora. E a segunda, "5 direitos que o consumidor tem mas a maioria não sabe", publicaremos na quarta-feira que vem, dia 19/06.
Ao longo do artigo há as referências entre colchetes com a pesquisa feita pelo Itamar, autor do artigo. Para não estender a leitura e torná-la intragável, decidimos colocar todas as notas neste PDF, caso você queira mergulhar no assunto. É só baixar e aproveitar. Segue o artigo abaixo, esperamos que seja útil. Boa leitura!
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Normalmente, ouvimos falar sobre o direito do consumidor como se a máxima "o cliente sempre tem razão" fosse uma regra inviolável. Assim, não é raro ouvirmos falar de situações que fogem ao mínimo do bom-senso.
Em toda transação, há duas partes envolvidas e o respeito mútuo tem de ser o ponto de partida, com cada um ciente dos deveres e direitos que lhes cabem.
Assim sendo, decidi explicar aqui embaixo sobre alguns "direitos" que, por desinformação, ingenuidade ou má-fé, muitas vezes o consumidor pensa que tem, mas na verdade, não tem.
1. Troca de produto
Imagine a seguinte situação: foi seu aniversário e seu melhor amigo lhe presenteou com uma camisa. Porém, quando você experimentou o presente, que decepção, não serviu.
Você informa o amigo, que também fica chateado com a situação, mas lhe indica a loja onde o produto foi adquirido. Você segue feliz da vida para o estabelecimento disposto a trocar a camisa por outra que lhe sirva mas, chegando, outra decepção, o atendente informa que a troca de produtos não faz parte da política da loja.
Qual sua primeira reação?
Fica indignado, briga com o atendente e diz que vai procurar um advogado para processar a loja, porque com toda certeza seus direitos de consumidor foram violados, certo?
Errado!
Nenhum estabelecimento comercial é obrigado a trocar um produto em perfeito estado. A lei estabelece obrigação de trocar o produto ou devolver a quantia paga apenas nos seguintes casos:
1.1. Quando se verifica que o produto apresenta defeito de fabricação dentro do prazo de garantia, o chamado vício do produto[i].
Esses defeitos podem ser de quantidade ou de qualidade. Defeito de quantidade, como o próprio nome sugere, é quando o peso, volume ou unidade do produto entregue é menor do que a anunciada. O saco de 50kg de farinha que vem com apenas 45kg de peso líquido, ou a bandeja com 12 ovos que só tem 10 unidades.
Vício de qualidade já é um pouco diferente e se divide em defeito que prejudica o uso esperado do produto, como um veículo que venha com um defeito no motor e que impede seu normal funcionamento e defeito que torna inadequado o uso do produto, como um veículo que venha sem os cintos de segurança, porque apesar de funcionar normalmente, não é adequado usar um veículo sem cintos de segurança porque compromete a segurança dos ocupantes.
Um outro tipo de vício de qualidade que não se encaixa em nenhuma das categorias acima é aquele que reduz o valor do bem. Também não é muito difícil de entender e podemos usar o exemplo de um veículo zero quilômetro que veio com um risco enorme na pintura. Um risco na pintura de um veículo não compromete seu funcionamento e nem torna seu uso não recomendável, porém, é inegável que desvaloriza o bem. Sendo assim, o consumidor terá o direito de exigir a reparação desse vício.
Vale lembrar que se o consumidor estiver sabendo do defeito do produto e mesmo assim fechar o negócio, especialmente se receber um desconto por isso, não poderá reclamar posteriormente, é o caso daquelas promoções de venda de mostruário.
1.2. Outra situação que autoriza a troca é quando o fornecedor se recusa a cumprir a propaganda por ele mesmo veiculada[ii]. Neste caso, inclusive, é importante destacar que a escolha cabe ao consumidor, que poderá exigir o cumprimento da oferta, a troca do produto por outro de sua escolha ou, se já tiver pago qualquer quantia, a devolução dos valores pagos.
1.3. Outro caso em que o consumidor está autorizado a exigir a troca do produto é quando o fornecedor não cumpre o prazo de entrega. A lei considera que a excessiva demora ou o não cumprimento do prazo combinado é uma prática abusiva[iii], também cabendo ao consumidor escolher se deseja a troca do produto ou a restituição das quantias pagas[iv].
Não ocorrendo um dos casos acima, o estabelecimento não tem obrigação de aceitar a troca do produto, embora a maioria realize trocas por uma questão de estratégia comercial.
Agora que você está sabendo disso, talvez seja recomendável ser um pouco mais gentil com a pessoa que lhe atender.
2. Troca ou devolução imediata do dinheiro em caso de produto defeituoso
Você comprou uma televisão nova para assistir os jogos do brasileirão e, depois de uma semana de uso, ela parou de funcionar. Como domingo seu time vai jogar, no sábado de manhã você corre para a loja e exige a troca imediata do aparelho, para não perder o jogo do dia seguinte.
Não é bem assim.
Mesmo em caso de defeito, a lei não obriga o fornecedor a trocar imediatamente o produto, aliás, nem mesmo a troca é obrigatória caso seja possível o conserto.
A lei dá uma chance para o fornecedor consertar o defeito antes de obrigá-lo a trocar o produto ou devolver o dinheiro. Neste caso, é concedido um prazo máximo de trinta dias para que o conserto seja realizado e o produto devolvido ao consumidor[v]. Somente se o problema não for resolvido ao fim desse prazo é que o consumidor poderá exigir a troca do produto, a restituição dos valores pagos ou o abatimento do preço.
3. Arrependimento
Você comprou aquele celular de última geração, mas depois de alguns dias reavaliou a compra, viu que não precisava de um telefone novo e decidiu voltar à loja para devolver o produto, pois ouviu falar que existe um tal de “direito de arrependimento”.
Pois bem, o direito de arrependimento existe, mas não cabe em qualquer situação. Só pode ser invocado quando a compra foi realizada fora do estabelecimento do fornecedor[vi].
Essa regra foi criada porque se entende que quando a venda ocorre fora do estabelecimento, especialmente vendas a domicílio ou por telefone, o consumidor sofre uma pressão muito maior por parte do vendedor para fechar o negócio e muitas vezes acaba cedendo mesmo sem querer comprar o produto.
O intuito é proteger especialmente as pessoas em situação de vulnerabilidade ou com o discernimento reduzido, como idosos e também para minimizar a possibilidade de fraudes e compras sem consentimento do titular. Todavia, a lei especifica um prazo máximo de sete dias para o exercício do direito de arrependimento, decorrido esse prazo, não caberá mais reclamações.
4. Escolha da forma de pagamento
Muitas pessoas pensam que é o cliente que tem o direito de escolher a forma como quer pagar pelo produto ou serviço e o comerciante está obrigado a aceitar.
Não é verdade. A única forma de pagamento que o comerciante é obrigado a receber em qualquer situação é o dinheiro de curso legal no país. A recusa em receber dinheiro é considerada prática abusiva[vii] e, inclusive, contravenção penal[viii].
O consumidor não pode obrigar o fornecedor a aceitar o pagamento em cheque[ix] ou cartão de crédito ou débito.
Contudo, caso o fornecedor não aceite o pagamento em cheques ou em cartão, a proibição deve valer para todas as pessoas, sendo vedada a adoção de práticas discriminatórias entre os consumidores[x].
Uma alteração recente na legislação possibilitou ao comerciante praticar preços diferentes caso o produto ou serviço seja pago em dinheiro ou em cartão ou caso o consumidor opte pelo pagamento à vista[xi]. A razão reside no fato de que o pagamento com cartão de crédito gera ônus para o comerciante, que precisa pagar comissão para a operadora de cartão, assim como alugar ou comprar a máquina de cartão. Eliminando esses custos, ele pode repassar a economia para o cliente.
5. Nos produtos com mais de um preço, o consumidor tem o direito de pagar o valor mais barato.
Esse direito realmente existe[xii], mas não vale para todas as situações.
Quando um produto apresenta preços diferentes, como regra geral o consumidor terá o direito de adquirir o produto pagando o valor mais baixo entre os indicados.
Contudo, existe uma regra geral de direito que é chamada de princípio da boa-fé objetiva[xiii]. Este princípio determina que todos devem agir com boa-fé em todas as situações, assim, os envolvidos em um negócio devem agir com boa-fé[xiv] e o direito do consumidor adiciona o princípio do equilíbrio entre consumidores e fornecedores nas relações de consumo[xv].
Ou seja, não é apenas o fornecedor que deve agir de boa-fé, mas também o consumidor, de maneira que, em caso de produto com valores diferentes, o consumidor terá o direito de pagar o valor mais baixo quando essa confusão de preços induzi-lo ao erro.
Isso, porém, não autoriza que o consumidor exija pagar o valor mais baixo quando é evidente a desproporção entre o preço anunciado e o valor do produto. Se, por exemplo, o preço normal de um produto for R$ 5.000,00 e devido a uma falha humana ou defeito mecânico constar o preço de R$ 5,00 na etiqueta, não poderá o consumidor exigir que o fornecedor lhe venda aquele produto por apenas R$ 5,00, porque é evidente que isso viola o princípio da boa-fé e do equilíbrio.
Aliás, abrindo um pequeno parênteses no texto, é importante desconfiar de qualquer produto oferecido por preço muito abaixo do valor de mercado, porque ao comprar algo por um valor muito baixo, você pode estar cometendo um crime[xvi].
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Este é o fim da primeira parte do nosso artigo sobre direito do consumidor. Como falamos ali em cima, quarta que vem, dia 19 tem mais.
O que acharam, sanou dúvidas? Existem outras dúvidas que gostariam de ver esclarecidas? Não concordam com o texto? Discutam abaixo.
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